Diário de Moçambique, em Editorial
Os acontecimentos verificados semana passada em Nampula, que culminaram, após tiroteio, com a tomada, pela Polícia da República de Moçambique, da delegação política de Renamo naquela cidade e detenção de 34 antigos guerrilheiros daquele partido, mereceram, nos últimos dias, reacções de vários quadrantes da sociedade moçambicana, convergindo, a maior parte dessas reacções, no apoio às autoridades, por reporem a ordem e tranquilidade públicas, que estavam a ser postas em causa.
Só não foi no mesmo diapasão a própria Renamo, que esta semana, na abertura de mais uma sessão da Assembleia da República, veio dizer aos moçambicanos, através da chefe da bancada parlamentar, Maria Angelina Inoque, que a acção policial tinha visado “indivíduos indefesos” e que, por isso, o partido a classificava de “vergonha nacional”.
Independentemente de muitas vezes os seres humanos esquecerem-se da razão quando em causa estão interesses pessoais, fica claramente em dúvida a idoneidade e a moral de quem, ainda que acompanhando os acontecimentos à distância, diz uma barbaridade dessas.
Pior, três dias depois das declarações da chefe da bancada parlamentar da Renamo, um porta-voz do partido em Nampula veio, através da imprensa, deixar ainda mais claro que Maria Angelina Inoque apenas meteu as mãos entre as pernas, ao afirmar que a Renamo havia provocado muito mais baixas aos agentes da Força da Intervenção Rápida (FIR) do que a morte de um polícia, oficialmente anunciada pelas autoridades.
Ora, fica evidente que a própria Renamo nem sequer sabe do que está a falar!
Como é que homens indefesos – ou seja, desarmados, sem quaisquer possibilidades de se auto-defenderem – são capazes de infligir baixas a uma equipa policial? Como é que homens indefesos foram capazes de abater a tiro um agente da polícia? Como é que homens indefesos responderam, com fogo de metralhadoras, aos disparos da força policial? Como é que homens indefesos foram capturados num local onde se encontram armas de fogo e munições? Francamente!
O que é facto é que aquelas centenas de pessoas, entre antigos guerrilheiros da Renamo e elementos da guarda pessoal de Afonso Dhlakama, acantonadas durante meses a fio nas instalações da Renamo em Nampula, constituíam uma pedra no sapato para as autoridades policiais, em particular, pelo seu envolvimento em actos de desestabilização da ordem e tranquilidade públicas.
Os citadinos residentes nas proximidades da sede da Renamo em Nampula já há meses que não circulavam nem dormiam sossegados nas suas casas, amedrontados pelas acções banditescas de grupos de homens armados que por ali circulavam.
Ademais, um cidadão permaneceu durante um mês na delegação política da Renamo em Nampula, em cárcere privado, para além de vários outros terem sido assaltados e agredidos, incluindo jornalistas, situação que viola a legislação moçambicana.
Porém, mais do que um problema que às autoridades se impunha resolver, a situação dos ex-guerrilheiros da Renamo concentrados em Nampula já representava uma espinha na garganta para a própria Renamo, em particular para o seu líder, Afonso Dhlakama.
É que, depois de os concentrar em finais do ano passado, por razões que aparentemente têm a ver com a distribuição de dinheiro pela sua participação no conflito armado terminado em 1992, passou a ser insustentável para a Renamo manter centenas de pessoas concentradas; alimentá-las, satisfazer as suas necessidades básicas.
Ficou, pois, complicado para a própria liderança da Renamo descalçar essa bota, já que, a avaliar pelas declarações de ex-gerrilheiros detidos em Nampula, dali estes não arredariam o pé enquanto não lhes fosse pago o dinheiro prometido por Afonso Dhlakama.
Não admira, pois, que enquanto a chefe da bancada parlamentar faz a chamada “política sem vergonha” e afirma na magna casa do povo que a intervenção policial contra aqueles que designa de homens indefesos saldou-se em “vergonha nacional”, o líder do partido, no seu casulo em Nampula, esteja a aplaudir a acção da PRM, por o ter ajudado a pelo menos adiar a resolução de um problema bicudo que o persegue há duas décadas...
Ler relacionado em Frelimo desmente plano para matar líder da oposição. Afonso Dhlakama – opinião Página Global, de Helena Ricoli
Sem comentários:
Enviar um comentário