sábado, 17 de março de 2012

“NÃO ME VEJO COMO CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA”




PONTO FINAL ENTREVISTA MARI ALKATIRI

Destaque

"O próprio Xanana em Julho fez uma reunião com o conselho de ministros e disse‘milhões e milhões, parece que têm asas, desapareceram’. Um primeiro-ministro que reconhece isto devia demitir-se. Se ele reconhece que o dinheiro voou, os ministros não podem ser os únicos culpados, ele é que é o chefe e é o principal culpado." 

Inês Santinhos Gonçalves - Ponto Final (Macau) – 17 outubro 2011 – Reposição em Página Global

Xanana Gusmão “falhou redondamente em tudo”, acusa Mari Alkatiri. O líder da oposição timorense diz ter recusado o convite para ser o candidato da FRETILIN às eleições presidenciais e não confirma se será Francisco Lu Olo Guterres a concorrer ao cargo.

A menos de seis meses das eleições presidenciais e a cerca de oito das legislativas, o ex-primeiro-ministro de Timor-Leste e secretário-geral da FRETILIN, Mari Alkatiri, fala ao PONTO FINAL sobre os desafios do país. Do Governo de Xanana Gusmão diz que não tem programa e está “cheio de corrupção”. Não quer avançar qual será o candidato da FRETILIN, mas garante que o partido que lidera conseguirá uma vitória “com uma maioria muito expressiva”.

Alkatiri esteve em Macau a convite de Edmund Ho, para saber mais sobre o fundo de mil milhões de dólares (cerca de oito milhões de patacas) de apoio aos países de língua portuguesa, criado pela China e anunciado em Novembro último. Acusa o actual Governo timorense de não demonstrar capacidade em ser parceiro de Pequim, pondo em risco o desenvolvimento de projectos importantes para o país. Timor-Leste, acredita, tem capacidade para ser a Macau do Pacífico: uma plataforma entre a China e os países de língua portuguesa.

- Estou a falar com o próximo primeiro-ministro de Timor-Leste?

Mari Alkatiri – Tenho dito que a transição geracional é precisa. Uma transição suave e sustentável. E um partido grande e com a história que tem a FRETILIN precisa que a transição seja feita dentro da própria FRETILIN. Se eu for primeiro-ministro vou ter menos tempo para me dedicar ao partido e a essa transição. Vou-me preocupar mais com o Estado, como aconteceu entre 2002 e 2006. Claro que vai ser complicado convencer os meus colegas desta tese porque eles acham que não, que já dei cinco anos inteiros ao partido desde que a FRETILIN deixou de governar e eu próprio abdiquei do meu lugar no parlamento. De qualquer forma, vou fazer a campanha da FRETILIN e estou convencido que vamos ganhar as eleições, por uma maioria muito mais expressiva, para não dizer maioria absoluta.

- Que balanço faz do Governo de Xanana Gusmão?

M.A. – É um Governo que fracassou, falhou redondamente em tudo. Um Governo sem planos, sem programas, cheio de corrupção. Um Governo desta natureza não consegue satisfazer pelo menos 80 por cento da população. Pode beneficiar 20 por cento, se tanto.

- Não há nada de bom em quatro anos?

M.A. – Os resultados ditos positivos são os subsídios para os veteranos e combatentes de libertação nacional e os subsídios para os idosos. [É possível] quando se governa com muito dinheiro, mas subsidiar não é governar. Ainda por cima o sistema de subsidiação está todo corrompido. Há veteranos que nunca o foram na vida, há pessoas que lutaram a favor da integração de Timor-Leste na Indonésia e que agora são veteranas, e há outras que lutaram pela independência de Timor-Leste e não foram consideradas. Portanto, mesmo nisso falharam. Ao nível dos idosos, uma questão que em princípio seria pacífica, a lei define que são [para pessoas] de 60 anos para cima, mas há pessoas com muito menos de 60 anos que estão a receber como se fossem idosas. E não são poucas, são 20 mil pessoas, pelo menos, que estão a receber como idosas e são jovens, têm idade para trabalhar. Até nesses dois ditos resultados positivos que apresentam falharam sempre. [Em termos de] infra-estruturas, Xanana estava convencido que era simples, [bastava] melhorar as estradas e electrificar o país. Prometeu electricidade a todas as casas de Timor-Leste até 30 de Agosto de 2009. Hoje nem mesmo em Díli há electricidade para todos. No meu bairro, na minha casa, falta três vezes por dia e quando falta é por duas, três horas. Isto em Díli. Tentaram fazer um mega projecto de electrificação do país que fracassou por completo. Dizem que durante a governação de Xanana existiu paz e estabilidade. Há uma razão fundamental: porque eles estão a governar. Porque eles é que provocaram a crise, eles é que usaram da violência para derrubar o meu Governo e nós recusamos entrar pela mesma via, de usar a violência como um instrumento político.

- Acha que esses exemplos que deu são sinais de uma corrupção instalada?

M.A. – Em tudo o que seja subsidiação excessiva há sempre corrupção. O Governo de Xanana, em termos de orçamento de Estado, em quatro anos já está a aproximar-se de quatro mil milhões de dólares gastos. Para onde é que foram? Não há estradas, as infra-estruturas que têm sido inauguradas por eles são do meu tempo, todas sem excepção. Foram infra-estruturas construídas com apoio bilateral ou multilateral, que não tem nada que ver com o orçamento de Estado. O sistema de saúde em Timor-Leste está desacreditado, os membros do Governo e os seus familiares vão tratar-se em Singapura ou na Indonésia.

- E a sua pergunta é: para onde é que foi o dinheiro?

M.A. – Sim. O próprio Xanana em Julho fez uma reunião com o conselho de ministros e disse ‘milhões e milhões, parece que têm asas, desapareceram’. Um primeiro-ministro que reconhece isto devia demitir-se. Se ele reconhece que o dinheiro voou, os ministros não podem ser os únicos culpados, ele é que é o chefe e é o principal culpado.

- Acha que Ramos-Horta se vai candidatar?

M.A. – Bom, Ramos-Horta é uma pessoa que tem uma certa autoconfiança. E tem uma sensibilidade política que não é normal nos políticos de Timor-Leste, sabe perfeitamente fazer o jogo de cintura quando é necessário, ele foi lobista e faz bem isso. Ramos-Horta é uma pessoa com uma rede de conhecimentos internacionais que mais ninguém tem. A questão de Ramos-Horta é que não tem partido político, foi fundador da FRETILIN, saiu, foi candidato contra o candidato da FRETILIN em 2007, isso deixa sempre algumas marcas. Agora, se Ramos-Horta se recandidatar, havendo um candidato da FRETILIN e mais o general Matan Ruak, estes serão os três candidatos mais fortes. Naturalmente que se decidirmos por uma candidatura própria queremos ganhar na primeira volta.

- E quem será esse candidato? Lu Olo?

M.A. – Prefiro não avançar nome nenhum, até porque Dom Basilio do Nascimento sugeriu o meu e eu disse que não, porque para mim a posição mais importante em Timor-Leste é ser secretário-geral da FRETILIN. Não me vejo como candidato à Presidência da República.

- Quais são os maiores desafios do próximo Governo?

M.A. – O Governo dos próximos cinco anos vai ter uma tarefa muito difícil. Xanana vai deixar um país completamente desagregado, em termos institucionais. Chamam-lhe descentralização, mas não descentraliza, desagrega. Rebentou com o sistema de gestão e o novo Governo vai ter de refazer o sistema todo. E como não há gestão, a corrupção aumenta.

- Que expectativas tem para a futura missão das Nações Unidas em Timor?

M.A. – A missão não pode perpetuar-se. Vai até às eleições e depois fica mais seis meses, até Dezembro de 2012, e pronto. Agradecemos a contribuição da comunidade internacional e queremos que a ligação entre Timor-Leste e as Nações Unidas continue a ser forte por mais dois anos – sem uma missão com polícias e forças, mas ainda assim uma ligação forte. Não com as agências de desenvolvimento, mas com o Conselho de Segurança.

- Como vê as alterações que Xanana propôs para o Fundo Petrolífero?

M.A. – Dos tais dez por cento permitidos para se investir no mercado financeiro eles fizeram um investimento de cinco por cento. Foi um teste que fizeram – o resultado foi negativo. Houve prejuízo nesse investimento. Agora fizeram uma alteração à lei do Fundo Petrolífero para permitir investir até 50 por cento. Ainda bem que não vão ter tempo de fazer isso. Seria um desastre. Teríamos ficado sem Fundo Petrolífero. Quem investe corre sempre riscos, mas não pode investir às cegas, tem de haver regras. Não se pode dizer que um Governo que investiu e perdeu cometeu um crime, até porque o fez com as melhores intenções, mas o dinheiro não é meu nem é deles, é do povo e é preciso tratá-lo dessa forma.

- A China tem reforçado as parcerias comerciais com Timor-Leste. Que impacto é que isso está a ter no país?

M.A. – A China tem procurado reforçar essa relação com Timor, mas não há capacidade do próprio Governo de Timor-Leste em ser parceiro. Parceria significa que vem das duas partes. O Governo tem o dinheiro fácil do petróleo e não desenvolveu a sua capacidade de fazer planos, programas e projectos, para permitir que essas parcerias avancem. Houve falha por parte do Governo de Timor-Leste. Não é só com a China, a União Europeia também tem dinheiro para Timor-Leste que não é crédito, é dinheiro doado, milhões e milhões de euros, que estão aí há dois anos à espera.

- De que forma é que o Fórum Macau tem ajudado Timor-Leste?

M.A. – Até agora nem com um centavo. Não por culpa da China, muito menos de Macau, mas por culpa de Timor. Pela mesma razão, pela falta de capacidade de apresentar projectos. Porque ninguém empresta dinheiro sem ver se os projectos são viáveis. Querem dar o Fundo Petrolífero como garantia para pagar a dívida. Isso é o pior que podem fazer. O Governo fica descansado: se não conseguir com esse dinheiro produzir o retorno de capital mais o lucro, vai ao Fundo Petrolífero e paga a dívida. Isso até a minha neta faria. Fazer do Fundo Petrolífero um fundo perdido não pode ser.

- Como define a actual relação de Timor com a Indonésia?

M.A. – Boa, muito boa. Naturalmente que ainda temos questões pendentes, como o património dos cidadãos indonésios em Timor-Leste. Hoje em dia, se tivermos de só compensar financeiramente, podemos fazê-lo com muita facilidade. Mas é preciso definir bem as políticas. Nós vamos compensar, tudo bem. Mas e quem vai compensar o património dos timorenses que foi queimado em 1999? Coloquei esta questão quando era primeiro-ministro. Não temos problemas [em fazê-lo], mas vocês pagam as vossas [compensações], nós pagamos as nossas. Não passa de cinco ou seis milhões de dólares. Resolvia-se. Agora, por princípio, não podemos ser nós a pagar as nossas e as dos outros. Naturalmente que os cidadãos não têm culpa alguma se Suharto decidiu invadir e anexar Timor-Leste, mas muito menos nós.

- E com Portugal?

M.A. – Portugal tem feito sempre grandes esforços, mas acho que a cooperação portuguesa deve encontrar prioridades. Se queremos realmente que a língua portuguesa se afirme, essa deve ser a grande prioridade. Eu sou o maior defensor da língua portuguesa. Alguns pensam que é por saudades, mas eu nunca vivi em Portugal. A língua portuguesa e o tétum, em épocas diferentes, sobrepuseram-se uma à outra, para permitir que a identidade se reforçasse. A própria igreja católica foi evangelizada pelos missionários portugueses. Tudo isso dá um toque na cultura.

- Acha importante valorizar o português como língua?

M.A. – A nossa língua nacional é o tétum, é a mais falada. Mas o tétum só se pode desenvolver ligado ao português. Nunca há-de ser crioulo, mas a verdade é que sem estar ligado ao português vai desaparecer. Porque o tétum ligado ao bahasa tem tendência a passar a ser crioulo da Indonésia. Se for ligado ao inglês desaparece. Só ligado ao português é que o tétum pode desenvolver-se como uma língua cada vez mais forte e que aparece como um elemento de identidade nacional.

- Como vê o ensino do português em Timor-Leste?

M.A. – A geração mais jovem diz ‘nós nascemos já no tempo da Indonésia, só os saudosistas da velha geração é que aparecem aqui a defender o português’. A resposta que dou é: ‘eu já não preciso de defender o português para o falar, vocês é que precisam. Se não um dia vão ser a extensão da parte oriental da Indonésia. É isso que vocês querem?’

- Também é importante em termos comerciais.

M.A. – Assim como a China faz – e muito bem – de Macau uma plataforma de relação com a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], daqui a uns anos Timor-Leste deve assumir esse papel e funcionar até melhor que Macau. Porque Macau não é um país independente.

- Timor teria interesse nisso?

M.A. – Nem tem outro caminho. Assim como não tem outra opção que não ser membro da Ásia, também não tem em ser um membro activo da CPLP, ligar a CPLP à Ásia, ligar a CPLP ao Pacífico. Podemos dizer que Macau é mais para o Sudeste Asiático e Timor para a Ásia-Pacífico – dois espaços diferentes. Isto é completamente possível, mas é preciso que haja uma política clara sobre isso.

- Sempre se manifestou a favor da autodeterminação dos povos. Como vê a situação de Taiwan?

M.A. – Nós reconhecemos uma só China. Em relação a Macau, a China encontrou uma saída que nós achamos louvável. Mas Taiwan é uma realidade económica, social e política diferente. Taiwan não se assume como colónia e Macau e Hong Kong eram colónias. A nossa política desde sempre foi de uma só China.

- Qual é hoje a herança da crise de 1999?

M.A. – A maior justiça já se fez: Timor é independente. Isso já ninguém pode negar. Isto em termos de direito colectivo do povo. Depois há os direitos individuais das vítimas – é preciso envolvê-las e olhar para a frente. O mais importante agora é consolidar a democracia e o Estado de direito em Timor-Leste e na Indonésia. Porque, no fundo, aqueles que oprimiram os timorenses de 1975 a 1999, também oprimiram cidadãos indonésios. Violaram direitos dos cidadãos indonésios. Mas agora passar a batata quente para Timor, como a comunidade internacional quer fazer, isso não tem lógica alguma. Nós queremos as melhores relações com os nossos vizinhos, em particular com a Indonésia: relações entre os cidadãos, entre partidos políticos, entre os dois povos, entre os dois Governos e Estados. Não tenho dúvidas que é esse o caminho. A Indonésia pós-Suharto assumiu a independência de Timor-Leste com dignidade.

- Às vezes faz-se confusão entre os povos e a política.

M.A. – Exacto. Nunca um povo é opressor de outro. São os regimes. Por isso é que quando falamos dos tempos da guerra temos sido claros: ‘as forças de Suharto’ e não a Indonésia.

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