Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro de Portugal, continua a sua luta para colocar o seu país cada vez mais perto do norte… de África. Está a ter sucesso. Mas não é o único.
Se fosse possível fazer uma entrevista mais íntima a Passos Coelho, certamente que ele diria, depois de ouvir Miguel Relvas: “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”.
Em Portugal, para além dos milhões que legitimamente só se preocupam em encontrar alguma coisa para matar a fome, nem que seja nos restos deixados pelos cães de António Mexia e similares (Passos Coelho incluído), uma minoria privilegiada só se preocupa em ter – com a preciosa ajuda do Governo - mais e mais, custe o que custar.
Quando alguém diz isto, e são cada vez menos a dizê-lo mas cada vez mais a pensá-lo, corre o sério risco de que os donos do poder o mandem calar, se possível definitivamente.
Mas, como dizia a outro propósito Frei João Domingos, "não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida". Eu acrescentaria que, apesar de tudo, Passos Coelho estabeleceu outras etapas antes da pena capital. O desemprego é uma delas. O viver sem comer é outra.
O primeiro-ministro foi eleito. Mentiu à grande e conseguiu comer de cebolada os portugueses. Manda o bom senso que se pergunte: Como é possível aos cidadãos acreditar num governo em que o primeiro-ministro mente? Mas como o bom senso não enche barriga…
Adaptando de novo, e tantas vezes quantas forem preciso, Frei João Domingos, em Portugal "muitos governantes, gestores, administradores e similares têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro".
Mas esses, apesar de podres por dentro, continuam a viver à grande e à PSD, enquanto o Povo se prepara para morrer de fome ou de falta de assistência médica. O tempo em que o mais importante era resolver os problemas do povo, já lá vai. Os políticos anteriores preparam o cemitério e Passos Coelho deu-lhe o golpe de misericórdia.
Tal como muitos dos políticos que passaram pelo reino lusitano, Passos Coelho continua a pensar que Portugal é o PSD (de vez em quando com a muleta do CDS) e que o PSD é Portugal.
E como pensa assim, o que sobra dos abundantes regabofes do Governo não vai para os escravos, mas sim para os rafeiros que gravitam sempre junto à manjedoura do poder.
E por que não vai para os pobres?, perguntam vocês, eu também, tal como os milhões que todos os dias passam fome. Não vai porque, tanto nas teses de Passos Coelho como nas de Cavaco Silva, ou nas de António Mexia, não há pobres em Portugal.
Aliás, como é que poderia haver fome se (ainda) existe fartura de farelo? Se os porcos comem farelo e não morrem, também o Povo português pode comer.
Embora seja um exercício suicida, importa aos vivos não se calarem, continuando a denunciar as injustiças, para que Portugal possa novamente abolir o esclavagismo e, dessa forma, ser um dia um país diferente, eventualmente uma nação e quiçá até uma pátria.
O Povo sofre e passa fome. Os países valem, deveriam valer, pelas pessoas e não pelos mercados, pelas finanças, pela corrupção, pelo compadrio, pelas negociatas.
É por tudo isto que a luta continua. Tem de continuar. Até porque, mais cedo ou mais tarde, a Primavera também vai iluminar (mesmo contra a vontade de António Mexia e da sua EDP) as ruas de Lisboa e chegar ao resto do país.
Enquanto os escravos não se revoltarem, os donos do país e os donos dos donos (do tipo António Mexia) vão continuar a vestir Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna e comprar relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex.
Enquanto os escravos já nem sabem se têm, os políticos e os mexiânicos peritos do reino vão continuar a ter à mesa trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château-Grillet 2005.
Passos Coelho, tal como António Mexia, sabe que os portugueses são – citando Guerra Junqueiro – “um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas”.
Passos Coelho, tal como António Mexia, sabe que os portugueses são – citando Guerra Junqueiro – “um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta”.
Passos Coelho, tal como António Mexia, sabe que em Portugal existe – citando Guerra Junqueiro – “uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos”.
Passos Coelho, tal como António Mexia, sabe que em Portugal existe – citando Guerra Junqueiro – “um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País”.
Entretanto, alguns portugueses (não tantos quanto o necessário) sabem que – citando Guerra Junqueiro – Portugal tem “partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar”.
Eis porque, dizem-me alguns (certamente com razão e sem citarem Guerra Junqueiro), sou uma besta. Com coluna, mas besta. Passaria a bestial se a coluna fosse amovível, eu sei. Que chatice! Não é?
E é por tudo isto que são cada vez mais os portugueses que não conseguem, ou não querem, comer gato por lebre e dizem que na política portuguesa há cada vez mais criminosos a viver à custa dos imbecis dos portugueses. Até um dia.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: ENTRE A LAGOSTA E A MANDIOCA
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