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Arturo Hartmann, São Paulo – Opera Mundi – imagem em Wikipedia
A arquiteta e urbanista brasileira Raquel Rolnik viajou em missão oficial da ONU (Organização das Nações Unidas) a Israel e aos Territórios Palestinos Ocupados (TPO) entre os dias 30 de janeiro e 12 de fevereiro. Era sua oitava missão como relatora pelo direito à moradia da organização, função que exerce desde 1o de maio de 2008.
Nesta terça-feira (06/03), ela faz uma exposição ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre o início dos trabalhos. Rolnik falou a Opera Mundi sobre a viagem, que fará parte do relatório final que entregará em março de 2013.
Na Cisjordânia, o relato mais impressionante, segundo Rolnik, foi a da vila beduína de al-Jahalin, a cinco quilômetros de Jerusalém. “Ela está encravada no assentamento de Maale Adumin, que foi crescendo sobre esse território, que ficou confinado. Além disso, a vila tem sofrido constantes ordens de demolição. Como um todo, está ameaçada de realocação. O projeto inicial seria levar a população a uma área de aterro de lixo, inadequado do ponto de vista do direito à moradia. Agora, o governo recuou pela enorme pressão da sociedade civil e de organizações internacionais”, diz.
As demolições de casas são levadas adiante por um conjunto de legislações (uma mistura da lei jordaniana anterior à ocupação e a decretos militares israelenses). Em resumo, um peso para os palestinos e outro para os israelenses é usado. Rolnik dá alguns exemplos: “em Jerusalém (a parte israelense mais a leste, ocupada e anexada), os palestinos são responsáveis por 20% das infrações de construção, mas sofrem mais de 70% das demolições de casas”. Na Cisjordânia, “em 2011, um total de 622 estruturas palestinas foi demolido por Israel e cerca de 1.094 pessoas foram deslocadas, o dobro em relação a 2010”, conta.
O empreendimento de deslocar palestinos e levantar assentamentos é o maior esforço urbanístico de Israel nos TPO. Levar a população (no caso, a israelense) a uma terra ocupada (a Palestina) é proibido de acordo com a Convenção de Genebra, da qual Israel é signatário. A relatora tentou apurar os responsáveis. “Levantei essa questão junto às autoridades israelenses para saber exatamente qual era a participação na promoção dos assentamentos. Fala-se muito da participação direta, mas é muito difícil identificar claramente o que o governo faz”, explica.
“Quero obter isso de forma mais precisa para o relatório. Caracterizar a participação direta, com os incentivos e os subsídios na promoção dos assentamentos. Oficialmente, o governo declara que não foram construídos novos desde 2002, apenas que se expandiram alguns deles”, diz a relatora da ONU.
Na Faixa da Gaza, as políticas são limitadas pelo cerco. “Tanto reconstruir e expandir a infraestrutura como as casas que foram demolidas, tudo é limitado pelo bloqueio. O esgoto vai direto para o [Mar] Mediterrâneo. Há o projeto de construção de uma estação de tratamento, mas isso depende da aprovação dos israelenses, que demora muito. Depois, é preciso autorizar a entrada de material de construção, o que demora mais ainda e eleva o custo. Na reconstrução das casas, a mesma coisa.”
Privatização de Israel
A relatora também manteve reuniões com alguns dos manifestantes israelenses de agosto e setembro de 2011, quando cerca de 500 mil pessoas foram às ruas por causa do problema da moradia. Uma mobilização social dessa magnitude não é algo que pode ser ignorado em Israel, onde o balanço político e social pode determinar a capacidade de o governo ter suas ações legitimadas.
Rolnik destacou o desmantelamento da política de bem-estar social israelense nos últimos 20 anos. No final dos anos 1960, o Estado tinha cerca de 500 mil unidades de apartamentos públicos como parte de um sistema para a absorção da migração judaica após o estabelecimento de Israel, em 1948. Hoje, as unidades mal somam 60 mil.
“Elas foram vendidos aos locatários e as ajudas de aluguel foram diminuindo ou seguiram sem reajuste”, afirma. A relatora da ONU conta que as terras foram privatizadas por altos preços, o que gerou aumento dos custos da moradia. Os novos bairros nobres de Israel não estão disponíveis nem mesmo para todos os judeus.
Discriminação
Os palestinos de Israel, os árabe-israelenses, não entravam na conta do bem-estar social e o problema persiste até hoje. O governo, preocupado com a manutenção da maioria judaica, estabelece políticas públicas específicas. “A estratégia tem dois âmbitos muito fortes. Um, o planejamento urbano e de regulação do território. O outro, de apropriação da terra, que acabou limitando e restringindo as possibilidades de expansão de aldeias e bairros árabes, e abriu frentes de expansão de aldeias e bairros judeus. É isso a que eu chamo de judaicização da terra”.
Em termos urbanísticos, a “judaicização” citada por Rolnik levou à supressão do caráter palestino do território, o que atingiu até mesmo judeus árabes que migraram para o país. “É um modelo predominante de construção habitacional que em Israel nunca é sobre habitação em si, mas uma estrutura urbana planejada, que dialoga pouco com as necessidades e especificidades culturais de grupos árabes ou palestinos, que se tornam obrigatoriamente ilegais”.
A conclusão principal é que tanto em Israel quanto nos TPO, há processos comuns e estratégias semelhantes de discriminação, embora sejam politicamente, geograficamente e legalmente diferentes. Em resumo, Israel e Palestina, apesar de resoluções internacionais, formam a terra de um só governo, o de Israel.
O relatório de Rolnik contribuirá para o inventário que departamentos da ONU fazem do conflito, mas que permanecem guardados nos arquivos. “Foi uma missão muito, muito difícil. Ainda mais como relatora. Nem tanto pela questão da miséria, por ter visto uma situação de muita precariedade, mas pela complexidade da
situação”, concluiu Rolnik.
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