domingo, 18 de março de 2012

Se quem mata é criminoso, porque carga de chuva quem fornece as armas é um herói?




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

O coronel Theoneste Bagosora, acusado de ser o "cérebro" do genocídio ruandês de 1994, que causou mais de 800.000 mortos, foi condenado no dia 18 de Dezembro de 2008 a prisão perpétua pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) para o Ruanda.

Acho muito bem, apesar de a justiça teimar (quando teima, e teima poucas vezes) em actuar à posteriori e não como meio profiláctico. É que, digo eu, para os 800 mil mortos já nada adianta a prisão de Theoneste Bagosora.

E se ladrão tanto é o que entra em casa como o que fica à porta, no banco dos réus do TPI deveriam também estar todos aqueles que, por esse suposto mundo evoluído, lhe forneceu armas.

Nenhum desses criminosos fabrica armas. Elas vão lá parar, a troco de petróleo ou de diamantes, enviadas pelo Ocidente que é onde elas se fabricam. Aliás, se Omar al-Bashir ou Thomas Lubanga, por exemplo, não existissem teriam de ser fabricados para que a indústria de armamento, que não é africana, pudesse continuar a ter lucros fabulosos.

O TPI considerou que Theoneste Bagosora foi o principal instigador do genocídio ruandês que, em 100 dias, vitimou mais de 800.000 pessoas. E, enquanto o TPI se entretém a fazer esta justiça (sem dúvida importante), outros genocídios continuam a acontecer, sem que se tomem medidas profilácticas.

Por cada genocídio que acabe, outro tem necessariamente de nascer. É disso, ou também disso, que vivem os países mais ricos do mundo. Com a diferença que os criminosos dão a cara, enquanto os instigadores e municiadores se acobardam nos areópagos da alta política ocidental.

Outros dois oficiais do exército ruandês foram condenados à mesma pena, igualmente por genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade. "O tribunal condena Bagosora, Aloys Ntabakuze, Anatole Nsengiyumva a prisão perpétua", afirmou na altura o presidente norueguês do tribunal, Erik Mose.

E então os outros? Os europeus, os norte-americanos e os russos não deveriam também ser condenados?

Foi feita justiça? Foi, com certeza. E, portanto, todos podem dormir descansados até aos próximos julgamentos. É que, com tanta hipocrisia internacional, não vão faltar casos para julgar e – é claro – milhões de vítimas para somar ao rol dos que não contam para nada.

De acordo com a acusação, Bogosora anunciou em 1993, ao fechar a porta a negociações com os rebeldes tutsis da Frente Patriótica ruandesa, que ia regressar ao país para "preparar o apocalipse", ou seja, o genocídio.

Hoje todos sabem que há outros generais a "preparar o apocalipse" mas, apesar disso, estão caladinhos. Lá vão vendendo as armas, trazendo petróleo e diamantes e depois reclamam justiça e decretam umas prisões perpétuas.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: PEPETELA CRITICA EDUARDO DOS SANTOS? HUM!

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