sexta-feira, 16 de março de 2012

VÍTOR GASPAR CONTROLA TUDO




Pedro Santana Lopes – Sol, opinião

«EM política, o que parece é». A frase é atribuída a um antigo ministro das Finanças que, depois, foi presidente do Conselho por muitos anos.

Cito a frase a propósito do que tem acontecido nos últimos dias sobre alguma concentração de poderes no actual ministro das Finanças.

E quero desde já esclarecer que refuto qualquer comparação entre os dois ministros de épocas tão distantes (até para Vítor Gaspar não trazer uma tia minha à colação...).

Não é essa a questão que me preocupa. Em todos os governos, os ministros das Finanças querem controlar o máximo que lhes é possível – e desde há anos que exigem que todas as medidas que impliquem aumento de despesa sejam previamente submetidas a quem exerce essas funções.

E ainda é mais assim sempre que a crise aperta. Como nunca apertou tanto como agora, é compreensível que este ministro das Finanças exija ainda mais controlo.

QREN, professores e o que mais se sabe tem de ser coordenado com o Ministério das Finanças. Seja! A questão principal é outra: o que vai fazer o ministro com estes poderes acrescidos?

A economia portuguesa está a parar em muitos sectores. Estes meses estão a ser muito complicados. E a legislação que vai saindo ainda mais complica e mais atemoriza.

NÃO vou maçar os leitores com detalhes, mas dou o exemplo da lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro, sobre compromissos plurianuais e pagamentos em atraso das entidades públicas.

Quem puder, que leia. É praticamente indecifrável. Será alguma tradução deficiente? É incompreensível pelo mau português e pelo irrealismo.

Um exemplo, no artigo 3.º, só para se ter uma ideia dos preciosismos:

«Para efeitos da presente lei, consideram-se:

c) ‘Passivos’ as obrigações presentes da entidade provenientes de acontecimentos passados, cuja liquidação se espera que resulte num exfluxo de recursos da entidade que incorporam benefícios económicos. Um acontecimento que cria obrigações é um acontecimento que cria uma obrigação legal ou construtiva que faça com que uma entidade não tenha nenhuma alternativa realista senão liquidar essa obrigação. Uma característica essencial de um passivo é a de que a entidade tenha uma obrigação (...).

Não vale a pena continuar.

Há uma nova ideologia: o troikismo

ESTE diploma, entre várias outras pérolas, inclui uma norma que diz que o seu conteúdo prevalece sobre toda e qualquer outra norma de qualquer outro diploma. E outra ainda, no art. 11.º, que responsabiliza civil, disciplinar e criminalmente os dirigentes e os funcionários.

Ora, quem comanda isto tudo? Quem inspira ou exige a dita concentração e a referida legislação?

Quem for, saberá já do decréscimo da receita fiscal em Janeiro?

Faço esta pergunta porque é essa a questão central: como vai a economia aguentar-se com todo este espartilho? Esse é o ponto.

Empresas privadas, cidadãos em nome individual, autarquias, instituições de direito privado, hospitais, universidades e, também, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, vão sendo inundadas com novas normas que surgem à medida que as receitas do Estado vão baixando.

DÊ-SE atenção a outra lei: a lei 64/C, de 30 de Dezembro de 2011, sobre os procedimentos em matéria orçamental. No n.º 5.1.4 trata-se de «repensar o papel do Ministério das Finanças enquanto guardião da estabilidade e sustentabilidade das contas públicas».

E o que se diz sobre este assunto? O seguinte: que «garantir a eficácia da nova arquitectura orçamental (...) exige uma reorientação do enfoque do Ministério das Finanças, que deverá passar a centrar a sua actuação na definição e no controlo do quadro plurianual, na avaliação de grandes projectos de investimento público e no controlo da situação financeira das empresas públicas». E remata: «O processo de reforma orçamental é, assim, indissociável da reforma do próprio Ministério das Finanças».

OU seja, o Ministério das Finanças passa a ser, também, o que, noutros Governos, era o Ministério do Planeamento (que geria o PIDDAC); e, a vários títulos, o que sempre foi o Ministério da Economia.

Revolução silenciosa? Em certa medida, embora ainda sob a forma de redacções escritas ou traduções vertidas em lei. E uma lei pode ser discreta mas é aprovada pela Assembleia da República e assinada pela sua presidente, promulgada pelo Presidente da República, referendada pelo primeiro-ministro e publicada em Diário da República. Pode ser mais ou menos debatida, mas é tudo menos confidencial.

Há uma nova ideologia, o troikismo? Parece que sim!

E embora esta possa ser formal, técnica e até politicamente compreensível, a pergunta decisiva é esta:

– E a economia?

A economia está a sufocar

ESTAMOS ainda em fase de contracção, sem dúvida. A segunda avaliação da troika correu genericamente bem. Nas últimas semanas deixámos de estar tão debaixo da mira de quem desgradua e avalia negativamente.

Mas é preciso muita atenção a estes meses até ao Verão. Vários sectores da economia estão a sufocar. As pessoas e as empresas não conseguem cobrar e/ou não conseguem pagar.

Deve ser feita, de facto, a reavaliação dos projectos aprovados (ou em vias de o serem) e proceder-se ao reajustamento dos respectivos envelopes financeiros, de modo a que os investimentos possam prescindir (em parte ou no todo) da comparticipação nacional, sem que isso implique reforço dos recursos disponibilizados pelos fundos europeus.

José Medeiros Ferreira tem insistido muito nesta ideia, já admitida em Bruxelas desde há cerca de um ano.

A banca deve dar algum sinal aos agentes económicos de que se sente mais segura com o recurso às disponibilidades libertadas, novamente, pelo BCE. Quase sem financiamento, e com spreads tão pesados para o pouco crédito autorizado, a economia estagnará.

A ESSÊNCIA é a economia e a questão é o calendário. Com ou sem tempo adicional para amortizar a dívida, o espartilho não pode sufocar demais durante estes meses.

Enquanto as normas orçamentais vão estreitando as malhas; enquanto os ministérios transferem competências de uns para outros; enquanto o Presidente vai dissertando; enquanto a oposição vai esbracejando para se distanciar do Memorando; enquanto o Ministério das Finanças se reestrutura; enquanto tudo isso acontece, os motores começam a parar. E quanto tempo demorarão para trabalhar outra vez?

Dizem os sábios que muitas medidas podem ter sucesso. Mas os estrangeiros de entidades financeiras com quem vou contactando na minha vida profissional só me perguntam: mas como vão pagar a dívida se não crescem?

1 comentário:

Kruzes Kanhoto disse...

Relativamente às autarquias bastaria uma pequena, quase insignificante, alteração ao POCAL para obter o mesmo efeito que se pretende com esta lei. Mais ou menos isto: "O orçamento do ano n+1 não pode prever receitas nem considerar despesas superiores à receita cobrada no ano n-1". Para aqueles que não conseguissem "encaixar" toda a divida num só orçamento poderia, por exemplo, considerar-se a obrigatoriedade de elaborar um orçamento plurianual.

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