sexta-feira, 27 de abril de 2012

25 DE ABRIL: AUSÊNCIAS QUE FALAM




Daniel Oliveira – Expresso, opinião, em Blogues

Desculpem se ainda não vos falo do Miguel. Há coisas que, para ficarem escritas e publicadas, precisam de tempo. Quando se trata de um amigo assim, tão importante para mim, pôr sentimentos preto no branco precisa de algum tempo. Será, talvez, na edição do Expresso. Tenho o texto aqui, já escrito, a ganhar coragem.

Acomodo-me então ao comentário da atualidade. E quero defender um homem que nunca foi da minha cor política. Em quem nunca votei e que a única vez que apoiei, era felizmente demasiado novo para me custar o que, na altura, sei que me custaria. Com Manuel Alegre e dezenas militares de abril, Mário Soares não foi às comemorações oficiais do 25 de abril.

Lá esteve Passos Coelho. Que usou, com todo o direito, porque o cravo não tem dono, uma flor ao peito. Digo uma flor, porque, na lapela do exterminador do Estado Social e da nossa soberania democrática, não pode ser mais do que isso. Como a bandeirinha que os ministros usam sempre que se vergam perante a senhora Merkel ou pedem aos jovens para emigrar. Sabemos que há símbolos que são tão mais necessários para quem os usa quanto menos sentido fazem. Lá esteve Cavaco Silva, a falar da imagem do país no exterior, como quem faz o papel de relações públicas de uma marca ou de uma banda pop. A falta de memória política e a profunda ignorância histórica do Presidente, que o torna incapaz de perceber o significado de cada data, seja ela o 25 de abril ou, como um dia lhe chamou, o "dia da raça", já perderam a capacidade de me incomodar.

Mário Soares, com outros, não esteve lá. Logo surgiram algumas almas incomodadas pela falta de sentido de Estado do antigo Presidente da República. Por não respeitar as instituições e a data. É o contrário. Soares não é deputado. Como os militares de abril, não ia falar naquela cerimónia. Como eles, a sua presença ou a sua ausência eram a única forma de expressarem revolta por o que a maioria eleita está a fazer a este país. Com este gesto, não põe em causa a democracia. O Parlamento lá está, com toda a legitimidade. Não precisa da sua bênção. Mas o 25 de abril não é uma data sem conteúdo político. Exatamente: não é o 10 de junho. Tem um significado. Sobretudo para aqueles que, como Soares, Alegre, os militares de abril e tantos outros, nele tiveram um papel ativo. E há momentos em que escolhemos com quem os celebramos. E em que celebrá-los com quem tem pelos valores do 25 de abril um evidente desprezo pode ser insuportável.

Mário Soares e Manuel Alegre fizeram o que lhes competia: em nome próprio, disseram o que tinham a dizer sobre a destruição deste país. Sem terem de abrir a boca. Os militares de abril fizeram o que lhes competia: sem usarem o seu estatuto de militares, respeitando, como respeitaram desde que voltaram, por vontade própria, para os quartéis, deixaram claro que não se sentiam bem na companhia deste governo. E explicaram porquê.

Bem sei que há muita gente que gostaria de ver o 25 de abril transformado numa data vazia. Ainda não é. Ainda muitos se lembram ou, não se lembrando, lhe dão um sentido mais profundo do que o golpe de Estado que fez cair a ditadura. Terão de esperar mais um pouco para que seja indiferente como e com quem se celebra este momento.

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