sexta-feira, 6 de abril de 2012

Após cirurgia na Alemanha Vieira Lopes fala sobre situação crítica em Angola



Deutsche Welle

Na sequência de uma agressão de que foi vítima na capital angolana, Luanda, Filomeno Vieira Lopes, secretário-geral do partido da oposição Bloco Democrático, viajou à Alemanha, onde foi submetido a uma operação médica.

No último dia 10 de março, um grupo de civis armados com catanas, barras de ferro e cabos elétricos espancaram vários cidadãos que o grupo presumia pretender realizar manifestações contra o Governo – tudo isso perante a passividade de agentes da polícia angolana. Um dos feridos no incidente foi o economista Filomeno Vieira Lopes, cujo espancamento provocou a fratura de um braço em três locais, um golpe profundo na cabeça e ferimentos por todo o corpo.

Em entrevista à DW-África, Vieira Lopes disse que saiu de Angola para fazer uma operação de rápido restabelecimento, e pricipalmente para conseguir repousar em segurança.

DW África: A operação já foi realizada?

Vieira Lopes: A operação já está feita. Estamos numa fase em que ainda não retirei os pontos. Também tenho que fazer fisioterapia e ainda não recuperei a mobilidade completa, nem na mão direita nem no braço direito. É algo que demora o seu tempo e, portanto, eu devo estar aqui mais algum tempo para uma recuperação controlada.

DW África: E por que saiu de Angola para fazer um tratamento, temia pela sua vida?

VL: Eu confio muito nos médicos angolanos e confio bastante nas instituições angolanas. Mas a análise do Bloco Democrático sobre os acontecimentos é de que efetivamente houve uma tentativa de assassínio frustrada, que pudesse prosseguir nesta senda através de outros processos. Por outro lado, houve também certa pressão da família, que me queria ver de alguma forma a ser tratado em um sítio onde pudesse gozar de alguma tranquilidade.

DW África: Já tem data para voltar a Angola? E será que regressa de forma tranquila, sem medo, para realmente enfrentar o país da forma como está?

VL: Eu não tenho ainda data marcada, mas com certeza meu regresso será em breve. Vou voltar logo que esteja em condições físicas.

Nós assumimos a posição política que assumimos e não podemos ter receio daquilo que está a acontecer. Angola tem uma história muito triste deste ponto de vista. Estamos em um ponto fundamental no país: se há ou se não há democracia, se é um país que caminha ou não para as liberdades fundamentais. E, portanto, nós vamos prosseguir naturalmente este combate com as consequências que isso possa implicar.

Sabemos que o ambiente é mau, que há uma predisposição daqueles que estão no poder de o manterem de qualquer maneira. Mas, natualmente, o povo angolano merece consideração e achamos que o povo angolano vai ser capaz também de atravessar esta fase muito difícil da sua existência. Vamos conseguir, com o tempo, transformar essa paz militar em paz social.

DW África: Filomeno Vieira Lopes foi espancado e daí a presença aqui na Alemanha para fazer esse tratamento. Tudo isso aconteceu de forma muito rápida, e confirma que sofreu fraturas no braço em três locais, para além de ter sido espancado na cabeça como se viu nas fotografias?

VL: Exatamente. Isto foi um grupo de civis que, com todos os indícios, está associado à polícia. A polícia vai ter que esclarecer por que razão não tomou nenhuma atitude. E já tinha havido um precedente em que a polícia juntamente com esse grupo tinha atuado de forma conjunta e complementar.

Pelo próprio tratamento institucional que este grupo tem tido na comunicação social, pelo menos parte dela, e pela audição que se faz dos fatos, tudo isto mostra que efetivamente há uma concordância entre a polícia, a política e também os grupos que se apresentam para se fazerem de contra-manifestantes.

DW África: Mas precisamente a polícia angolana anunciou, 24 horas depois do acontecimento, que iria investigar o sucedido. Até hoje não houve resposta?

VL: Em primeiro lugar, foi uma comunicação forçada pela imprensa e, por circunstância ou por pavor, [a polícia] disse isso. Não há nenhum comunicado oficial, formal, escrito, carimbado pela polícia a assumir a investigação e, pelo que sei até agora, nada saiu. A polícia está efetivamente à espera que o Bloco Democrático faça uma queixa, para depois tentar encontrar um conjunto de argumentos.

DW África: Ao que tudo indica, o quadro não será brilhante durante a campanha eleitoral para as presidenciais em Angola. Como é que encara esse futuro próximo?

VL: Com bastante preocupação. Digamos que o presidente da República e sua equipa têm tido um papel extremamente negativo no desenvolvimento da democracia em Angola. Querem facilitar a fraude eleitoral, e nós já vínhamos numa situação em que não tínhamos boas leis para as eleições. A Constituição não é suficientemente aberta do ponto de vista das eleições. A lei eleitoral também não é a melhor lei, basta dizer que as pessoas no exterior não votam. Tudo isso foi discutido à revelia da opinião pública.

Nós não temos uma comunicação social que dá voz a toda a gente. Temos uma comunicação social que cerceia as liberdades da oposição por um lado, e por outro temos uma comunicação social manipuladora e oficial.

E também há a ação da polícia que tenta impedir o desenvolvimento das campanhas e mesmo da intervenção política normal dos partidos políticos. Temos uma administração que está preparada para obstaculizar todo o processo burocrático de desenvolvimento da campanha. Não é exatamente um ambiente saudável.

Está a criar-se uma situação segundo a qual, depois da altura do voto, tudo pode acontecer para que a fraude se passe. Portanto nós não estamos bem em Angola.


Entrevista: António Rocha - Edição: Francis França

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