Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
A UNITA considera que a paz em Angola, alcançada há 10 anos, continua "a ser apenas a paz militar", continuando por passar à prática os princípios constitucionais das liberdades fundamentais.
E se fossem apenas os princípios constitucionais das liberdades fundamentais… Se calhar, com 70% de pobres, falta muito mais. É claro que nesses 70% está a maioria do povo que acreditou nos princípios do Muangai, os tais que falavam na defesa da igualdade de todos os angolanos na Pátria do seu nascimento; a busca de soluções económicas, priorização do campo para beneficiar a cidade; na liberdade, na democracia, na justiça social, na solidariedade e na ética na condução da política.
A posição da UNITA, maior partido da oposição, inscreve-se na passagem do 10º aniversário do fim da guerra civil, com a assinatura, em 4 de abril de 2002, no Luena, de um Memorando de Entendimento entre o Governo do MPLA (no poder desde 1975) e a então guerrilha da UNITA, que acabou com uma guerra civil de cerca de 30 anos.
Embora reconheça que o 4 de Abril de 2002 representa "o início de uma nova etapa do processo político angolano", a UNITA lamentou, em comunicado, que continuem por se cumprir "os objetivos políticos preconizados no âmbito da democratização e da reconciliação nacional".
Para o maior partido da oposição, as reformas previstas nos vários Acordos de Paz, para a criação de "um verdadeiro Estado de Direito Democrático em Angola e ao estabelecimento de um sistema de Governo realmente democrático, apenas conheceram passos muito tímidos".
"As liberdades fundamentais dos angolanos, constitucionalmente consagradas, continuam coartadas com a intensificação, nos últimos tempos, de atos de intolerância política praticados em quase todo o país, de forma coordenada, por elementos afectos ao partido no poder que, perante o silêncio conivente das autoridades do país, destroem propriedades, símbolos partidários e causam desaparecimentos, ferimentos e perda de vidas humanas entre militantes e membros de partidos na oposição, sobretudo os da UNITA", lê-se no documento.
Os principais responsáveis da UNITA, que elaboram documentos à volta de uma mesa cheia de lagostas enquanto o povo labuta nas lavras à procura de mandioca, não estão interessados em recordar o que foi estabelecido a 13 de Março de 1966, no Muangai.
Creio que pouco, ou nada, adianta hoje continuar a defender que a UNITA deve ser salva pela crítica e não assassinada pelo elogio. Apesar disso, tenho um compromisso moral com o que Jonas Savimbi me disse, em 1975, no Huambo: “a UNITA, tal como Angola, não se define – sente-se”. Por isso...
Foi no Muangai, Província do Moxico. Daí saíram pilares como a luta pela liberdade e independência total da Pátria; democracia assegurada pelo voto do povo através dos partidos; soberania expressa e impregnada na vontade do povo de ter amigos e aliados primando sempre os interesses dos angolanos.
Resultaram também a defesa da igualdade de todos os angolanos na Pátria do seu nascimento; a busca de soluções económicas, priorização do campo para beneficiar a cidade; a liberdade, a democracia, a justiça social, a solidariedade e a ética na condução da política.
Alguém, na UNITA, se lembra de quem disse: ”Eu assumo esta responsabilidade e quando chegar a hora da morte, não sou eu que vou dizer não sabia, estou preparado"?
Alguém se lembra de que, como estão as coisas, nunca será resgatado o compromisso de Muangai?
A UNITA mostrou até agora, é verdade, que sabe o que é a democracia e adoptou-a, embora nem sempre da forma mais transparente. Tê-lo-á feito de forma consciente? Tenho algumas dúvidas, sobretudo depois das manipulações e vigarices eleitorais de que foi vítima, que já não esteja arrependida.
Isaías Samakuva mostrou, reconheço, ao mundo que as democracias ocidentais estão a sustentar um regime corrupto e um partido que quer perpetuar-se no poder. E de que lhe valeu isso?
Depois da hecatombe eleitoral, provocada também pela ingenuidade da UNITA acreditar que Angola caminha para a democracia, Samakuva alterou os jogadores, a forma de jogar e promete, continua a prometer, melhores resultados.
Creio, contudo, que o líder da UNITA conseguiu juntar alguns bons jogadores mas esqueceu-se que não bastam bons jogadores para fazer uma boa equipa.
Muitos desses craques não conseguem olhar para além do umbigo, do próprio umbigo, e passaram os últimos anos a bloquear iniciativas válidas só porque partiam de outras pessoas. Ou seja, olharam para o mensageiro e não para a mensagem. Habituaram-se à lagosta e esqueceram a mandioca.
O mundo ocidental esteve, mais uma vez, de olhos fechados para o enorme exemplo que a UNITA deu. Em 2003, abriu bem os olhos porque esperava o fim do partido. Isso não aconteceu.
Agora estamos a ver que ao Ocidente basta uma UNITA com 10% dos votos para dar um ar democrático à ditadura do MPLA. Aliás, por alguma razão o Ocidente não reagiu às vigarices, às fraudes protagonizadas pelo MPLA. E não reagiu porque não lhe interessa que a democracia funcione em Angola. É sempre mais fácil negociar com as ditaduras.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: ALGUÉM ACREDITA NO QUE ELE DIZ?
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