Filomena Martins – Diário de Notícias, opinião
A história política portuguesa já tinha um "gato constipado". Esta semana pode juntar-lhe um "gato engasgado". O cognome dado em 2003 por Eduardo Prado Coelho ao então PGR, Souto Moura, que gastou as suas sete vidas no processo Casa Pia, foi na passada quarta-feira claramente ultrapassado.
Honório Novo, deputado do PCP, começou por ver no ministro das Finanças uma projeção do seu "gato Gaspar". Um dia depois, com uma bola de pelo que o primeiro-ministro lhe criou, Vítor Gaspar engasgou-se a sério na Assembleia com a polémica da data da retoma dos subsídios de férias e de Natal e viu-se obrigado a admitir o seu maior "gato" governativo. Mas deixemo-nos de semântica: este "gato", sinónimo de lapso, engano, erro, ou o que Gaspar lhe quiser chamar, não é mais do que a assunção da dura realidade: não há dinheiro. Ponto. E isso é que devia ser explicado "vagarosamente'" na expressão do próprio ministro, aos portugueses. Não vale a pena continuar a dar datas novas a cada miado ou avançar explicações entabuladas com olhinhos de Gato das Botas. É preciso cumprir pelo menos uma das promessas eleitorais: falar verdade. E a verdade é que Portugal está a viver uma situação terrível da qual não se sabe nem quando nem como sairá. A almofada orçamental de mais de 600 milhões está reduzida a apenas 18 milhões; a colocação de dívida desta semana correu bem, mas teve uma grande ajuda da banca portuguesa, seguramente com custos; a receita dos impostos não para de diminuir. Não há dinheiro para pagar reformas antecipadas, por isso é que elas foram proibidas, e não há dinheiro para retomar os subsídios em 2014, porque isso custaria quase todo o encaixe da venda da EDP. Veremos, aliás, se, mesmo com umas legislativas para ganhar, o Governo poderá seguir a tática planeada de reduzir a "estalidos de Carnaval" a "bomba atómica" e conseguirá repor parte (20% a 50%) destes subsídios em 2015. Ou se será ainda necessário mais um imposto extraordinário para os privados, para o qual já existe o argumento de tornar a austeridade mais equitativa. Assuma-se tudo isto sem tabus e ainda mais: que vai ter de ser desenvolvido um novo modelo social ajustado à atual realidade, como Mario Draghi, o presidente do BCE, acaba de pedir, e substituir de vez o que foi criado para acudir a outro tipo de problemas, os que nasceram da II Guerra Mundial. A verdade deve ser dita, sem rodeios, nem a reboque de uma qualquer "lebre", como o desconhecido Peter Weiss, um número 2 de qualquer coisa da Comissão Europeia, do qual nem fotos existem. Basta de ronronar.
Mantendo a linguagem felina, pode dizer-se que António José Seguro, quase nove meses após ser eleito líder do PS, mostrou finalmente as garras. Não na resposta a Marcelo, que esse foi um erro tático que o professor agradece e da qual tirará partido, político e de audiências, amanhã à noite na TVI: Seguro deveria ter ignorado - e não indignar-se e fazer de megafone - o comentador com ambições presidenciais, que conseguiu exatamente o que queria, pô-lo a arranhar António Costa para que este se assanhe e dispute a liderança socialista em vez de lhe causar engulhos, pela Esquerda, na corrida a Belém: Mas, sim, no xadrez socialista, em que está a moldar e a mudar o partido à sua liderança: aí, Seguro encostou Costa à parede fazendo que o presidente da Câmara de Lisboa tenha de decidir rapidamente que caminho quer seguir, ao mesmo tempo que pôs ordem na matilha da bancada parlamentar, como se viu na votação ordeira do Orçamento Retificativo. Não sendo um "animal feroz", fez o movimento perfeito no telhado de zinco quente em que os socialistas o colocaram.
Ainda em terminologia "gatífora", é justo dizer-se que Francisco Louçã tem sido o único líder da oposição verdadeiramente traiçoeiro para o atual Governo. O responsável do Bloco de Esquerda criou os maiores e reais engulhos parlamentares desta legislatura: primeiro, há umas semanas, quando trouxe para a ordem do dia a questão do duplo pagamento das portagens da Ponte 25 de Abril à Lusoponte, e, esta quinta-feira, com a notícia em primeira mão sobre o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa. Sejamos objetivos: repito, não há dinheiro, e quem centrar o diálogo na questão dos cortes e do fim de alguns direitos adquiridos vai acabar sempre por perder o debate. Trazer casos concretos e embaraçosos, que exponham erros, benesses, ou aquilo que o Governo (ainda) não quer que se saiba, é o método mais eficaz. Louçã, um dos grandes derrotados das últimas eleições por só saber fazer política sem assumir compromissos (governar não é para o Bloco!), percebeu-o: recolocou-se num partido que parecia já não o querer e relocou o partido que o País parecia já não suportar.
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