Fernando Peixeiro -
Lusa
Bissau, 20 abr
(Lusa) - Muitos dos pequenos comerciantes da capital da Guiné-Bissau fazem por
esquecer o golpe de Estado da semana passada no país e trabalham todos os dias
para ter "um pouco de nada". Golpe, militares e políticos ficam longe
de mais.
Durante toda esta
semana, e enquanto bancos e serviços públicos continuam encerrados, as pequenas
lojas de bairro, e algumas maiores, do centro de Bissau, mantiveram-se abertas,
apesar da instabilidade.
Com o país viver em
pleno golpe de Estado, com militares na rua a dispersar tentativas de
manifestação, com um recolher obrigatório (que nos bairros periféricos ninguém
cumpre), com um clima de medo, há zonas da cidade onde parece nada ter
acontecido.
Domingos Rodrigues
Santinho trabalha numa loja de venda de bebidas e explica porquê: "Já nos
habituámos a estas situações, não é a primeira vez, já nos habituámos
mesmo."
"Não podemos
viver assim então estamos cá a procurar quotidianamente o que podemos, para
viver, para podermos ter um pouco de nada, para podermos ter, para se vier a
acontecer alguma coisa nos podermos refugiar", explica.
Ao longo desta
semana foram muitos os guineenses que deixaram a capital, com medo da
instabilidade, mas Ramalhão Vergílio, outro trabalhador da zona do mercado do
Bandim, o maior mercado a céu aberto de Bissau, não tem medo e diz que a loja
onde trabalha tem estado sempre aberta.
"O movimento
agora está normal, o negócio está a andar de forma normal mas não é da forma
que costumávamos vender. A situação foi muito difícil mas penso que vamos
ultrapassar, estamos à espera dos que têm a potência de resolver o
problema", diz, otimista, lembrando também que "o problema (golpe)
está rolando dos anos anteriores".
A instabilidade e os
golpes de Estado têm sido frequentes na Guiné-Bissau e Saico, um jovem que
vende "carcaças de telemóvel" no mercado está agora sereno debaixo de
um chapéu-de-sol. "Tivemos medo do golpe, há dias não vendemos mas hoje
viemos vender. Está tudo aberto e hoje vendi dois carregadores", diz. O
negócio? "Está normal".
É uma normalidade
aparente mas ainda assim normalidade. Quem molhava o pó da rua à frente de
casa, todas as manhãs, continuou a fazê-lo e os meninos que limpam e engraxam
sapatos saíram para a faina logo no sábado, dois dias depois do golpe.
Há cafés que
continuaram a abrir às 07:00 e há lojas onde até ao recolher (ou mais tarde,
consoante o local) se compram bebidas, enlatados, batatas, azeite ou
detergentes, espécie de supermercados concentrados no espaço de um contentor.
Aos 29 anos,
Domingos Santinho está com o "espírito alto". Mas somar a idade às
condições de vida "é péssimo". "A situação da Guiné-Bissau é
péssima, estamos vivendo situações que não podemos, não podemos suportar
isto".
Apesar da
"normalidade", apesar do "espírito alto", são lágrimas que
assomam aos olhos de Santinho quando pede às Forças Armadas para terem
"mais paciência", para estarem "no diálogo". "Para
podermos sair desta cova".
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