sexta-feira, 20 de abril de 2012

Guiné-Bissau: TRABALHAR EM TEMPO DE GOLPE PARA “UM POUCO DE NADA”



Fernando Peixeiro - Lusa

Bissau, 20 abr (Lusa) - Muitos dos pequenos comerciantes da capital da Guiné-Bissau fazem por esquecer o golpe de Estado da semana passada no país e trabalham todos os dias para ter "um pouco de nada". Golpe, militares e políticos ficam longe de mais.

Durante toda esta semana, e enquanto bancos e serviços públicos continuam encerrados, as pequenas lojas de bairro, e algumas maiores, do centro de Bissau, mantiveram-se abertas, apesar da instabilidade.

Com o país viver em pleno golpe de Estado, com militares na rua a dispersar tentativas de manifestação, com um recolher obrigatório (que nos bairros periféricos ninguém cumpre), com um clima de medo, há zonas da cidade onde parece nada ter acontecido.

Domingos Rodrigues Santinho trabalha numa loja de venda de bebidas e explica porquê: "Já nos habituámos a estas situações, não é a primeira vez, já nos habituámos mesmo."

"Não podemos viver assim então estamos cá a procurar quotidianamente o que podemos, para viver, para podermos ter um pouco de nada, para podermos ter, para se vier a acontecer alguma coisa nos podermos refugiar", explica.

Ao longo desta semana foram muitos os guineenses que deixaram a capital, com medo da instabilidade, mas Ramalhão Vergílio, outro trabalhador da zona do mercado do Bandim, o maior mercado a céu aberto de Bissau, não tem medo e diz que a loja onde trabalha tem estado sempre aberta.

"O movimento agora está normal, o negócio está a andar de forma normal mas não é da forma que costumávamos vender. A situação foi muito difícil mas penso que vamos ultrapassar, estamos à espera dos que têm a potência de resolver o problema", diz, otimista, lembrando também que "o problema (golpe) está rolando dos anos anteriores".

A instabilidade e os golpes de Estado têm sido frequentes na Guiné-Bissau e Saico, um jovem que vende "carcaças de telemóvel" no mercado está agora sereno debaixo de um chapéu-de-sol. "Tivemos medo do golpe, há dias não vendemos mas hoje viemos vender. Está tudo aberto e hoje vendi dois carregadores", diz. O negócio? "Está normal".

É uma normalidade aparente mas ainda assim normalidade. Quem molhava o pó da rua à frente de casa, todas as manhãs, continuou a fazê-lo e os meninos que limpam e engraxam sapatos saíram para a faina logo no sábado, dois dias depois do golpe.

Há cafés que continuaram a abrir às 07:00 e há lojas onde até ao recolher (ou mais tarde, consoante o local) se compram bebidas, enlatados, batatas, azeite ou detergentes, espécie de supermercados concentrados no espaço de um contentor.

Aos 29 anos, Domingos Santinho está com o "espírito alto". Mas somar a idade às condições de vida "é péssimo". "A situação da Guiné-Bissau é péssima, estamos vivendo situações que não podemos, não podemos suportar isto".

Apesar da "normalidade", apesar do "espírito alto", são lágrimas que assomam aos olhos de Santinho quando pede às Forças Armadas para terem "mais paciência", para estarem "no diálogo". "Para podermos sair desta cova".

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