Manuel António Pina – Jornal de Notícias, opinião
Há dois tipos de acontecimentos sobre que evito escrever: efemérides e notícias necrológicas. Há, porém, efemérides inevitáveis e mortes que é impossível omitir. O 25 de Abril é uma dessas efemérides e a morte de Miguel Portas, num momento em que o país mais precisa de homens lúcidos e livres, um desaparecimento que justificaria que se dissesse que ficámos, se possível, ainda mais pobres, não se tivesse tornado tal expressão um cliché fruste sem réstia de literalidade.
Ao todo, terei convivido com Miguel Portas umas poucas de dezenas de horas. Foi o suficiente para me aperceber de um homem de justa inteligência, grande seriedade intelectual e, ao mesmo tempo, de sentido de humor contagiante, coisas praticamente impossíveis de encontrar juntas num político, além do mais um dirigente partidário. Só alguém como ele teria sido capaz de, apesar de todas as nossas divergências, me convencer a aceitar episodicamente (e imprudentemente) ser mandatário de um projecto partidário. Quis eu então acreditar que tal projecto fosse à imagem de Miguel Portas. Não era, como rapidamente e sem surpresa descobri.
Conta-se que Camões, sabendo no leito de morte da catástrofe de Alcácer Quibir, terá dito: "Morro com a Pátria". Miguel Portas não teria gostado da duvidosa palavra "Pátria", mas morreu também quando Portugal se afunda num desastre não menos catastrófico para a independência nacional do que o de Alcácer Quibir.
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