Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
O líder do CDS-PP, Paulo Portas, disse um dia destes que grande parte das medidas de austeridade foram, são, impostas pelo memorando assinado com a troika e não são uma opção do Governo português.
O problema não é exactamente esse. Ou seja, a troika disse-me que eu só poderia ter uma refeição, embora exígua, por dia. No entanto, o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas foram mais além e obrigam-me (para ficar com o problema completamente resolvido) a estar seis meses sem comer.
E têm razão. Daqui a seis meses, cumprindo o memorando, eu estaria por cá, embora bem mais magro. Se calhar não teria resolvido o meu problema. Cumprindo o memorando imposto pelo Governo, daqui a seis meses não terei qualquer problema. Já há muito terei morrido.
"É preciso ter a noção que grande parte das medidas que são discutidas não constituem uma opção do Governo, nem sequer uma alternativa à disposição do país. Constituem uma obrigação do Estado português que assinou um contrato com aqueles a quem pediu dinheiro emprestado", afirmou Paulo Portas, certamente no intervalo de duas boas refeições.
O líder do CDS-PP lembrou ainda que foi o anterior Governo PS, liderado por José Sócrates, que negociou este memorando. É verdade. Negociou os tais seis meses com meia refeição por dia e não, como impõe o Governo, meio ano sem nenhuma refeição.
Paulo Portas deixou um aviso aos socialistas: "Não vale a pena tentar fazer política com matérias do IRS, ou do IRC, ou do IVA, da electricidade e do gás, quando o partido que tenta fazer essa política foi precisamente o partido que nos conduziu à situação em que nos encontramos".
Também é verdade. Mas não deixa de ser igualmente verdade que entre viver de pão e água, como era a estratégia do PS, e viver pura e simplesmente sem comer vai, sei por experiência própria, uma abissal distância.
Se calhar devido ao local da sessão em que o líder do CDS/PP fez estas declarações (Museu do Vinho, Anadia), Portas deixou-se inebriar pelos etílicos e voluptuosos aromas da demagogia ou, talvez também pela sua cada vez mais íntima relação com o “líder carismático” de Angola, pela tentação de julgar que os portugueses são pura e simplesmente matumbos.
"Quando um País chega à situação a que Portugal chegou por causa da sua despesa e por causa da sua dívida, obviamente, se assina um contrato e um compromisso com as instituições internacionais não é para hesitar, nem para duvidar, nem para fazer de conta", sustentou Portas.
E, em matéria de sustentação, o líder do CDS e ministro de Passos Coelho sabe do que fala. Desde logo porque está pouco preocupado em saber se o doente morre da doença ou da cura. Isto porque o doente nem sequer é da sua família.
"Há três meses era habitual nas instituições internacionais e na imprensa mundial ver Portugal referido imediatamente a seguir à Grécia como se fossem um conjunto. Agora é mais frequente ver que o caso Português é diferente dos outros", referiu Paulo Portas, certamente convicto de que – por exemplo – a Madeira não faz parte do reino lusitano.
O líder do CDS-PP adiantou ainda que o que distingue Portugal da Grécia é "essa atitude de querer cumprir, de saber que temos de fazer reformas e não hesitar e não querer enganar as instituições internacionais".
Nesta particular, Portas tem toda a razão. Os dirigentes de Portugal não querem enganar as instituições internacionais. Para eles é suficiente enganar os portugueses.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: SE O RIDÍCULO MATASSE, A CPLP JÁ NÃO EXISTIA
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