sexta-feira, 27 de abril de 2012

Revoltosos: “Se o Parlamento aceitar a vinda de uma força internacional, está bem”



Entrevista

João Manuel Rocha - Público

Daba Na Walna, porta-voz dos militares que tomaram o poder na Guiné-Bissau nega ligação ao candidato Kumba Ialá. E justifica prisão do primeiro-ministro, Gomes Júnior, como forma de evitar que seja morto.

Tenente-coronel, mas também jurista, doutorando na Faculdade de Direito de Lisboa, Daba na Walna, 46 anos, é o rosto do denominado Comando Militar que fez o golpe de 12 de Abril em Bissau. Numa entrevista telefónica, quarta-feira à tarde, disse que os militares nada têm a ver com o futuro político do primeiro-ministro e candidato presidencial, Carlos Gomes Júnior. “O que dissemos é que não nos crie complicações, que não nos mande forças estrangeiras secretamente.” Questionado sobre o papel de António Indjai, chefe de Estado-Maior, na acção golpista, afirma: “Que eu saiba não é membro do Comando”.

PÚBLICO: Qual o resultado dos contactos que o comando militar manteve nos últimos dias com a comissão da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) que esteve em Bissau?

Daba Na Walna: Era uma comissão técnica, veio discutir questões relativas à retirada das tropas angolanas, modalidades dessa retirada. Não chegámos a consenso sobre alguns aspectos, nomeadamente o envio de uma força da CEDEAO composta por 600 homens para supervisionar a retirada das tropas angolanas. Entendemos que decidir sobre o envio de forças ultrapassa a nossa competência como militares. Assim que um Governo for formado, poderá tomar decisões. [Indicámos] o Parlamento, para falarem com o presidente da Assembleia, a única entidade ainda a funcionar. Disseram-nos que não tinham mandato para falar com políticos, que careciam de autorização. Estamos a aguardar.

Como é que vão sair desta situação? Há um isolamento internacional.

Por via negocial. Há uma janela que foi aberta pela CEDEAO. E que eu saiba o Conselho de Segurança [da ONU] remeteu o processo de negociações para a CEDEAO. Vamos esperar. Seguramente vão mandar uma equipa técnica para discutir connosco e com a classe política modalidades de saída para a crise.

Que passaria pelo envio de uma força liderada pela CEDEAO. Isso seria aceitável para vocês?

Nós não nos opusemos à vinda de tropas que viessem supervisionar a retirada das tropas angolanas. Nem dissemos que sim. Dizemos tão só que não temos competência para decidir sobre essa matéria. Um eventual envio de força será decidido pelo governo a formar a partir da solução encontrada conjuntamente com a CEDEAO.

Há dias disse que uma força internacional seria entendida como invasora. Há uma mudança de posição.

Estamos a dizer que depois de formado Governo, se se chegar à conclusão que se adequa o envio de uma força e o Parlamento aprovar, se as instituições da República aceitarem, quem somos nós para negar? O que dissemos na altura foi que o envio unilateral que Angola tentava conseguir, sem ser decidido com as entidades políticas da Guiné, seria uma invasão. Nas palavras de George Chicoty [ministro das Relações Exteriores de Luanda] devia ser uma espécie de terapia para a Guiné. Se as entidades políticas chegarem à conclusão que devem aceitar, se o Parlamento concluir que deve aceitar está bem. O que dissemos a Carlos Gomes Júnior, relativamente ao pedido que formulou [para o envio de uma força internacional] foi que devia ter discutido isso no Parlamento e em Conselho de Ministros. Em Portugal, Cavaco Silva ou Passos Coelho não podem mandar ir forças sem que isso seja discutido em Conselho de Ministros nem aprovado no Parlamento. Foi só o que dissemos.

Mas devido ao golpe, as instituições, designadamente o Governo, não estão em funções. Qual é justificação, afinal, para o golpe?

Já disse, e voltei a repetir agora, que foi a carta secreta que foi escrita a mandar vir forças estrangeiras para dar uma terapia adequada às Forças Armadas da Guiné. O senhor no meu lugar aceitaria isso? Tentaria actuar em legítima defesa.

Acredita mesmo que existia um acordo entre os governos da Guiné e de Angola para “aniquilar” as Forças Armadas guineenses?

Eu não disse que acredito que há. Eu disse que há uma carta escrita. Esta carta, está confirmado, existe.

O golpe interrompeu o processo eleitoral para as presidenciais. Houve articulação com candidatos? Há alusões a uma articulação com Kumba Ialá [segundo mais votado na primeira volta, atrás de Gomes Júnior].

Isso são especulações. Que eu saiba, não há nenhuma ligação ao dr. Kumba Ialá, nem há razão para haver. Não actuamos por encomenda.

Não lhe parece que a melhor solução seria o retomar do processo eleitoral e os militares regressarem às casernas?

Não tenho nada contra. [Sobre isso] não dissemos nada. Dissemos é que somos contra o envio das forças para aqui. Quanto ao processo eleitoral caberá aos políticos decidirem o que acharem correcto.

O comando militar não se opõe à continuidade do processo eleitoral?

É um assunto político, não compete aos militares.

Relativamente ao primeiro-ministro, há uma intransigência, uma rejeição.

R - Rejeição em que sentido?

Gomes Júnior foi detido. Há oposição a que volte a exercer funções.

Ninguém diz isso. Não temos nada a ver com o futuro político de Gomes Júnior. Como empresário, se quiser continuar a sua vida empresarial [que continue]. Como político que o faça, dentro do PAIGC. O que dissemos, é que não [queremos que] nos crie complicações, que não nos mande forças estrangeiras secretamente. Se tiver que fazer isso que o faça obedecendo à Constituição e às demais leis da República.

Não há oposição a que retome a actividade política?

Isso é uma questão política que será discutida. Não connosco. Com Gomes Júnior, com o seu partido, com os políticos da oposição, não com os militares. Não temos nada a ver com a sua vida política. É um cidadão e tem liberdade de fazer política.

Não há oposição à sua acção como primeiro-ministro? Está detido por alguma razão.
Está detido porque senão levaria avante o seu projecto de vinda das tropas.

Por que não é agora libertado?

Não temos condições para o libertar. Não há governo com capacidade para garantir segurança. Logo que seja criado, e haja um ministro do Interior, nós o faremos. O senhor não está cá não sabe. [Há] uma onda de contestação a Carlos Gomes Júnior, ele terá morto muita gente, politicamente encomendou alguns assassinatos. Não sou eu quem o diz, é a ala do PAIGC [Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, do Governo afastado pelos militares] que entrou em confrontação com a ala apoiante dele. Se libertarmos agora Carlos Gomes Júnior, imagine que [alguém] aproveitava a oportunidade para o matar. Quem é que seria responsável? Não seríamos nós? Está sob nossa custódia, mas assim que for formado Governo será imediatamente libertado.

Qual é a situação dos detidos, do primeiro-ministro e do Presidente interino, Raimundo Pereira? Houve informações de que Gomes Júnior foi torturado.

É mentira. A Cruz Vermelha já disse que não há tortura, mas a imprensa gosta de mentiras.

Estão a ser-lhe fornecidos medicamentos?

Estão. A Cruz Vermelha já foi visitar Gomes Júnior três ou quatro vezes. Ninguém tortura ninguém. Ouvimos dizer na imprensa que foi visto aqui a sangrar. Foi dito que esteve connosco na negociação com a CEDEAO. Este país é um país de intrigas e a imprensa vem apanhar as mentiras que circulam por aí. É falso.

Quantas pessoas estão detidas?

Apenas três [o Presidente interino, o primeiro-ministro e o secretário de Estado dos Antigos Combatentes, Fodé Cassamá]. Ouço falar em centenas ou dezenas de pessoas detidas, perseguidas, intimidadas. Aqui em Bissau as pessoas organizam manifestações, a imprensa fala abertamente contra o golpe, a imprensa fala mal dos militares. Limitamo-nos a ouvir e a calar. Isto não é nenhum estado de repressão. Tentamos manter o mais amplo possível leque de liberdades fundamentais. O que fizemos foi uma legítima defesa.

Foi anunciado um conselho de transição. Chegou a ser avançado um nome para Presidente de transição, Serifo Nhamadjo. Tanto quanto se sabe não foram nomeados. Houve mudança de planos?

São especulações, são cogitações hipotéticas.

As nomeações, os nomes, são cogitações?

Não houve nomeação coisíssima nenhuma. Nós temos um compromisso com a CEDEAO. Estamos à espera para poder apresentar a nossa proposta, a proposta a que os partidos aqui chegaram. Mas a CEDEAO poderá também apresentar uma proposta para ser discutida, para se encontrar consensualmente uma saída airosa para esta crise. Não há nada decidido sobre a formação de Governo nem...

Os nomes referidos para Presidente e para o conselho de transição como é que apareceram? Que não foram nomeados é público. Não houve sequer convites?

Isso corre por conta de quem lançou boatos. Quando um jornalista lhe perguntou se fala na qualidade de Presidente de transição ou como presidente interino da Assembleia, Serifo Nhamadjo disse que não foi empossado nem ninguém o convidou para esse cargo.

Não é verdade que esses nomes foram ponderados?

Não. Pode ser uma das hipóteses por aí levantadas, mas em definitivo, como disse, nós estamos à espera da CEDEAO. Como poderíamos avançar com propostas e nomes se a CEDEAO não está aqui? Nesta altura quem assume o dossier Guiné-Bissau é a CEDEAO, não há nada decidido.

O senhor tem dado a voz, dado a cara. É o rosto do golpe. É também o líder?

Eu sou porta-voz.

Quem é o líder?

O líder é o Comando.

O Comando Militar. Que é também o Estado Maior das Forças Armadas, correcto?

Tem a liberdade de fazer a interpretação [que quiser]. Eu disse o Comando, agora o senhor quer expandir para chegar ao Estado-Maior.

Estou a pedir-lhe que clarifique.

Estado-Maior é uma coisa, Comando é outra. Não há confusão. Já disse que é o Comando.

Qual é o papel do tenente-general António Indjai?

Aonde, ao nível do Comando?

Sim, sim.

Que eu saiba, não é membro do Comando.

O senhor saberá.

Ele é chefe do Estado-Maior. Esse é o papel dele.

E está em funções? Chegou a ser dito que estava sob detenção.

Até agora não foi nomeado novo chefe do Estado-Maior. É ele o chefe de Estado-Maior.

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