Mair Pena Neto – Direto da Redação
A política de punhos de renda invariavelmente impede que governantes digam ao povo o que gostariam de dizer, de maneira clara, para que todos entendam o que está se passando, quais forças antagônicas se digladiam e quais os interesses por trás de cada grupo de pressão. Ao bom político, recomenda-se não acirrar as tensões para evitar fraturas sociais que poderiam vir a inviabilizar seus próprios governos.
Determinados momentos históricos, porém, exigem discursos mais claros e diretos. Que funcionem quase como consultas públicas. Uma maneira de dizer à população: “olha, viemos até aqui e para seguir adiante estamos enfrentando as seguintes barreiras. Vamos enfrentá-las?”. Tal explicitação exige que se dê nome aos bois. Que interesses estão sendo contrariados e por que.
Neste sentido, não seria exagerado classificar como histórico o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff alusivo ao 1º de Maio. A presidente não se limitou a destacar o papel do trabalhador no desenvolvimento do país, e apontou para a necessidade de que ele desfrute cada vez mais da riqueza que ajuda a produzir. Isso significa, segundo as palavras de Dilma, enxergá-lo como cidadão e como consumidor, “com condição de comprar todos os bens e serviços que sua família precisa pra viver de maneira cômoda e feliz”.
A presidente mencionou o esforço do governo em reduzir os juros e cobrou dos bancos privados a oferta de mais crédito a custo mais baixo. Mais ainda, Dilma considerou inexplicável aos brasileiros a “lógica perversa” do setor financeiro, que não reduz suas taxas nem para as empresas e nem para os consumidores apesar da estabilidade da economia brasileira e da queda contínua da taxa básica de juros.
“Nos últimos anos, o nosso sistema bancário é um dos mais sólidos do mundo, está entre os que mais lucraram. Isso tem lhes dado força e estabilidade. O que é bom para a economia. Isso também permite que eles deem crédito melhor e mais barato aos brasileiros. É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com um dos juros mais altos do mundo. Esses valores não podem continuar tão altos. O Brasil de hoje não justifica isso”, afirmou Dilma, acrescentando que a “Selic baixa, a inflação permanece estável, mas os juros do cheque especial, das prestações ou do cartão de credito não diminuem.”
O governo fez a sua parte reduzindo os juros cobrados pelas instituições financeiras públicas, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, o que mais uma vez revela a importância da presença do Estado no setor, como indutor de políticas públicas Depois da chiadeira inicial, os bancos privados tiveram que acenar com reduções diante do volume de operações alcançadas pelos bancos públicos. “É bom também que você consumidor faça prevalecer seus direitos, escolhendo as empresas que lhe ofereçam melhores condições”, salientou Dilma, em recado direto às instituições que não se adaptarem à tendência natural da economia do país.
Este tipo de discurso é pedagógico e politizador. A ascensão social não se dá somente pelo aumento do padrão de consumo, mas, principalmente, pela compreensão da transformação em curso, sobre que bases ela se sustenta e que interesses ela contraria. Pronunciamentos como o do 1º de Maio deveriam ser mais freqüentes para um contato direto do governante com a população, tanto para prestação de contas quanto para a conscientização. Afinal, essa não é uma das funções precípuas da política?
* Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.
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