Guillermo Medina, Madri – Opera Mundi
Não causa estranheza a política desenvolvida por Rajoy parecer uma continuação da empreendida por Zapatero
O governo presidido pelo primeiro-ministro Mariano Rajoy desde 21 de dezembro parece querer demonstrar, mediante um frenético exercício do poder, a falta de resultados tangíveis e imediatos, capacidade de decisão. Contudo, a realidade é que continuamos imersos em uma crise que se agrava, que sabemos como começou, mas não sabemos como nem quando terminará.
Paradoxalmente, a situação de Rajoy se parece cada vez mais com a angustiosamente vivida por seu antecessor socialista José Luis Rodríguez Zapatero, quando não teve outra opção a não ser sacrificar seus interesses eleitorais às medidas impopulares impostas por Bruxelas e pelo Banco Central Europeu.
Agora, como antes, a obsessão do governante é evitar que a economia espanhola chegue a sofrer intervenção. E, como antes, as decisões do atual governo para evitar essa ameaça começam a causar rachas inclusive em seu próprio eleitorado. Assim ocorreu em Andaluzia e Astúrias, apesar de o ajuste mais duro ter ocorrido após as eleições.
Fora da Espanha já se fala na possibilidade de uma intervenção da economia espanhola. É uma grande ameaça, e evitá-la condiciona todas as decisões do governo porque significaria que aquilo que Zapatero conseguiu evitar o governo da “mudança” não pode impedir.
Não causa estranheza a muitos eleitores do governante Partido Popular (PP) a política desenvolvida por Rajoy parecer uma continuação da empreendida por Zapatero a partir do ajuste draconiano de maio de 2010, que o PP não apoiou.
Rajoy tem acesas uma vela para Bruxelas e outra para os eleitores, mas como com Bruxelas e os mercados há pouca elasticidade, é claro que o peso da carga de quantos ajustes forem “necessários” agora e no futuro recairá sobre os cidadãos, sabendo que isso traz consigo um custo político.
Nesse sentido, explica-se que o conjunto de declarações do primeiro-ministro e de seus ministros se caracterizarem por sinais bem definidos: dramatização, culpa sobre a herança recebida, negação de toda alternativa, pretendida justiça e equidade das medidas adotadas, autossatisfação e carência de autocrítica.
Disse, por exemplo: “Estes são alguns orçamentos duros, dolorosos, fazemos coisas que ninguém gosta. Porém, é o que há para ser feito a fim de corrigir os erros do passado. Não toca fazer em dois anos o que não foi feito em oito”.
Outra ideia mestre é a prioridade absoluta dada ao cumprimento do objetivo de déficit de 5,3%. Rajoy é terminante: “Isto é uma prioridade. Jogamos o futuro do nosso país, e quem não entende assim não significa que não tenha um problema, mas cria um problema para os demais espanhóis”.
A dramatização da situação fazendo da necessidade virtude permite adotar um ar de heroísmo tenaz e tem como possível explicação justificar as duras medidas de ajuste e o descumprimento de promessas eleitorais básicas. Pode servir para criar resignação durante um tempo, mas o resultado final não pode ser outro que não a desmoralização psicológica do país, a frustração e, no longo prazo, a rebeldia.
Que o governo ainda se refugie na herança recebida é de duvidosa eficácia como autodesculpa. A esta altura, as políticas do governo atual contraíram uma cota de responsabilidade própria. Os cidadãos percebem que o governo “da mudança” e de tantas expectativas não atendidas, cada vez que se apresenta é para anunciar cortes e ajustes que geram novos ajustes e cortes.
Por outro lado, a invocação do exemplo, da igualdade e da justiça acaba questionada quando diariamente conhecemos casos de nepotismos e desperdícios. E que se invoque a justiça quando a decisão por uma anistia fiscal resultar no mínimo contraditória.
Os objetivos econômicos da anistia estão claros: ingressar 2,5 bilhões de euros este ano (e gerar futuras rendas) e introduzir no sistema 25 bilhões de dinheiro oculto para ajudar na recuperação econômica.
As críticas que podem ser feitas à anistia fiscal são principalmente duas. A primeira é que uma paulada no exemplo e na igualdade que o governo apregoa e que são necessárias para conter o mal-estar social. E a segunda é o efeito negativo que terá na luta contra a corrupção, um dos grandes problemas de fundo do país e sobre cuja relação com a crise econômica nunca se deve deixar de insistir.
Não deixa de ser paradoxal o governo anunciar um plano contra a fraude fiscal para depois da anistia, o que só se explica pelo desejo de reduzir a indignação que a impunidade concedida provoca inclusive entre os eleitores do PP.
Outra marca do discurso de Rajoy é a justificativa dos sacrifícios atuais pela promessa de um futuro melhor. “Sabemos o que fazemos. Temos um plano. Esse ano será difícil, mas teremos assentado as bases da recuperação”.
A grande questão é se as políticas adotadas pela União Europeia e secundadas por Madri são suficientes e adequadas para gerar um mínimo de crescimento no médio prazo. De forma complementar, a pergunta capital é se a velocidade da deterioração do PP será maior ou menor do que a da recuperação econômica pregada pelo governo. Aí está o desafio de Rajoy.
É uma luta contra o tempo: o que acontecerá antes, a indignação dos cidadãos ou a visão dos primeiros brotos verdes? A resposta, dentro de um ano e meio ou, na velocidade dos acontecimentos, antes.
Se não surgir então a luz no fim do túnel, os cidadãos concluirão que tantos sacrifícios acumulados não serviram para nada. E então será pouco provável que os cidadãos desencantados se voltem a favor dos socialistas, cuja recuperação será lenta. Talvez fique como única alternativa alguma forma de consenso à italiana, isto é, uma solução Monti.
* Guillermo Medina, jornalista e escritor, ex-diretor do jornal YA, ex-deputado e ex-presidente da Comissão de Defesa do Congresso espanhol. Artigo publicada pela Agência Envolverde
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