sábado, 26 de maio de 2012

ESTÃO A PÔR-SE AO FRESCO



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Muitos dos que têm reclamado sacrifícios para o povo andaram, ao longo dos anos, a apoderar-se da riqueza que não lhes pertencia e a esvaziar os cofres do Estado, contribuindo ativamente para os problemas com que nos debatemos.

Nestes últimos tempos, em que tanto é necessário dinheiro para investimento (público e privado), prosseguem nas suas manipulações colocando interesses e riqueza a "salvo". Nos meios onde se fala destes processos, diz-se que "o povo nem imagina quanto dinheiro saiu do país em 2011". Sem criar pânico e agravar o problema, seria saudável que os portugueses tivessem uma noção real do que se passa.

É positivo que os cidadãos em condições de fazerem alguma poupança, e mesmo a esmagadora maioria dos empresários e detentores de capital, "não estejam a retirar o dinheiro do banco"; parece que continuam a fazer depósitos! Mas os maus exemplos propagam-se rápido e, quer no plano nacional, quer em países europeus em dificuldades, todos os dias assistimos a comportamentos perigosos e antissolidários.

Seria interessante que as "entidades europeias", que nos últimos anos impuseram ao povo grego humilhante austeridade geradora de desemprego, de pobreza e de uma queda do Produto Interno Bruto em 20%, informassem quanto dinheiro fugiu da Grécia, onde está e quem dele beneficia.

Portugal não caiu neste perigoso buraco em que se encontra porque "andamos todos a viver acima das nossas possibilidades", apesar de ter sido criada muita ilusão de riqueza, de o valor do salário ter sido substituído por "facilidades" no acesso ao crédito, e mesmo que franjas da sociedade se tenham, pontualmente, entregado a formas de vida associadas ao "desenrasca". Quando o trabalho não é valorizado e dignificado, desaparece a responsabilização a partir do trabalho.

As grandes causas internas da crise que vivemos - também existem causas europeias e mundiais - residem: i) na destruição criminosa do aparelho produtivo, em vários casos feita através de chorudos negócios em que o dinheiro, no todo ou em parte, não ficou no país; ii) nos gastos gigantescos feitos pelo Estado, por decisão dos governantes que facilitaram o enriquecimento dos grandes capitalistas dos negócios das parcerias público-privadas, das privatizações, da proliferação de "rotundas" e estádios de futebol, ou de grandes negócios do cimento armado; iii) nas chorudas recompensas trocadas entre os grandes acionistas das empresas, os "gestores de topo" e um amplo leque de ex-governantes, sendo claro que alguns destes trataram do seu futuro enquanto ainda governavam; iv) no facto de os meios financeiros destinados à modernização da economia, à educação e à formação profissional terem sido, em parte, desviados para fins particulares.

Não são surpresa as notícias vindas a público, nomeadamente na "Visão" de 24.05, que denunciam gigantescas operações de fuga de dinheiro (em alguns casos com passagem por operações de branqueamento) para contas em bancos suspeitos, através de processos de fraude absoluta, mesmo quando sustentados em "esquemas legais" ou de aparente legalidade. Como sabemos, a dimensão da legalidade está sempre na razão direta das "capacidades" técnicas dos grandes escritórios de advogados e da eficácia do sistema de justiça, sujeito a um emaranhado processual e aprisionado nos poderes e valores dominantes.

No domínio público esta será apenas a ponta do iceberg. Reafirmo: a crise que vivemos - observe-se as suas dimensões nacional, europeia e mundial - é provavelmente o maior roubo organizado da história da Humanidade. As suas consequências podem ser gravíssimas.

É preciso coragem nas denúncias das pressões - p.e. do ministro das inevitabilidades e seus acólitos -, dos compadrios, das chantagens, das mentiras de práticas privadas e da governação.

Detentores de capital põem-se ao fresco e deixam o povo a pagar a fatura, também porque os governantes entram na promiscuidade entre a economia e a política, submetendo o interesse público à ganância de umas centenas de portugueses, "nascidos para o arco do poder", que em vez de nos governarem se governam.

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