J. R. Penteado, Luton (Inglaterra) – Opera Mundi – foto J. R. Penteado
English Defense League prega intolerância contra muçulmanos e ganha adeptos da Escócia à Dinamarca, mas já desperta reação de movimentos anti-xenofobia
“Acho que é da natureza humana se reunir em uma comunidade com pessoas da mesma cultura que você. E qual é exatamente o problema? Isso não quer dizer que as pessoas não se misturem. Eu, por exemplo, sou muçulmano e estou aqui com meus amigos não-muçulmanos.”
Suhail Malik, o jovem britânico autor da declaração acima, nasceu, cresceu e reside em Luton, a 50 quilômetros ao norte de Londres. É lá que, em dias normais, Suhail vive uma típica vida do interior inglês. Sua cidade tem cerca de 200.000 habitantes, abriga a Universidade de Bedforshire e desde 1885 possui um time de futebol, o Luton Town FC.
Nos últimos três anos, no entanto, Luton tem visto seu cotidiano pacato dar lugar a freqüentes demonstrações islamofobia, sentimento que acomete parte da Inglaterra e da Europa nesses tempos de crise. Foi ali que, três anos atrás, nasceu o mais novo hype da extrema-direita no país: a EDL (English Defence League). “Essa organização surgiu quando em 2009 alguns soldados que voltaram da guerra do Afeganistão fizeram um desfile militar pelas ruas da cidade. Alguns extremistas islâmicos usaram o direito de liberdade de expressão, de forma equivocada na minha visão, e protestaram contra o desfile. Isso indignou um grupo de pessoas ali presentes, que resolveram se juntar e formaram a EDL”, narra Suhail.
Desde então, sob a bandeira do patriotismo, e ancorados em um discurso alarmista que prevê a implantação de uma lei islâmica no Reino Unido, a English Defence League tem se dedicado incessantemente a espalhar a mensagem de ódio contra os muçulmanos residentes no país – que já somam quase 3 milhões de pessoas (4,6% da população). Várias manifestações em nome da organização já ocorreram em diversas cidades da Inglaterra, e muitas culminaram em conflito com a polícia, ataques a jovens imigrantes e confrontos com ativistas antifascistas.
Por ora, a EDL ainda é apenas uma organização de rua, sem estrutura bem definida, e que se articula predominantemente via internet. Sua popularidade e tamanho, porém, não param de crescer, e já desencadearam a criação de outras Defence Leagues no País de Gales, Escócia e até mesmo na Dinamarca.
Boa parte dos seus membros são jovens brancos, da classe trabalhadora, frequentemente embriagados, que antes se reuniam em grupos de hooligans. São nas chamadas ‘firmas’, espécies de torcidas organizadas de times de futebol, que a EDL encontra sua principal base social para recrutamento. Mas, como escreveu um repórter do jornal britânico The Guardian, há um curioso fator novo que difere a EDL dos antigos grupos de rua da extrema-direita. “Em cada protesto, existe um punhado de rostos de pessoas não-brancas, e um dos líderes do grupo é um sikh nascido no Reino Unido (...) A mensagem islamfóbica da organização parece ter pavimentado o caminho para uma coalização estranha – de cristãos de extrema-direita que enxergam-na como uma linha de frente da ‘luta global contra o Islã’ a ativistas dos direitos homossexuais.”
Seu principal líder público é Stephen Yaxley-Lennon, de 29 anos, natural de Luton, e conhecido pelo pseudônimo de Tommy Robinson. Lennon já foi do BNP (British National Party) – partido com aspirações xenófobas, mas que atualmente anda em declínio – e neste ano anunciou a filiação ao British Freedom Party, um racha do BNP.
Forjado também dentro do hooliganismo, Lennon já passou pela prisão, e recentemente foi proibido por juízes a ir a estádios de futebol pelo período de três anos, em razão de uma briga protagonizada por uma torcida da qual faz parte ligada ao Luton Town FC. Sobre a English Defence League, ele adota uma postura diplomática. “As pessoas não são contra o Islã; elas não são contra nada que não seja os patrocinadores do terrorismo, os inimigos mortais da Bretanha”, disse Lennon em uma entrevista à BBC. “Por 10, 15 anos, esses grupos têm sido intocáveis em nossas cidades. Esses dias se foram agora, nós os desafiaremos. Onde quer que estejam esses terroristas, nós estaremos lá”, bradou.
Apesar do discurso aparentemente isento de seu líder, na prática as manifestações da EDL são palcos para o tipo mais vil de intolerância. Gritos em uníssono de “nós odiamos os muçulmanos” são extremamente comuns. Outra atração frequente são barracas que servem exclusivamente carne de porco, alimento proibido de ser consumido dentro do Islã.
“É meio sem sentido. Aqui em Luton, Lennon tem amigos asiáticos. Alguns dizem que ele está na EDL por dinheiro”, conta Suhail.
No dia cinco de fevereiro de 2011, a EDL fez o maior protesto de sua história. Na ocasião, mais de 3.000 de seus membros e simpatizantes, vindos de diversas regiões da Inglaterra, se reuniram no nascedouro da organização – Luton – para protagonizar uma expressiva marcha pelas ruas da cidade. O evento teve destaque na mídia, e serviu como forte caixa de ressonância para as mensagens anti-Islã.
Como resposta, algumas pessoas da comunidade muçulmana local organizaram dois pequenos contra-protestos, mas sem alcançar grande repercussão. “Há um tsunami de patriotismo tomando conta da Inglaterra”, disse Lennon à época.
Contra-manifestação
Pouco mais de duas semanas após o psicopata norueguês Anders Behring Breivik, autor confesso de 77 assassinatos, ter citado durante seu julgamento a existência em Luton de “1.000 zonas islâmicas proibidas onde a polícia não se atreve a ir”, a cidade voltou a ser novamente o foco simbólico da islamofobia com uma nova manifestação nacional da EDL agendada para o último dia cinco de maio. Mas desta vez, houve uma resposta à altura.
Criada para combater a extrema-direita no Reino Unido, a UAF (Unite Against Fascism – União Contra o Fascismo), coalização que reúne sindicatos, partidos e outras organizações, convocou pessoas de todo o país para ir a Luton e se opor à EDL. Juntamente com outras lideranças locais, a UAF ajudou a organizar a contra-manifestação intitulada “We Are Luton”, marcada para ocorrer no mesmo dia e horário.
“A História nos mostra que quando nós os ignoramos, eles crescem”, relembrou Suzan Cox, da UAF, em referência ao fascismo na Europa de outros tempos.
Ônibus vindos de todas as grandes cidades da Inglaterra chegavam desde cedo à Wardown Park, o local de encontro dos manifestantes anti-EDL. Um palco foi montado onde lideranças religiosas, conselheiros locais, e ativistas discursavam. Em um dos pontos do parque, um trailer com caixas de som tocava músicas de Bob Marley.
“Essas pessoas da EDL espalham as mais estrondosas dúvidas acerca do Islã. Não existe isso de querer se implantar a sharia [a lei islâmica]. Elas não sabem, mas 96% da sharia têm a ver com obrigações meramente pessoais, como visitar um ente que esteja enfermo, ser gentil com seu vizinho, rezar cinco vezes ao dia, e até mesmo ser contra o extremismo. Quem é que se opõe a isso?”, falou para o público Abdul Qadeer Baksh, presidente do Centro Islâmico de Luton. “Sim, nós achamos que o Islã é a melhor solução para humanidade, mas também não nos esquecemos dos hindus, sikhs, cristãos, judeus e até mesmo os que não possuem nenhuma fé. Todos devemos estar juntos”, disse Baksh, defendendo o ecumenismo.
O líder do Conselho Municipal de Luton, Hazel Simmons, criticou o retorno da EDL na cidade. “Estou bastante desapontado com fato de a EDL ter escolhido retornar a Luton hoje, depois do protesto de fevereiro passado que causou distúrbios em grande escala ao povo da cidade”, afirmou. “A Luton que eu conheço é uma cidade onde as pessoas se dão muito bem, celebram a diversidade e trabalham juntas para superar os desafios.”
O ambiente na concentração da “We Are Luton” era bastante diverso. Punks, muçulmanos, sikhs, negros, brancos, estrangeiros. Alguns levavam seus cachorros, outros, filhos pequenos.
Enquanto os membros e simpatizantes da EDL se reuniam a quilômetros de distância, a contra-manifestação deixou o parque às 12:45 para tomar as ruas de Luton. Cerca de 1.500 policiais, vindos de várias cidades da Inglaterra, foram destacados para acompanhar as duas passeatas que ocorriam simultaneamente. Mais de 2.000 pessoas compareceram à manifestação “We Are Luton”, número semelhante ao que se foi estimado para o protesto da EDL.
Duas horas mais tarde, depois de ter percorrido diversas ruas da cidade, os manifestantes da “We Are Luton” retornaram a Wardown Park. Um a um, todos os ônibus foram escoltados pela polícia até a rodovia.
“Na semana passada (24/04), houve uma operação policial aqui em Luton em que cinco muçulmanos foram presos sob suspeita de envolvimento com atos terrorismo. A mídia deu grande destaque, mas depois todos eles foram liberados, e não se falou uma palavra. É muito sensacionalismo”, desabafou Suhail.
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