sábado, 12 de maio de 2012

Guiné-Bissau: Aparente normalidade esconde degradação da economia...



… um mês depois do golpe de Estado

Fernando Peixeiro, da Agência Lusa

Bissau, 11 mai (Lusa) - A capital da Guiné-Bissau vive dias tranquilos e aparentemente quase normais um mês depois do golpe de Estado, mas a economia do país degrada-se diariamente, com negócios a fechar e despedimentos frequentes.

Numa ronda feita por Bissau, a Lusa constatou que após um mês sem governo na capital há de tudo à venda mas poucos compram seja o que for. Os funcionários públicos estão sem receber, os investidores não investem, os restaurantes e hotéis estão a meio gás e há muitas empresas sem trabalhar.

A capital, que sofre um crónico problema de falta de energia elétrica, ficou às escuras duas semanas depois do golpe, embora nos últimos dias tenha surgido de novo alguma iluminação pública, e às ruas voltaram em força o barulho dos geradores, dos poucos produtos com venda garantida.

Mas o movimento constante de pessoas e a exposição de produtos alimentares não escondem outra realidade. "Houve uma quebra brutal depois do golpe. Tenho 49 empregados, hoje tive uma reunião com eles e até ao fim do mês, se isto não melhorar, vou dispensar metade", conta à Lusa a portuguesa Lurdes Guerra, proprietária de um restaurante e de uma pastelaria, ambos dos mais conhecidos na capital.

A responsável emociona-se quando diz que está a viver "a pior fase" depois da guerra de 98/99, porque não tem energia nem água e o volume de negócios está a 30 por cento. "De resto está tudo calmo, não tenho problemas nenhuns nem com ninguém aqui na Guiné-Bissau, mas também não tenho clientes".

Lurdes Guerra diz que aguenta mais uns dias, mas até ao final do mês vai fechar a pastelaria na parte da tarde.

Noutro lado da cidade, Fernando Escada, proprietário de um supermercado, é mais radical: com quebras de 60 por cento e, sem esperança de que a situação melhore, está a ponderar "deixar a Guiné-Bissau".

É assim por toda a Bissau. Um empresário da construção civil, que pediu para não ser citado, diz à Lusa que mandou para casa quase todos os funcionários, e outro da restauração e comércio fechou parte dos negócios e vai também dispensar mais de metade dos funcionários.

É assim também no mercado central, onde um pouco de tudo está à venda, mas onde poucos compram. As mulheres atrás das bancas garantem que os preços não subiram, mas há clientes que falam de produtos que subiram 150 por cento.

Esta semana, o representante especial do secretário-geral da ONU em Bissau, Joseph Mutaboba, disse que "enquanto as negociações para a solução da crise continuam, as necessidades da população na Guiné-Bissau são deixadas de lado".

Também os responsáveis pela campanha do caju, o principal produto de exportação, dizem que as coisas "vão de mal a pior". A verdade é que no ano passado, por esta altura, concentravam-se camiões carregados de caju na Avenida Amílcar Cabral, em direção ao porto. Hoje não está nem um.

O Programa Alimentar Mundial diz que nas regiões de Oio, Quinara, Gabu, Bafatá e Cacheu o caju está a ser negociado a um preço abaixo do acordado pelo governo vigente antes do golpe de Estado de 12 de abril, o que afeta o rendimento das populações.

Em Bissau, onde tudo acontece, há combustível à venda, há alguns funcionários públicos a trabalhar, nomeadamente nas Finanças e na Alfândega do porto, há hotéis a funcionar normalmente (como o Hotel Azalai) e há uma vida noturna assinalável, especialmente nos fins de semana.

Pedro vende fruta numa rua da baixa da cidade. Maçãs, peras, uvas, melões da África do Sul para Dacar, de Dacar para Ziguinchor via marítima (sul do Senegal) e de Ziguinchor para Bissau de camião. Um quilo de peras custa três euros. O mesmo preço do que antes do golpe, diz à Lusa.

Numa rua perto, um funcionário do Instituto Nacional de Previdência Social recusa dizer como se chama mas explica que não trabalha desde dia 13 de abril e que também não recebeu mais nenhum ordenado. Diz que não compra nada porque "o dinheiro acabou".

Governo "fechado", escolas fechadas, organizações internacionais a meio gás, a azáfama de Bissau é fictícia. Tudo se vende, mas pouco se compra.

"Se não resolvem isto vamos acabar muito mal", diz uma empresária. Que também não quer que o nome dela apareça. Porque se já não há militares nas ruas, o medo, esse, parece que veio para ficar.

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