quarta-feira, 9 de maio de 2012

GUINÉ BISSAU – DAR A VOLTA À TRAGÉDIA!



Martinho Júnior, Luanda

1 ) A tragédia da Guiné Bissau espelha os impactos mais nocivos do capitalismo neo liberal deste modelo de globalização constituído em império que se abate sobre África, que faz aproveitamentos que advêm do passado remoto e do passado próximo; de entre todos eles realço especialmente questões de ordem humana:

- O subdesenvolvimento histórico, crónico e acentuado em que se encontra o país, que se situa no 164º posto (entre 169 países) do Índice de Desenvolvimento Humano, praticamente na cauda daqueles que vegetam com o Índice de Desenvolvimento mais Baixo;

- Uma crise constante de valores por parte das suas elites desde praticamente o assassinato de Amílcar Cabral, reflectindo sequelas do colonialismo e dum passado mais longínquo em que a região era alvo dos corsários que vinham em busca de escravos para os utilizar como bestas nas plantações na América; tudo isso resultou numa desumanização dos comportamentos e de traumas que têm servido de esteio às situações mais perniciosas até aos nossos dias;

- O peso de conceitos tradicionais que sob o ponto de vista antropológico conferem resistências, comportamentos e atitudes próprias que se reflectem nas comunidades, na sociedade, nas instituições e nas pessoas, incluindo aquelas que integram os mais elevados escalões políticos e militares, “facilitando” bastas vezes as divisões e os preconceitos sócio-culturais;

- A imensa dificuldade das elites nacionais em dar sequência ao movimento de libertação e em inspirarem-se em Amílcar Cabral para levar avante os princípios da libertação com sentido de vida, imprescindíveis para travar a longa luta contra o subdesenvolvimento crónico e todas as sequelas que têm sua origem no passado;

- A atracção das elites da Guiné Bissau a projectos capitalistas de carácter neo liberal, que estimulam o crescimento, mas também as desigualdades e as injustiças sociais, abrindo a criminalidade local à criminalidade que nutre e de que se nutre a globalização, digerindo em tudo isso as sequelas que advêm do passado;

- Uma região em estado de subdesenvolvimento crónico, que tem sido dominada pelos pressupostos políticos e institucionais da “Françafrique”, ou sentido o peso da Nigéria submissa às entidades globais anglo-saxónicas, sem soluções alternativas à altura de conjunturas desfavoráveis que se têm vindo a arrastar desde o içar das bandeiras nacionais, o que influi de forma pouco construtiva na situação interna da Guiné Bissau, inclusive aproveitando as artificiosas fronteiras que foram produzidas pelo colonialismo;

- Os reflexos do alargamento da influência do Pentágono (AFRICOM) e dos aliados da NATO, uma parte deles antigas potências coloniais, que estão a atingir toda a África, mas muito particularmente as regiões do Mediterrâneo, do Sahara e do Sahel, desde o Sudão à Mauritânia (incluindo o Oeste Africano);

- É o conjunto desses fenómenos que, de forma redundante, têm resultado num ambiente que se tornou permissivo aos sucessivos crimes políticos que em cadeia se vão interligando, trazendo mais sequelas e tornando cada vez mais difíceis a viabilidade de soluções;

- A fragilização do quadro político tem por seu turno resultado numa imensa mancha de marginalidade social e nos enredos que têm propiciado o crescimento do tráfico de drogas, afectando personalidades e instituições.

2 ) Por todas as situações que se reflectem do passado e do presente, alguns grupos e elementos das classes política e militar de escalão mais elevado, podem estar directa ou indirectamente envolvidos em actos relacionados com os sucessivos assassinatos que se têm vindo a registar após a independência da Guiné Bissau, pelo que se deve realçar:

- A impossibilidade de se fazer neste momento e nas presentes condições e conjunturas uma avaliação séria dessa situação, pois os cenários na Guiné Bissau não têm sido propícios ao fortalecimento das instituições e não têm consolidado os postulados funcionais mínimos para o exercício da democracia, mesmo a democracia representativa;

- Que os interesses colocados no tráfico de drogas indiciam interligar-se com os assassinatos e golpes que têm ocorrido, o que torna os ambientes sócio-político-culturais ainda mais degradáveis, prejudicando os interesses estratégicos do povo da Guiné Bissau;

- Que os apoios internacionais, salvo o exemplo até agora isolado mas imensamente digno de Cuba, não têm contribuído para, de forma suficientemente saudável, se estimular um outro ambiente sócio-político-cultural, de forma a haver progressos nos relacionamentos internos, sobretudo nos sectores políticos e militares, que visem alcançar um ambiente de paz, de tranquilidade, de justiça, de viabilidade para o diálogo e para a gestação de consensos, com vista a encontrarem-se plataformas garantes de luta contra o subdesenvolvimento crónico e enveredarem-se por estratégias que visem a moralização do estado e efectivo desenvolvimento sustentável em benefício de todo o povo da Guiné Bissau;

- Que de degradação em degradação a actual situação conduz a pressões de toda a ordem sobre o quadro institucional, político e militar, o que torna ainda mais difícil encontrar soluções duradouras a curto, médio e longo prazos, pelo que a Guiné Bissau corre o risco de se tornar num estado inviável;

- Que ilustra todo o presente contencioso, o golpe militar numa altura em que haviam eleições, assim como a lembrança fresca de golpes anteriores e assassinatos, conforme por exemplo o documento atribuído a Zamora Induta, ora refugiado na Embaixada da União Europeia em Bissau, o que complica as aspirações a encontrarem-se soluções saudáveis em benefício de todo o povo da Guiné Bissau.

3 ) Deste modo é muito difícil encontrarem-se a partir de fora soluções para a Guiné Bissau, pelo que são sobretudo os próprios guineenses que nas suas próprias instituições políticas devem ter a palavra de forma a pôr-se fim a um passado de sucessivas crises, sem outras alternativas e sem garantias de se estar, alguma vez, a procurar um caminho com sentido de vida para o poder, para o estado, para as instituições, para as comunidades quantas vezes embutidas em seu próprio mosaico sócio cultural e para todo o povo da Guiné Bissau, pelo que:

- O PAIGC deve dar o exemplo e reunir-se num amplo Congresso em que todas as questões históricas e actuais conjunturas sejam debatidas de forma transparente, empenhada, esclarecida e construtiva, propiciando ao Partido um novo elenco político para a sua elite, capaz de se reencontrar com os anseios do movimento de libertação como ponto de partida para as lideranças encontrarem um ambiente propício a soluções duradouras de paz, democracia, busca de consensos e desenvolvimento sustentável;

- Que nesse Congresso se analise quanto os processos criminosos de que se nutre a própria globalização, estão interligados às crises internas, aos seus cenários e aos actores, num ambiente sócio-político-cultural degradado também em função dos impactos externos que surgem com a globalização;

- Que nesse Congresso o PAIGC encontre lideranças que ao não terem qualquer papel directo nas crises que se têm avolumado na sequência do assassinato de Amílcar Cabral, possam romper com o ciclo vicioso de crimes e de traumas que envolvem a vida sócio-política e militar nacional desde a independência;

- Que aquelas entidades que directamente estejam a ser apontadas como implicados na gestação de factores de desestabilização contrariando o normal funcionamento do processo sócio-político e militar, sejam afastados da liderança e possam vir a ser encaminhados pelo próprio PAIGC para a justiça;

- Que esse processo seja exemplo a seguir para todos os outros Partidos, que devem zelar para que suas lideranças e seus programas detenham legitimidade ética e moral, de forma a que isso se reflicta na evolução sócio-política-cultural e militar do país;

- Que se prepare a passagem à reserva ou à reforma das cúpulas militares envolvidas nos contenciosos que indiciem actividades criminosas directas, fazendo emergir para o comando das Forças Armadas entidades militares sobre as quais não recaiam esse tipo de suspeitas, capazes de se envolverem na gestação de novas Forças Armadas e Polícia Nacional.

4 ) Os Partidos irmãos que têm mantido o relacionamento com o PAIGC e têm procurado soluções para a Guiné Bissau, devem estimular a iniciativa dum amplo Congresso Regenerador no PAIGC, de forma a que seja lançada a mensagem de necessidade dessa regeneração a toda a classe política e militar nacional e idêntico processo seja seguido por outros Partidos e pelas instituições castrenses.

Devem ainda, com os estados onde se encontram implicados:

- Levar em conta o exemplo de Cuba no seu relacionamento bilateral com a Guiné Bissau e o esforço estratégico que é imperativo em termos de educação e saúde, reforçando-o;

- Empenhar-se em melhorar as condições de sanidade pública e a distribuição de água potável às comunidades, de forma a melhor se prevenirem as doenças;

- Empenhar-se em contribuir para criar estruturas sociais (construção de hospitais, postos de saúde, escolas de vários níveis, etc), de forma a que haja uma dignificação dos impactos por via das acções prioritárias na saúde e na educação;

- Empenhar-se em construir infra estruturas como estradas e pontes, começando por interligar os principais centros urbanos do país e de forma a que se propicie o alargamento da rede a nível nacional;

- Reforçar a capacidade nacional de produção de energia eléctrica;

- Criar melhor inter ligação às regiões insulares dos Bijagós, de forma a diminuir o seu relativo isolamento;

- Reforçar as estruturas político-administrativas e militares, construindo edifícios em todas as principais localidades, que confiram dignidade às acções administrativas do estado e do seu sistema de instrumentos do poder;

- Garantir acções de apoio à agricultura, pesca e serviços, de forma a procurar instalar pequenos aproveitamentos industriais;

- Ajudar a criar um banco alimentar que possa ser utilizado perante situações de crise;

- Abster-se de projectos elitistas e megalómanos a reboque de interesses inter ligados à globalização em curso, de forma a que as elites nacionais sejam conduzidas às acções dirigidas sobretudo para o homem e de forma a incentivar a ética e a moral do estado e das instituições;

- Procurar estimular consensos alargados a todas as comunidades, tornando viável que toda a sociedade possa corresponder a uma mobilização vocacionada para a luta contra o subdesenvolvimento, estabelecendo-se um clima cada vez mais favorável ao estado, assim como às instituições sócio-políticas e militares;

- Estimular a paz, o diálogo, a cidadania e a participação nas acções da vida pública e do estado, a nível nacional e local;

- Enveredar esforços no sentido de se estabelecerem consensos com a CEDEAO e outras instituições com impacto na Guiné Bissau, de forma a reforçar os estímulos às políticas dirigidas fundamentalmente para o homem e com sentido de vida;

- Contribuir para a inter ligação da Guiné Bissau com seus vizinhos próximos (Senegal, Guiné Conacry e Mali), de forma a se estimularem integrações que estejam sobretudo vocacionadas num processo de luta contra o subdesenvolvimento.

5 ) É evidente que nesta minha intervenção não posso ser exaustivo, todavia parece-me que é impossível construir um edifício começando pelo teto e no caso da Guiné Bissau como por todo o lado, as questões humanas devem ser prioritárias, por que é com o homem e só com o homem, com o sentido de vida, que se poderão não só superar as crises, como sobretudo se poderá lutar contra o subdesenvolvimento crónico que continua a atingir África.

* Ver todos os artigos de Martinho Júnior – ligação também em autorias na barra lateral.

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