quinta-feira, 17 de maio de 2012

O BILDERBERG E A RÚSSIA



Martinho Júnior, Luanda

Quando de 31 de Maio a 3 de Junho, no “Westfields Marriott Washington Dulles Hotel” em Chantilly, Estado da Virgínia, se reunir pela 60ª vez o Clube Bilderberg, a Rússia nacionalista e disposta à interdependência multipolar, sob a égide do Partido Rússia Unida e de Putin, será um dos assuntos críticos a ser abordado.

1 ) O Bilderberg foi uma das organizações elitistas que mais tentaram tirar partido da volatilização da URSS, da dissolução do bloco socialista, do fim do Pacto de Varsóvia e da fragmentação étnica da Jugoslávia, até por que integrou o caudal de inspiradores e mentores das “revoltas coloridas”, como das intervenções da NATO nos Balcãs e da sua expansão a oriente, uma expansão que, sob o ponto de vista operacional foi até ao Afeganistão.

Essa vocação, aproveitou o capitalismo neo liberal, que se na América Latina esteve na base das ditaduras intimamente associadas à gestação das oligarquias nacionais associadas aos interesses do império no século passado, na União Europeia aproveitaram as vulnerabilidades das “democracias representativas” para fazerem fermentar uma encoberta ditadura do capital que desembocou nas políticas de “austeridade”, concentrando o poder em cada vez menos mãos, sob5retudo mãos alemãs, à imagem e semelhança do que já havia conseguido nos Estados Unidos com auge na governação Republicana de George Bush.

2 ) A Rússia para o Bilderberg continua a ser um alvo precioso, suculento, pois é o único país com extensão territorial no maior espaço trans-continental da Terra, a Euro-Ásia, com domínios no Báltico, no Mar Negro e Mediterrâneo Oriental, no Pacífico e sobretudo no Árctico onde é a maior potência.

3 ) Para o Bilderberg a Rússia já foi mais fácil de digerir e “integrar” que agora:

- Com Gorbatchov os elitistas aproveitaram-se das contradições internas, das análises inconsistentes e pouco realistas, das hesitações geo estratégicas para fazer fermentar as correntes instigadoras dos interesses e conveniências da hegemonia unipolar…

- Com Ieltsin, explorando o êxito, fez fermentar o início da instalação desses interesses e conveniências, ao ponto de “catapultar” a presença da “Open Russia Fundation”, assim como, por exemplo, o surgimento da Yukos e do sistema bancário afim, iniciando a saga da formação duma elite que lhe era dócil e obediente…

4 ) O tandem Putin-Medvedev, com o surgimento do Partido Rússia Unida, tornou-se um efeito “boomerang” a contrariar a celeridade na instauração da hegemonia unipolar, pondo em causa seus interesses e conveniências sobretudo na Rússia Europeia, enfraquecendo o espectro político-ideológico de sua influência, agora acantonado numa oposição com muito menos recursos que antes, quando Ieltsin detinha o poder.

Esse tandem a nível interno, põe em cheque a dupla traição de Ieltsin: a traição ao povo russo e ao socialismo e a traição à própria pretensão da oligarquia russa, ciosa de domínio desde logo no espaço físico-geográfico Euro-Asiático.

5 ) Sob a égide do tandem nacionalista, a oligarquia russa tem vindo a tirar partido das enormes potencialidades existentes, assumindo preponderância em sectores como a banca e a energia, assim como da indústria do armamento e do espaço, preparando-se agora para fechar o seu ciclo de poder alicerçada no renascimento científico e tecnológico em curso, a partir duma base industrial que, estando obsoleta, não deixa de ser o ponto de partida para as realizações que se esboçam conforme os programas do Rússia Unida.

6 ) Nesse sentido é vital para a oligarquia russa, tal como para acrescente e próspera classe média, os conceitos expostos nos BRICS: interdependências de carácter multipolar, com cada vez mais substantiva autonomia na banca e finanças, em relação ao Dólar e ao Euro.

Esses conceitos permitem à Rússia esboçar uma ênfase cada vez mais acentuada nos relacionamentos com a União Europeia, a ocidente e com a China a oriente, sem esquecer que a sul, o campo de manobra é cada vez mais favorável na direcção da Índia, à medida que a batalha dos oleadutos e gasodutos vai sendo perdida pela hegemonia unipolar eminentemente anglo-saxónica, apesar da extensão da NATO e de suas múltiplas coligações, tirando partido e aproveitando os recursos das monarquias arábicas.

7 ) Se em relação a África os BRICS e sobretudo a Rússia não assumiram uma posição firme em relação ao contencioso líbio, indiciando com isso abandonar temporariamente África à mercê do neo colonialismo vinculado ao império, já o mesmo não se passa em relação ao Médio Oriente, à Ásia Central, ao Cáucaso e no AfPaq, onde a coligação de interesses russo-chineses é mais enfática ao ponto de obstar no Líbano, na Síria, no Irão, na Geórgia, no Afeganistão e no Paquistão, ao domínio dos interesses e conveniências espelhados no Bilderberg por via da hegemonia unipolar, que nessa imensa região recorre ao poder militar norte americano e de seus aliados da NATO, da ANZUS, de Israel e das monarquias arábicas.

8 ) É nesse ambiente que se está a travar a “batalha dos oleadutos e gasodutos”, com cada vez mais cedências do lado da hegemonia unipolar, cada vez mais confinado à península arábica, constituindo o Irão um decisivo elemento e factor no âmbito das interdependências multipolares com garantia e abertura para as autonomias das moedas, dos bancos e das finanças.

9 ) O Bilderberg irá discutir o carácter e arquitectura da NATO, podendo estimular um quadro típico de Guerra Fria, “agarrando-se” aos contenciosos sobretudo da Síria e do Irão.

A situação de continuada crise ocidental, uma crise das culturas indexadas ao campo de domínio anglo-saxónico terá a maior relevância nas discussões, pois conforme a sabedoria: “quem vai para o mar, avia-se em terra” e a logística para a nave do império, em termos de capitalismo neo liberal, já não é a mesma que antes.

A União Europeia neste âmbito está cada vez mais ciente que, quanto mais se procurar afastar dos BRICS, mais se vai “autoflagelar” com as “austeridades”, um manancial único para o capitalismo neo liberal transformado em ditadura financeira, mas que tem seus limites (não é por acaso que na América Latina estão a sentir o efeito “boomerang”)!

A Rússia também o sabe, pelo que acautelou suas relações bilaterais com a Alemanha, ao ponto de construir um oleaduto submarino no Mar Báltico que liga directamente território russo ao alemão, de forma a salvaguardar os interesses comuns sem possibilidades de interferências de terceiros, mesmo que eles pertençam à União Europeia!

Mantendo políticas capitalistas, a Rússia está não só a aproximar-se dos outros BRICS, contribuindo para potenciar o espectro duma emergência mais alargada, mas também a aproximar-se da América Latina, onde o campo progressista visa replicar ao histórico domínio do império, estimulado pelas resistências e onde o neo liberalismo foi antecipadamente queimado com as ditaduras do século passado.

A Rússia é um elemento e factor decisivo para a construção da réplicas interdependentes de carácter multipolar, mas isso pode não ser um obstáculo às pretensões geo estratégicas das organizações elitistas como o Bilderberg, que podem procurar integrar mais oligarquias nacionais para as suas causas se não tiver outra alternativa senão abandonar as opções do capitalismo neo liberal inerente à “escola de Chicago”.

Consultas:
- La gouvernance unipolaire est illégitime et immorale – http://www.voltairenet.org/La-gouvernance-unipolaire-est
- La Russie et l’évolution du monde – http://www.voltairenet.org/La-Russie-et-l-evolution-du-monde
- Moscou et la formation du Nouveau Système Mondial – http://www.voltairenet.org/Moscou-et-la-formation-du-Nouveau
- L’Asie-Pacifique aquiert une nouvelle dimension –
- El sistema de defensa aerospacial blindará la Rusia frente a missiles da la OTAN – http://www.cubadebate.cu/noticias/2012/02/05/el-sistema-de-defensa-aeroespacial-blindara-a-rusia-frente-a-misiles-de-la-otan/
- Exhorta putin a respectar derecho internacional para evitar guerras – http://www.cubadebate.cu/noticias/2012/05/09/exhorta-putin-a-respetar-derecho-internacional-para-evitar-guerras/

* Ver todos os artigos de Martinho Júnior – ligação também em autorias na barra lateral.

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