sábado, 12 de maio de 2012

O BOSQUE EM FLOR




Rui Peralta

Geopolítica do neocolonialismo na Africa Ocidental (4)

Geopolítica neocolonial na Africa Ocidental (de 1960 ao fim da guerra fria)

         Em Fevereiro de 1960 o primeiro-ministro britânico, MacMillan, pronunciou um discurso no Parlamento Sul-Africano do apartheid, na Cidade do Cabo, onde afirmou em traços gerais a essência da geopolítica neocolonial na época. Chamando a atenção para as mudanças que faziam sentir-se no continente africano, MacMillan concluía: “ (…) o grande problema desta segunda metade do século XX está em saber se os povos não-alinhados da Ásia e da África vão pender para o Leste ou para o Ocidente, saber se vão ou não ser arrastados para o campo do comunismo.” (in Ideologies des Independences africaines, Yves Benot, Maspero, 1969)

         Este discurso constituía um duplo aviso para o movimento de libertação nacional. As potências coloniais deviam reconhecer os movimentos e conceder a independência mas, em contrapartida, os jovens Estados Africanos deviam alinhar no campo ocidental. Esta é uma premissa que implica a dependência política e económica. Esta premissa define toda a geopolítica neocolonial na época até ao final da guerra fria. E não deixa de ser simbólico o facto de ter sido um primeiro-ministro conservador britânico (o que revela a absorção das receitas norte-americanas pelos tories e pelos gaullistas, depois de ela ter sido absorvida pelo Labour e pelos socialistas franceses) como o facto de esta proclamação ter sido realizada na Africa do Sul (vanguarda da Revolução Industrial no continente africano, importante pela sua posição geográfica, inserida no meio de dois oceanos, o Atlântico Sul e o Indico e a três mil km da Antártida, sendo o Atlântico Sul uma imensa auto-estrada de trafego marítimo, de ligação ao Atlântico Norte - o oceano dos países industriais - e ao Pacifico através do Canal Beagle, sendo o Indico a demarcação da Rota do Cabo, por onde é processado o fluxo do petróleo árabe e dos minérios estratégicos da Africa do Sul e sendo a Antártida potencialmente rica em recursos mineiros como o carvão, o cobre, o ferro, o estanho, níquel, chumbo, manganésio, prata, ouro, petróleo e uranio, para além de constituir a sua costa uma reserva imensa de proteínas – o krill. Também pelo choke-point do Cabo, epicentro da confluência entre o Atlântico Sul e o Indico, o ultimo de uma fiada existente no Indico: Sunda, Malaca, Sri-Lanka, Ormuz e Canal de Moçambique. É aqui, próximo do Cabo, que se situa a base naval de Simonstown) como também pelo facto deste discurso de MacMillan ter sido proferido um mês depois de Lumumba ter reclamado, numa serie de conferencias na Bélgica, um governo congolês para Janeiro de 1961, contrariando e irritando a decisão da Bélgica do rei Balduíno de, para surpresa geral, querer outorgar a independência do Congo para Junho de 1960.

         O alcance deste discurso de MacMillan – e do seu simbolismo – abarcando as premissas doutrinária da geopolítica ocidental para Africa e para todos os movimentos de libertação nacional na Ásia ao mesmo tempo que constituía um aviso para que África aceitasse a boa vontade do Ocidente em conceder independências, alinhando na sua esfera de influência politica e económica, no combate ao comunismo da cortina de ferro. Se assim não o fizerem os movimentos de libertação deveriam ler nas entrelinhas deste discurso as ameaças, que tornaram-se realidade trágica, nos acontecimentos do Congo de Lumumba.
        
Cronologia sumária da África Ocidental (1960 a 1969)
        
1960 – Independências do Togo, Federação do Mali, Daomé Níger, Alto Volta, Costa do Marfim, Gabão e Nigéria. A Federação do Mali desfaz-se em Agosto, dois meses após a independência, originando o Senegal e o Mali. O referendo de 4 de Maio proclama a república no Gana. No final do ano é aceite por unanimidade uma resolução da ONU sobre descolonização e proclama-se uma ineficaz União Gana-Guiné-Mali.

1961 – Independência da Serra Leoa. Criação da União Africana do Malgaxe (UAM), em Yaoundé. O PAIGC anuncia a preparação para a luta armada. No Gana assiste-se á crise de Setembro, com um forte movimento grevista a tomar posição no teatro de operações da luta de classes. Nkrumah consegue um compromisso. Em Outubro a parte norte dos Camarões junta-se á Nigéria. Na Guiné Conakry vive-se um intenso período de crise social, com as greves estudantis fortemente reprimidas e motins na cidade de Labé, conduzidos pelos sindicatos e comissões de camponeses. Um mês depois o embaixador soviético é expulso deste país.

1962 – Crise politica e social de Maio, na Nigéria, sendo proclamado o estado de emergência na Região Oeste. Um mês depois realizava-se a Conferencia de Lagos, onde 19 ministros africanos dos negócios estrangeiros dos regimes neocoloniais retomam a ideia de uma cimeira. Em Agosto Nkumah sofre um atentado em Kulungugu e um mês depois o Gana assiste a uma vaga de atentados terroristas que levam á proclamação do estado de emergência. Em Dezembro o Senegal assiste a fortes movimentações em Dakar e Senghor manda prender Mamadou Diop, presidente do Conselho.

1963- O regime da Costa do Marfim inicia, em Janeiro, uma vaga de prisões devido a uma eventual conspiração, tendo sido alertado pelos serviços secretos franceses. Na semana seguinte num golpe de estado militar em Lomé o presidente Sylvanus Olimpio é assassinado. Na Guiné portuguesa o PAIGC inicia a luta armada. A teoria da conspiração avança e chega á Libéria, onde o presidente Tubman executa uma vaga de repressão devido a uma eventual conspiração. Em Março a Guiné-Conacry procede á substituição das notas de banco. Em Abril Senegal e Mali reiniciam as relações interrompidas em 1960. Em Maio na Conferencia cimeira de Adis Abeba dá-se a assinatura da Carta da OUA. Nova conspiração na Costa do Marfim, em Setembro, inicia nova vaga de repressões. Em Outubro, na Guiné Conacry a sociedade americana Harvey Aluminium obtém uma concessão em Boké. A Gambia proclama a autonomia e uma revolução em Daomé derruba o regime de Maga. Em 1 de Dezembro realizam-se eleições no Senegal, enquanto Dakar está sob pressão do movimento sindical, que marcou uma manifestação para esse dia, fortemente reprimida pelo exército que abriu fogo sobre os manifestantes, causando um elevado número de mortos.

1964 – Novo atentado contra Nkrumah em Acra. Apithy é eleito presidente do Daomé e em fevereiro as tropas francesas anulam um golpe de estado militar no Gabão. Em Dakar a UAM dissolve-se para dar lugar á UAMCE que virá a transformar-se em OCAM. O Gana lança um plano septenial. Na Costa do Marfim o antigo presidente do Supremo Tribunal aparece morto e as autoridades falam em suicídio. Em Maio Azikiwé apela á unidade nacional nigeriana e nos finais do mês inicia-se uma onda de greves gerais por toda a Nigéria. Em Conacry Sekou Touré anuncia medidas contra os comerciantes e as “camadas burguesas” enquanto na Nigéria decorrem eleições, perante a abstenção da oposição

1965 – O presidente nigeriano Azikiwé encarrega Tafala Balewa de formar governo, após as eleições de 30 de Dezembro do ano anterior. Em Fevereiro a UAMCE (União Africana e Malgaxe de Cooperação Económica) dá lugar á OCAM (Organização de Comum Africana e Malgaxe). A Gambia torna-se independente e em Junho realizam-se eleições no Gana. Em Conacry é descoberta uma conspiração militar contra Sekou Touré, levada a cabo pelos franceses. A Guiné-Conacry corta relações com a França. Em Dezembro a OUA em Adis Abeba decide romper relações com Londres, mas apenas oito estados cumprem essa resolução. No mesmo mês um golpe militar em Daomé coloca Soglo no poder.

1966 – O ano começa no Alto Volta com uma greve geral e fortes sinais de insurreição popular, travada pelo golpe militar que depõe o regime de Yaméogo. Na Nigéria assiste-se ao primeiro golpe militar neste país, 3 dias depois de uma Conferencia da Commonwealth em Lagos. O primeiro-ministro e outros ministros são executados. Uma semana depois a Nigéria sofre novo golpe militar que coloca Ironsi no poder. No mês seguinte fortes movimentações populares e greves gerais são violentamente reprimidas em Daomé e na Libéria. No final de Fevereiro um golpe militar e policial depõe Nkrumah (que visitava Pequim) no Gana. Nkrumah exila-se em Conacry. Na Nigéria Ironsi suprime os partidos e os sindicatos e iniciam-se os progroms aos Ibos na região Norte da Nigéria. Em Junho, no Senegal, o Partido do Renascimento Africano, na oposição, funde-se com a União Popular Senegalesa de Senghor, no poder. Em Julho novo golpe de estado na Nigéria coloca Gowon no poder e eclode nova vaga de progrom contra os Ibos.

1967- Golpe de Estado no Togo. O coronel Eyadema toma o poder. Em Março falha atentado contra Senghor, enquanto ocorre um golpe de estado na Serra Leoa. No Gana fracassa um levantamento militar para derrubar a ditadura. No Mali, após os acordos financeiros assinados com a França em Fevereiro, a moeda maliana sofre uma profunda desvalorização. Em Mio o Biafra proclama a independência, separando-se da Nigéria. Em Julho o presidente nigeriano Gowon manda atacar os separatistas do Biafra. Enquanto isso no Mali uma vaga de manifestações populares e greves contra os privilegiados do regime, levam á dissolução da Assembleia e do Comité Politico do partido único a US-RDA, passando todos os poderes para um Comité Nacional de Defesa da Revolução, mas a agitação popular, estudantil e sindical prossegue. Na Nigéria em Agosto o exército biafrense ameaça Lagos e a URSS abastece o governo nigeriano com armamento e aviões, logo seguida da Inglaterra. Na Costa do Marfim ocorrem manobras militares conjuntas entre a França e a Costa do Marfim. A Guiné Conacry pretende restabelecer as relações com a França. No final do ano após uma onda de greves e manifestações, um golpe militar depõe Soglo no Daomé, substituído por Alphonse Alley.

1968 – No Daomé é proclamada uma nova constituição e são marcadas eleições presidenciais. Na Serra Leoa um golpe militar entrega o poder a Siaka Stevens, vencedor das eleições de 1967. Fortes manifestações operarias em Dakar, no Senegal, seguidas de uma forte vaga repressiva. As eleições presidenciais de Maio, na Serra Leoa são anuladas pelos militares devido á forte abstenção (80%). Em Dakar os estudantes juntam-se aos protestos operários e ocupam as universidades e os liceus. O exército senegalês invade a Universidade de Dakar e registam-se vários mortos nos confrontos de rua. Os sindicatos e os estudantes convocam uma greve geral para 31 de Maio e Senghor ameaça com o estado de emergência. O exército toma conta das ruas de Dakar e abafa a revolta operária e estudantil. Num gesto teatral, Senghor rompe relações com o bloco soviético a quem acusa de interferência nos assuntos internos e aumenta os salários da função pública. No entanto no Daomé os militares nomeiam Zinsou para presidente da república e prometem o regresso ao poder civil. Em Novembro o Mali assiste a um golpe militar.

1969 – Na Guiné-Conacry é descoberta uma eventual conspiração e vários elementos próximos de Sekou Touré são implicados, sendo 13 deles executados. Na Nigéria o exército federal lança uma ofensiva contra o exército biafrense. Mas em Julho eclodem revoltas camponesas na região de Ibadan. Enquanto isso no Gana um golpe palaciano afasta Ankrah e Sekou Touré quase é vítima de um atentado, em Conacry, na presença de Kaunda que estava de visita ao pais. Em Dakar a agitação laboral e estudantil continua, apesar da forte repressão do exército e dos sequazes de Senghor, que levam ao extremo o discurso da negritude de Senghor, espancando os grevistas e acusando-os de serem filhos de brancos. Senghor, o respeitável deputado e secretário de estado francês, o poeta e filósofo da negritude, o sábio Presidente do Senegal, o menino querido do Ocidente e dos patrões franceses não se coíbe de recorrer aos estratagemas racistas dos fascistas de Mussolini e da Alemanha nazi, uma técnica que pelos vistos este lacaio dos colonos aprendeu bem, até pela sua omnisciência em História da Europa.

O balanço da década de sessenta

         A década de sessenta do seculo passado foi um período de forte agitação em toda a Africa Ocidental. Agudização da luta de classes, jogos políticos e militares, os grupos dominantes a procurarem auxílio no exterior, cedências e traições, golpes e contra golpes. A estratégia neocolonial encontrava forte aliados nesta zona do continente. Franceses, Ingleses e norte-americanos, jogando umas vezes em conjunto outras em desacerto ou alianças de ocasião, tinham os seus agentes operacionais bem assentes no terreno. Uns, sempre fiéis ao seu colono, como Senghor e o marfinense Houphouani, outros mudando de colono, procurando benesses do colono vizinho ou do grande patrão yankee e outros ainda mudando de campo, de uma lado para o outro da cortina de ferro.

         Na década de setenta os conflitos continuaram, mas a geopolítica neocolonial já antecipara novos teatros de operações e simulava novas técnicas de domínio, procurando uma nova geração de agenciados. A queda do império português, com a queda do regime fascista provocada em 25 de Abril de 1974, levando á independência das ex-colónias portuguesas e ao reconhecimento português da independências da Guiné, proclamada em 1973 pelo PAIGC, obrigava a um repensar das políticas neocoloniais. Por outro lado a guerra frio entrava numa fase perigosa, onde a ameaça nuclear constituía uma espada de Démocles. Até ao fim da guerra fria os acontecimentos desenrolaram-se de forma rápida e precipitada. Com a implosão da URSS e dos países do chamado socialismo real o pensamento geopolítico reanalisa o seu campo de acçäo. Esse posicionamento e as suas implicações na Africa Ocidental é o que iremos expor no próximo artigo, sem esquecer o aparecimento de uma nova fonte neocolonial, produto das alterações verificadas na estrutura política portuguesa pós 25 de Abril: o neocolonialismo português.
        
Fontes
Yves Benot; Ideologies des Independances africaines; Maspero, 1969
Amílcar Cabral; Le pouvoir des armes; Maspero, 1970
Armando de Campos; África do Sul – Potencia Regional; ISCSP/UTL,1996.
Gilbert Pérol; Le grandeur de la France; PUF, 1992
Gilbert Pérol; Perspectives on global change: the TARGETS approach; Cambridge University Press, 1997
Barbara Aoki Poisson; Polar politics: creating international environmental regimes; Ithaca, 1993
Mark Polelle; A political chronology of Africa; Europa publications, 2001
Hugh Poulton; Power Transitions: Strategies for the 21st Century; Chatham House Publishers, 2000

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