segunda-feira, 14 de maio de 2012

O BOSQUE EM FLOR


  Jacques Beaumont – Aprés midi em Afrique – óleo sobre tela
Rui Peralta

Geopolítica do neocolonialismo na Africa Ocidental (5)

A implosão do socialismo real

         Esta não é propriamente a vitória da Geopolítica ocidental, ou da sociedade de mercado e muito menos a do fim da História, como a apressada e ofegante, estonteada pela adrenalina, literatura burguesa contemporânea, livre já das peias do Keynesianismo e em busca da pureza dos mercados (embora ao nível do discurso politicamente correcto dos reformistas e de grande parte dos sectores intelectuais das extractivas mineiras e de algum sector financeiro mais cuidadoso siga um percurso neokeynesiano) apresenta esta questão. Nem sequer, por muita ginástica intelectual que seja feita, ou por muito que se aplique o conhecimento sofista, pode ser considerada uma vitoria da potencia marítima, das talassocracias sobre a epirocracia soviética.

         Estando esta questão fora do âmbito deste artigo, mas sendo necessária para podermos ter uma visão mais concreta do presente e da geopolítica neocolonial contemporânea, a implosão do socialismo real tem a ver com uma questão essencialmente marxista, fora dos manuais da macroeconomia burguesa. O Estado, único empregador de mão-de-obra, não podia dar-se ao luxo de pagar a força de trabalho e depois desinteressar-se do ser humano que produz. Na sua qualidade de monopolizador o estado não podia comprar apenas uma parte da mão-de-obra por um período de tempo determinado. Apoderou-se, assim, de toda a mão-de-obra disponível, na totalidade e sem limite temporal, acabando por transformar-se no possuidor não apenas do produto do trabalho, mas também dos que trabalham. O Estado do socialismo real comprou em bloco todo o proletariado modificando por completo toda a relação existente entre fornecedores de mão-de-obra e os proprietários do capital.

         O trabalhador no socialismo real perdeu as suas características de proletário, tornando-se súbdito do Estado, trabalhando apenas para o único senhor que compra a sua força de trabalho, tornando-se um capital próprio. No fundo não passa de gado, que tem de ser cuidado, albergado, alimentado e cuja reprodução consiste a principal preocupação do seu senhor. E quando esta situação tornou-se insustentável, ou seja, quando se tornou impossível acumular e criar excedentes de capital para sustentar a reprodução e os cuidados de saúde com o capital próprio em que transformou-se o trabalhador, mais as despesas com o aparelho burocrático e militar, a nomenklatura tentou a reintrodução do mercado e ai todo o sistema desmoronou-se.

         Livre da ameaça soviética, do Heartland epirocratico do Oriente, a burguesia do Ocidente ficou com as mãos livres. Já não havia necessidade do elaborado contracto social que caracterizou a Europa Ocidental. As alterações não se fizeram esperar e lançaram-se á tarefa crucial que se impunha: a rapina.        

A liberalização e a desintegração

         As alterações nas políticas internas fizeram-se rapidamente sentir. Como sempre acontece nestas ocasiões alguns aliados foram deitados fora, pura e simplesmente (este é um fenómeno que sempre acontece, recentemente visto na chamada Primavera Árabe, onde os velhos aliados do Egipto e da Tunísia foram considerados inaptos para cumprirem os novos desígnios de exploração neocolonial).

         Por toda a Africa Ocidental a liberalização económica e o multipartidarismo foram rapidamente assumidos pelos regimes agenciados. O que não constituiu uma grande dificuldade nem implicou contratempos. A depauperização das economias da região constituiu um factor de dissuasão. Por outro lado países como a Libéria, a Serra Leoa, a Guiné-Bissau, o Mali e a Costa do Marfim entraram num prolongado período de instabilidade politica e de guerra interna, devido não só às dinâmicas internas de cada um destes países ou às dinâmicas regionais, mas também devido ao factor neocolonial e ao papel que representam na nova Geopolítica e seu eventual papel nas dinâmicas geoestratégicas de mercado.

         Caracteriza-se a actual situação pela existência de duas zonas: zonas de estabilidade e zonas de instabilidade. No fulcro da zona de estabilidade, a que poderemos chamar de estabilidade fixa, temos Cabo Verde. Para além da sua importância arquipelágica, com tudo o que implica em termos de mobilidade marítima e aérea, Cabo Verde é um oásis financeiro, na esfera de influência do neocolonialismo português (de que iremos já falar, umas linhas abaixo) e menina querida da UE. Ideal para as coberturas financeiras do sector bancário e de lavagem dos lucros sujos. É um dos pontos mais importantes para as operações dos cartéis sul-americanos, constituindo o primeiro ponto de referência para as operações de narcotráfico provenientes da Guiné-Bissau, Casamança e outros pontos de instabilidade onde os cartéis detêm importância para a sustentabilidade das operações clandestinas dos interesses neocoloniais da região.

A zona de estabilidade é depois formada por uma segunda cintura, constituída pelo Gabão, Togo, Burkina Fasso, Gambia e Benim. A terceira cintura da zona de estabilidade da Africa Ocidental é constituída pelos estados em dúvida: Senegal, Guiné-Conacry, Níger e Gana, sendo o Senegal ameaçado pela instabilidade e correndo o risco de abandonar esta zona.

         A zona de instabilidade abrange o Mali (zona critica), Libéria (zona em estagnação) Serra Leoa (zona em estagnação) Nigéria (em transição para zona critica), Guiné-Bissau (zona critica) e Costa do Marfim (zona critica).

O neocolonialismo português

         De recente formação, formado na escola do Imperio Lusitano, vai buscar as suas fontes á escola francesa, nos conceitos da diversidade do factor humano e às escolas inglesa e norte-americana, em alguns conceitos operacionais de análise e de operacionalidade redimensionada. Da escola de Munique foram transportados o conceito das Pan-regiöes, fundamental para as suas preocupações com a área de acçäo, pois trata-se de uma geopolítica de pequeno estado inserido em blocos militares e económicos de grande dimensão o que o leva a uma acçäo discreta e inibida pelos seus poderosos parceiros de bloco.

         O seu centro nevrálgico ideológico é o Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas (ISCSP, antigo ISCSPU – Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas Ultramarinas – onde se formavam os técnicos de administração colonial após a década de 40) e os seus braços teóricos o Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM) e o Instituto de Relações Internacionais (IRI). A sua influência na Africa Ocidental faz-se sentir nas duas ex-colónias da Guiné-Bissau (zona de instabilidade critica) e de Cabo Verde (zona de estabilidade fixa)

         A geopolítica neocolonial portuguesa é um produto do 25 de Abril, ou seja, da estrutura dos grupos económicos portugueses que emergiram com o 25 de Abril. Podemos caracterizá-lo como sendo um neocolonialismo de baixa intensidade militar e crescente intensidade económica, servindo muitas vezes de intermediário a operações de terceiros e contentando-se com as áreas de influência que já lhe eram adstritas na época colonial.

ECOWAS

         Esta é uma comunidade típica da influência conjunta neocolonial. O instrumento necessário para proceder ao traçar dos novos mapas para a região. É sempre mais fácil em pacote do que estado a estado. Não tenhamos ilusões sobre esta matéria. A importância humana da Africa Ocidental para os mercados do presente é nula (como sempre o foi). O interesse reside nas reservas petrolíferas da região, nas reservas minerais diversas (algumas recentemente descobertas) e no facto da importância estratégica do litoral da região, no Atlântico Sul, essa autoestrada de trafego marítimo.

         Mesmo que o centro financeiro mundial se desloque para o Brasil (um potencial candidato, embora se coloque em bicos de pés) quer se desloque para Oriente (a China, outro potencial candidato, aparentemente o mais apto a desempenhar esse papel, embora seja um rato escondido com rabo de fora, no que respeita á sua coesão interna, pois a forma tradicional de mercado em redes hierárquicas formadas em tornos das cidades e pela hierarquia destas em função do mercado interno chinês sempre que é posta em causa, Pequim fecha as portas, porque a unidade nacional fica de imediato em causa) quer seja conforme os desejos da inteligência democrata em torno do presidente Obama, uma deslocação para o Pacifico (parece-me um tanto ou quanto utópico, mas não deixa de ser uma possibilidade) a importância do Atlântico Sul não será alterada.

         Por outro lado também não será alterada a influência neocolonial actual na Africa Ocidental, mas quanto muito será alargada às potências que forem receptáculo do centro financeiro (sejam eles os emergentes dos BRICS ou outros quaisquer).

         Portanto a ECOWAS, mesmo que esgote a sua função será substituída facilmente por outra comunidade regional ou quiçá inter-regional, que cumprirá o seu novo papel nos mercados globais.

Conclusão

         A resposta a este panorama só pode vir da dinâmica dos povos, não dos estados. É óbvio que esta dinâmica encontra-se, na Africa Ocidental, bastante inibida nas zonas de instabilidade, onde a capacidade das organizações populares é facilmente engolida pelo vértice da guerra e da repressão dos senhores da guerra. Já nas zonas de estabilidade e nas semicríticas as alternativas podem surgir e aí a capacidade popular pode forçar os estados a seguirem políticas de desenvolvimento no interesse das populações. Mas pouco mais longe se poderá ir na presente fase. Não por uma questão de fatalidade histórica ou de potenciação do neocolonialismo, mas porque a única forma de efectivamente combater o neocolonialismo passa por dois factores de raiz: a paz e o desenvolvimento integrado e sustentável. Só com a conquista da primeira se podem iniciar os mecanismos da segunda. E será nessa fase que existirão as condições para uma alteração de fundo das estruturas políticas da Africa Ocidental, no ensejo das aspirações populares.

         Será nessa altura que iremos assistir a uma autêntica Comunidade Democrática dos Povos da África Ocidental, em busca da realização da democracia politica, social, económica e cultural e á criação de uma geopolítica da solidariedade, em oposição absoluta ao neocolonialismo.
        
Fontes
Hugh Poulton; Power Transitions: Strategies for the 21st Century; Chatham House Publishers, 2000
Centre de Recherches pour une Critique Radicale de l’Economie; En finir avec le travail et son monde; Bulletin nr.1, Juin, 1982
Augusto Zamora; El derrumbamiento del orden mundial; Fondo Editorial CIRA, 2002
Margaret Thatcher; Statecraft: strategies for a changing world; HarperCollins, 2002
 
Geoffrey Parker; Geopolitics: past, present and future; Pinter, 1998
Joseph Nye; Il paradosso del potere americano: perché l'unica superpotenza non può più agire da sola; Einaudi, 2002
Joan Nogué i Font; Geopolitìca, identitad y globalización; Editorial Ariel, 2001
Imari Abubakari Obadele; The new international law regime and United States foreign policy: a study of de-colonization and neocolonialism; Commission for Positive Education, 1991
Políbio Valente de Almeida; Do poder do pequeno estado: enquadramento geopolítico da hierarquia das potências; ISCSP, 1990
Adriano Moreira; Condicionamentos Internacionais da Área Lusotropical; Editora Massangana, 1985

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