quinta-feira, 10 de maio de 2012

O GOVERNO INVISÍVEL




Baptista-Bastos – Diário de Notícias, opinião

A Europa não ficará rigorosamente igual, depois das eleições em França e na Grécia. O príncipe de Lampedusa, n'O Leopardo, dizia ser preciso alterar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma.

Em França, o "sistema" rotativo, usual nas democracias ocidentais, que foram feitas para ceder à "organização", a ilusão de tábua rasa permanece. A percentagem com que Hollande ganhou a Sarkozy é significativamente escassa. E a ascensão da Frente Nacional reforça a ideia de que os franceses desejam manter o maniqueísmo que faz parte da sua história. Apesar do descrédito que o "socialismo" actual arrasta consigo, um pouco por todo o lado, Hollande conseguiu escorraçar Sarkozy. A França da Revolução é, também, a França xenófoba, racista, patrioteira, com sentimentos ambivalentes em relação à Alemanha (lembremo-nos de Vichy e do colaboracionismo) e os reverentes salamaleques de Sarkozy à senhora Merkel deram azo a um mal-estar sintetizado em anedotas e em cartunes devastadores.

Esta parelha dirigiu a Europa obedecendo a uma ideologia do "governo invisível dos poderosos" [Pierre Bourdieu, Contre-Feux 2], que impôs os seus pontos de vista aos políticos e inculcou métodos de pensamento unívoco. Aqueles dois mais não têm sido do que títeres de um projecto de domínio financeiro, notoriamente totalitário. Neste caso, Hollande, apesar dos constrangimentos que o cercam, pode ser um alívio para a compressão beligerante sob a qual temos vivido.

O caso grego é mais complexo e estimulante. O povo não quer nada do que se lhe impõe, e o que se lhe impõe é, simplesmente, um acto de servidão e de subserviência. De contrário, ou vai embora do euro ou procederá a eleições sucessivas até que o resultado seja coincidente com as normas. Aqui, o desprezo pela democracia, operado pelo "governo invisível dos poderosos", chega a ser infame e obsceno.

A insistência dos gregos em lutar contra a fantasmagoria dos "mercados", que impõe implacavelmente as suas leis, abre novas perspectivas de acareamento com o modelo de sociedade que nos infundem. A "pulverização" dos votos torna possível, de facto, uma amálgama de ideologias e de doutrinas antagónicas; porém, esse caos aparente explica o descontentamento geral e justifica, talvez, o aparecimento de uma nova luz nas relações de poder.

Se a vitória de Hollande talvez descomprima, um pouco, a lógica de tensão que coexiste com a "austeridade" e com a política do quero, posso e mando, o que acontece na Grécia pode, acaso, clarificar a natureza política do projecto neoliberal. Como? Pondo em causa a perfídia doutrinária do "empobrecimento" e da inevitabilidade de passarmos a ser "democracias de superfície", mandadas do exterior por esse inquietante "governo invisível dos poderosos."

Não é o caso de Portugal?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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