João Lemos Esteves – Expresso, opinião, em Blogues
1. Há coisas em Portugal absolutamente inexplicáveis. Inexplicáveis, mas não surpreendentes. Lembram-se que escrevi aqui no POLITICOESFERA, há pouco tempo, que era quase certo que a ERC iria absolver Miguel Relvas, atendendo à composição deste órgão? Pois bem, assim dito, assim feito. Daí que a decisão preliminar da ERC tenha (para já) passado despercebida pelo cidadão comum: a comunicação social também ainda não lhe está a dar o devido destaque. Trata-se de uma decisão que envergonha a democracia portuguesa e incomoda inclusive os próprios membros do órgão que tomou a decisão. Tal incómodo transpareceu da reacção de Carlos Magno (presidente da ERC) que, ao invés de explicitar a decisão certa da ERC, remeteu qualquer explicação para o momento da divulgação da decisão final. Como cidadão (orgulhosamente) português, tenho que afirmar que esta decisão da ERC nada mais é que um frete (mais um!) a Miguel Relvas: como é possível que haja uma ameaça a uma jornalista do Público - que a própria direcção, embora tivesse tentado abafar, confirmou - e o órgão que regula a comunicação social excluí qualquer responsabilidade de Miguel Relvas! Não cabe na cabeça de ninguém, a não ser nos senhores membros da ERC! É por esta e por outras que os políticos portugueses vão passando pelo Governo, destruindo o nosso querido Portugal, delapidando os nossos recursos colectivos - e nada lhes acontece! Existe uma subserviência inaudita, chocante das entidades reguladoras - ou melhor das pessoas que compõem as ditas entidades - face ao Governo. E Miguel Relvas é um indivíduo que goza de um estatuto de impunidade absoluta em Portugal: faça o que fizer, actue como actuar, nunca é tocado. Qualquer pessoa minimamente independente, imparcial, que pense pela sua cabeça, percebe que Miguel Relvas actuou no sentido de constranger a jornalista do Público, tentando silenciá-la. É assim que Miguel Relvas vai sobrevivendo....
2. Este caso suscita a questão mais ampla de equacionar o papel e a relevância das entidades reguladoras, teoricamente independentes. No tempo de José Sócrates, a ERC basicamente limitava-se a defender o Governo, sendo Azeredo Lopes (o anterior presidente) o guarda-mor, o zelador de José Sócrates. Agora, muda-se o Governo, muda a composição da ERC - mantêm-se os seus vícios. Desta feita, Carlos Magno e Raquel Alexandra surgem como os defensores de primeira linha de Miguel Relvas! Notem que quem remeteu qualquer esclarecimento sobre as pressões de Relvas à jornalista foi o próprio Governo: alguém acredita que, caso Passos Coelho não soubesse de antemão a decisão da ERC, enviaria o caso para este órgão? Nem por sombras! Os nossos impostos estão a pagar um simulacro de entidade reguladora que faz tudo - menos regular, menos controlar. Os nossos impostos estão a pagar a incompetência mais atroz - a Autoridade da Concorrência não actua, deixando o preço do combustível ser o mais adequado à Galp e companhia; a ERC existe para defender o Governo, dando cobertura às pressões ilegítimas que os membros do executivo exercem sobre os jornalistas. Assim não! Pagar salários chorudos para defender Miguel Relvas? Então, uma medida de austeridade que se impõe - em vez de subir os impostos pagos pelos portugueses, que é uma medida que em Portugal, virou moda política - passa por extinguir a ERC! De vez!
3. Uma última nota sobre a actuação de Raquel Alexandra. É público e notório que a ex-jornalista se dá muito bem com Miguel Relvas, sendo uma amiga pessoal do Ministro (que, aliás, fez pressão para que fosse designada para a ERC). Discutiu-se muito se Raquel Alexandra se deveria abster ou não na votação sobre o escândalo de Miguel Relvas. Bom, devo dizer que Raquel Alexandra é uma pessoa superiormente inteligente, muito competente, minha colega na Faculdade de Direito de Lisboa. Eu teria actuado de forma diferente: teria pedido escusa, não votando num caso que envolve um amigo pessoal. Contudo, Raquel Alexandra tem razão num ponto: por que razão ela se iria abster quando todos os dias, muitos tomam decisões que envolvem amigos pessoais? Ora, na sua simplicidade, o argumento de Raquel Alexandra é verdade. O problema de Portugal é precisamente esse: quem toma decisões é sempre um amigo do interessado ou envolvido - o que faz com que, normalmente, seja uma má decisão ou uma decisão inconsequente. Posto isto, não se poderia exigir que Raquel Alexandra fosse a heroína cá do sítio - o problema não é Raquel Alexandra: o problema é a ERC. Porque, caso Raquel Alexandra tivesse votado a favor da condenação de Miguel Relvas ou abstido, no dia seguinte era substituída por um boy ou girl de Miguel Relvas.
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