sexta-feira, 8 de junho de 2012

ÉS CONTRA? DIZ-ME COMO




Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião

A sondagem esta semana publicada pelo DN é um ponto de viragem importante. Desfazendo a ideia do povo "amestrado" que Januário Torgal Ferreira tão bem identificou no discurso de Passos, os inquiridos, em maioria esmagadora (77%), consideram que estamos pior em todos os sectores do que estávamos há um ano e qualificam (67%) a atuação do Governo como má ou muito má.

Esta clara rejeição do programa e discurso governativos, que engloba o Presidente da República (visto como cúmplice ou inexistência) e dá nota negativa a todos os ministros, torna ainda mais urgente uma alternativa credível. Sob pena de os revoltados com a atitude, sem precedentes em Portugal (diga-se o que se disser, isto nunca tinha sucedido), dos dois partidos da coligação governamental que, uma vez no poder, fizeram o contrário de tudo o que haviam prometido em campanha, engrossarem o contingente dos desiludidos da democracia.

Não chega, obviamente, a PS, BE e PCP dizer que "este não é o caminho". Não chega fazer oposição por reflexo, como faz, por incrível que possa parecer, até o líder socialista, ao reproduzir, sem mudar uma vírgula, o discurso pré-eleitoral de PSD e PP sobre encerramentos de unidades de saúde ou escolas. Foi este tipo de infantilização do debate político que nos trouxe aonde estamos, a um Governo eleito por apresentar propostas inexequíveis e mentirosas de "cortes sem dor" enquanto vituperava todas as racionalizações da máquina do Estado (e que interessante seria recordar o que foram as votações parlamentares do PSD e do CDS durante os anos do Executivo socialista, e de como em tantos casos contradizem o discurso de que "sempre se opuseram" ao alegado "despesismo" do mesmo).

Se alguma vez houve um momento em que foram necessárias propostas sérias e estruturadas por parte da oposição, esse momento é este. Se alguma vez houve uma situação em que precisámos de um contraprograma governamental, a situação é esta. Governo sombra, antes de ser o título de um debate piadético na TSF, era uma ideia muito estimável surgida no Reino Unido e replicada em vários países da Commonwealth, consistindo na nomeação (ou até eleição, dentro dos partidos) de um governo alternativo, com "ministros" para cada área com a responsabilidade de assegurar uma política para a tutela.

Pegando nas palavras de Rui Tavares na primeira reunião pública dos subscritores do Manifesto da Esquerda Livre (ocorrida no sábado em Lisboa), já sabemos que somos "contra", agora é preciso pensar no "como". Seria a um tempo lamentável e formidável que viesse de fora dos partidos instituídos um conjunto de ideias para o país que não se resumisse a patacoadas inconsistentes e slogans sem espessura. Mas, venha de onde vier, é preciso mostrar que não é tudo igual. Que votar noutros não equivale a mais do mesmo. Que não se aposta só na "alternância democrática". Que há alternativa ao "não há alternativa". Que não deixaremos a democracia ir tão depressa por esta noite escura.

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