sexta-feira, 8 de junho de 2012

Portugal - ANTÓNIO BORGES: O DESPEDIMENTO COMO UMA OPORTUNIDADE



Daniel Oliveira – Expresso, opinião, em Blogues

Às vezes, para perceber as políticas do Estado, é útil conhecer o percurso de alguns dos que as aplicam. Raramente os que mais nos revelam alguma coisa são os atores principais. Esses apenas dão a cara por uma determinada agenda. São as figuras secundárias que mais contam.

Não, não estou a falar de Miguel Relvas. Relvas faz apenas parte da nossa deprimente elite política. Estou a falar de um homem que nem ministro é mas que tem, na aplicação do programa deste governo, um enorme poder: dirige, de facto, o processo de privatizações e a avaliação das parcerias publico-privadas.

António Borges trabalhou para a Goldman Sachs. Apesar de não se saber ao certo o que lá fazia - o que se faz naquele grupo financeiro dedicado ao tráfico de influências nunca é muito claro -, sabe-se que o grupo teve um papel preponderante na nobre tarefa de ajudar o governo grego a aldrabar as suas contas. E sabe-se que depois de ter contribuído para a crise, tratou de colocar homens seus em lugares chave. Na verdade, eles estiveram sempre nos principais centros de decisão da Europa e do euro.

Recordo o que já escrevi no "Expresso", em Novembro de 2011: Otmar Issing foi, como membro da administração do Bundesbank e do Banco Central Europeu, um dos principais arquitetos do Euro e da política monetária europeia. É um dos mais importantes conselheiros da Goldman Sachs. Peter Sutherland, ex-procurador-geral da Irlanda, foi comissário europeu para a concorrência e teve um papel central no resgate à banca irlandesa. Até colapsar e ser nacionalizado, foi diretor não executivo do Royal Bank of Scotland. É diretor não executivo da Goldman Sachs. Mario Draghi é presidente do Banco Central Europeu. Antes de regressar ao Banco de Itália foi, entre 2002 e 2005, vice-presidente da Goldman Sachs. Mario Monti é o primeiro-ministro não eleito de Itália. Foi conselheiro sénior da Goldman Sachs. O Banco Nacional da Grécia (privado) foi quem tratou, com a Goldman Sachs, da maquilhagem das contas públicas. E à sua frente estava Petros Christodoulou, que começou a sua carreira na Goldman Sachs. Dirigiu, já depois da intervenção externa, a agência governamental da dívida pública grega. E, por fim, o nosso António Borges: até há pouco tempo, era o responsável do FMI para a Europa. Agora trata das nossas privatizações. Foi vice-presidente da Goldman Sachs.

Dirão que serei injusto se considerar que homem não tem credenciais, pata além desta respeitável instituição financeira, para tratar desta empreitada. Que Borges tem currículo. Coisa que a enorme responsabilidade que lhe foi dada no Fundo Monetário Internacional prova. O bem informado correspondente do "Le Monde" em Londres, Marc Roche, não concorda. Garante que Borges foi despedido por incompetência. E, chegado a Portugal para lançar o seu livro "O Banco - Como a Goldman Sachs dirige o Mundo" (que ainda não li), manifestou a sua estupefação por ver que era este mesmo homem que estava a tratar das privatizações.

António Borges disse, a semana passada, que "a diminuição de salários não é uma política, é uma urgência, uma emergência". Afirmou mesmo que os salários portugueses, que tiveram, nos últimos dez anos, uma perda real quase permanente, aumentaram de forma brutal e irresponsável. Isto num país onde a maioria das pessoas vive com menos de 800 euros. E quando se prevê uma perda salarial acumulada, entre 2011 e 2013, de 12,3%. Sabemos porque Borges acha que a sua opinião "não é uma política", mas uma "urgência". É assim que esta gente vende a sua agenda: tudo o que defendem é inevitável e indiscutível. Mas de onde vem esta estranha ideia de que os portugueses ganham bem? E percebemos: António Borges recebeu, em 2011, 225 mil euros livres de impostos. E era incompetente para o lugar. Imaginem se fosse bom.

Se António Borges fosse ministro, como tem de ser quem realmente decide o que se vai fazer com o património público, teria muitas coisas para explicar. Primeira: o que andou a fazer numa empresa financeira que se dedica ao tráfico de influência política e que teve um papel central na crise económica internacional? Segunda: quais foram as verdadeiras razões que levaram ao seu despedimento do FMI? E porque é que, sendo mau para o FMI, há de ser bom para o Estado português. Terceira: com que autoridade alguém que teve um excelente salário (para dizer o mínimo) e dele não retirou qualquer valor para o pagamento de impostos em qualquer país, diz aos portugueses com salários miseráveis ganham demais?

Acontece que Borges não é ministro. Está por isso livre do escrutínio político, como o governo quer que estejam as privatizações. É só um homem de negócios. E está a tratar de fazê-los (ou de interferir neles, como se cheira no caso da CIMPOR) com o que a nós todos pertence. António Borges não tem culpa. Foi apenas mais um português despedido do seu emprego (não consta que tenha sido por extinção do posto de trabalho). E, seguindo o conselho de Passos Coelho, viu o seu desemprego como uma oportunidade.

Sem comentários:

Mais lidas da semana