segunda-feira, 25 de junho de 2012

MENTIRAS




António Marinho Pinto – Jornal de Notícias, opinião

A ministra da Justiça disse, em entrevista à SIC, entre outras falsidades, que nunca ninguém ouvira o bastonário da Ordem dos Advogados a exigir ao anterior Governo o pagamento da dívida dos honorários aos advogados que prestam apoio judiciário. Afirmou mesmo que o bastonário «esteve calado durante estes seis anos». Tudo isso numa estação de televisão que tem nos seus arquivos dezenas de gravações de intervenções minhas contra os dois governos de José Sócrates devido aos atrasos naqueles pagamentos. Tudo isso numa estação que transmitiu em direto os meus discursos no Supremo Tribunal de Justiça nas cerimónias de abertura do ano judicial, numa das quais até discursei sem o colar de bastonário em protesto contra esses atrasos. Tudo isso numa estação de televisão que cobriu algumas das dezenas de conferências que eu fizera pelo país e gravou várias declarações minhas em que chamava caloteiros aos governos do PS por não pagarem atempadamente o que deviam. Há, de facto, políticos para quem a mentira e os truques ardilosos da baixa política são as suas principais armas e que, por isso, perderam todo o sentido da dignidade. Vejamos.

Quando, em 8 de janeiro de 2008, tomei posse como bastonário, os honorários previstos para o apoio judiciário eram inferiores a seis euros por mês, por processo e o sistema de acesso ao direito continuava a ser escandalosamente usado para a OA dar formação e para subsidiar os advogados estagiários. Logo aí me insurgi veementemente contra essa situação e voltei a fazê-lo no discurso proferido na sessão de abertura do ano judicial desse ano. O Governo de então arrepiou caminho e foi possível, em colaboração reciprocamente leal, desenhar um novo modelo de acesso ao direito que privilegiasse os cidadãos economicamente carenciados.

Pela parte da OA, impedimos que os advogados estagiários pudessem continuar a defender, sem a presença dos seus patronos, os direitos e a liberdade das pessoas pobres e que as nomeações de advogados fossem feitas por magistrados, por polícias e por funcionários judiciais. Só a OA o poderia fazer - e passou a fazê-lo de forma aleatória (automaticamente), pondo-se, assim, cobro a toda uma teia de favoritismos e cambões instalada no seu interior. O novo modelo pôs em causa muitos interesses instalados dentro e fora da OA, em particular daqueles setores a que a atual ministra da Justiça sempre esteve ligada como advogada. Uns (quase sempre os mesmos) ganhavam dinheiro com o patrocínio oficioso e outros (pertencentes à nomenclatura da Ordem) aumentavam o seu poder com as nomeações.

Tudo isso acabou. O novo sistema, não sendo perfeito, era, contudo, muito mais transparente e, sobretudo, garantia aos cidadãos mais carenciados um acesso efetivo ao direito e aos tribunais. Havia apenas dois problemas: os atrasos nos pagamentos dos honorários e as (pequenas) fraudes de alguns (muito poucos) advogados, as quais, na esmagadora maioria, eram de duas ou três dezenas de euros. Contam-se pelos dedos das mãos as que ascendiam a centenas de euros.

Quando o atual Governo tomou posse, logo manifestei a disposição da OA para colaborar com o MJ a fim de detetar esses casos e punir exemplarmente os seus autores. Mas a ministra não queria isso. Ela queria destruir este modelo e criar um novo que funcionalizasse os advogados ou então que os avençasse, ficando o Governo e os partidos que o sustentam com o poder de escolher os avençados. Mas como o sistema funcionava bem, tentou-se fazer o que é hábito nestas situações: degradar um bom serviço público para depois o privatizar. O MJ aumentou e muito os atrasos nos pagamentos aos advogados e lançou uma gigantesca campanha de descrédito do sistema de acesso ao direito e de enxovalho dos mais de 9500 advogados que nele prestam serviço.

O resto é conhecido. Foram notícias falsas, declarações públicas tendenciosas, conferências de Imprensa sensacionalistas e agora são as mentiras mais descaradas para falsificar o que se passou, procurando apagar alguns dos factos que não interessam aos atuais epígonos triunfantes. O povo dar-lhes-á a resposta que merecem.


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