quarta-feira, 27 de junho de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

Os lacraus de Stroessner

Os antecedentes

Não foi bem uma surpresa o golpe de estado no Paraguai que interrompeu a presidência de Fernando Lugo, eleito há 4 anos. Já em Novembro de 2009 Lugo procedeu a alterações na cúpula militar perante os rumores de um possível golpe militar. Segundo parece, essa medida, não foi bem encarada pelo seu vice, Frederico Franco, que fez algum barulho sobre o assunto e demonstrou uma grande falta de solidariedade institucional, num discurso que era uma clara declaração de intenções, demonstrando a sua disponibilidade para assumir a presidência.

Em 2010 começam a surgir novos rumores, mas desta feita, de um golpe parlamentar, tipo o que aconteceu nas Honduras, quando depuseram Manuel Zelaya (recordam-se? De Zelaya e dos seus amigos cheios de boas intenções que deixaram tudo em águas de bacalhau?). Nesse ano alguns senadores do Partido Radical-Liberal Autentico (PRLA) aprovavam o golpe hondurenho, considerando-o absolutamente legal e acusando Zelaya de ser um traidor, que abandonara as hostes liberais e passara-se para as bandas do socialismo XXI. No fundo era um recado que passavam a Lugo.

Quem come com as víboras…

Lugo era um bispo defensor da Teologia da Libertação, bastante popular nos meios pobres do Paraguai. Durante o seu trabalho social formou-se a ideia de uma candidatura presidencial, a poucos meses das eleições, sem tempo para criar uma organização politica que apoiasse no parlamento as acçöes presidenciais. Decidiu formalizar um acordo com vários partidos políticos, estabelecendo uma plataforma denominada Aliança para a Mudança (APC). O principal partido politico representado nesta plataforma era o PRLA, um partido direitista tradicional no Paraguai, que aproveitou a popularidade de Lugo de duas maneiras: 1) elegeu um vice-presidente; 2) controlando os ímpetos “socialistas” de Lugo, evitando o “deslize” do Paraguai para o núcleo dos governos de esquerda e impondo alguns programas assistencialistas que mantivessem incólumes os privilégios da oligarquia, mantendo o Paraguai na órbita do imperialismo.

Desta forma Lugo encontrava a oposição abeta da direita no parlamento e encoberta no governo. Sempre que alguma medida política popular fosse tentada os seus parceiros vociferavam. Aos poucos Lugo foi abandonando as aspirações populares e tornou-se refém da direita, tentando sobreviver às ameaças de golpe.

As promessas incumpridas

Durante o primeiro ano do mandato, Fernando Lugo chamou ao estabelecimento da Assembleia Constituinte para redigir uma nova constituição, baseada nos princípios da democracia participativa. O PRLA e a direita parlamentar aprovaram de imediato um documento que proibia alterar a ordem constitucional e clamava pelo “mercado livre”. De início Lugo não assinou esse documento, mas as pressões golpistas levaram-no a assinar mais tarde, atraiçoando os sectores populares que o haviam levado á presidência.

Frustrada foi também outra promessa: a integração do Paraguai na Alba. Lugo limitou-se a ver os seus parceiros do PRLA, mais uma vez, a coligarem-se com a direita e a impedir a adesão. Em seguida foi frustrada a expulsão das bases militares yankees, o que custou a cabeça ao Ministro da Defesa, deposto pelo congresso paraguaio por ter apresentado a medida. Os projectos para um sistema público nacional de saúde e para a rede nacional de educação pública foram anulados pelo Congresso e as poucas instituições públicas existentes nesses sectores sofreram drásticos cortes orçamentais.

Baixar os impostos aos que detêm baixos rendimentos e a elaboração do projecto-lei da reforma agrária, foram promessas que ficaram na gaveta. Mas nem mesmo com todas estas cedências, traições e derrotas, Lugo evitou o golpe. Apoio popular sempre teve (o que foi um erro, considerando todas as hesitações do presidente) e a Frente Guasú (Ampla em língua guarani) sempre mobilizou as camadas populares em torno de Lugo e suficientemente poderosa e organizada para vencer as eleições legislativas e finalmente executar o programa popular e conseguir ultrapassar os jogos de poder e as ameaças golpistas da oligarquia.

A comunidade latino-americana e o golpe

Rafael Correa o presidente do Equador condenou os mecanismos ilegítimos de deposição do presidente paraguaio e referiu a gravidade desse precedente para a região. A UNASUL reuniu de urgência e enviou uma comissão ao Paraguai para obter informação e analisar a situação no terreno. A comissão é constituída pelo secretário-geral, o venezuelano Rodriguez Araque e por vários ministros de países membros deste organismo.

O primeiro comunicado da comissão, que contactou partidos políticos e autoridades legislativas paraguaias, lamentava não ter obtido resposta quanto às garantias processuais solicitadas e relembra às autoridades paraguaias que estas têm de cumprir em pleno as cláusulas democráticas da UNASUL do Mercosul e CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe). Colômbia e Chile, por sua vez, respeitam a decisão dos golpistas. Enquanto isso numa sessão extraordinária da OEA, a Venezuela, Equador, Nicarágua e Bolívia denunciaram o processo de destituição de Lugo, acusando o Congresso do Paraguai de práctica de golpe de estado. A Nicarágua, pela voz do seu embaixador Denis Moncada, pediu que a OEA não reconheça o governo saído do golpe, no que foi seguida pela Bolívia e Venezuela, que considerou inconstitucional a destituição de Lugo. O Brasil pediu a expulsão imediata do Paraguai da UNASUL.

Curuguaty

A destituição de Lugo foi um acto sumário. O senado paraguaio considera-o culpado de mau desempenho durante o exercício das suas funções e culpado pelas mortes ocorridas em Curuguaty. Mas o que aconteceu em Curuguaty?

No Paraguai as ocupações de terras são comuns. No passado dia 15 uma unidade policial em Curuguaty, a uns 400 km de Assunção, tentou desarmar camponeses que tinham ocupado terras. Produziram-se confrontos entre os camponeses e as forças policiais que terminaram com a morte de 6 polícias e 11 camponeses e 62 detenções. Foi este facto que levou o Congresso a depor Lugo, acusando-o de ser responsável pelas mortes registadas e acrescentando os congressistas mais 3 pontos: Que permitiu um acto socialista (?) num quartel militar, com bandeiras do Che; Que em Nancuday apoiou ocupações de terras e virou os camponeses contra os latifundiários e a ultima acusação, que fracassou no combate ao Exército do Povo Paraguaio (EPP). Foram estas as acusações que levaram ao golpe de estado.

A oligarquia e o anticomunismo

O anticomunismo é moeda forte no Paraguai. O ditador Stroessner gabava-se de ter feito do Paraguai o país mais anticomunista do mundo. E de facto Stroessner fez do Paraguai um nicho de lacraus, dos mais venenosos e obedientes lacaios do imperialismo. A oligarquia paraguaia é balofa, insana, insalubre como as mal cheirosas águas estagnadas dos escoamentos dos esgotos. Qualquer reforma social, por mínima que seja, activa o anticomunismo visceral da gordurosa oligarquia paraguaia. O simples cadastro das propriedades agrícolas é uma medida revolucionária que pode conduzir ao comunismo, para os mentecaptos latifundiários locais ou de origem brasileira, conhecidos por brasiguaios, que controlam as suas fazendas com espingarda automática a tiracolo.

A inconsistente política agrária (e de todas as outras politicas) de Lugo foi-lhe fatal. Neste país 2 % dos proprietários detêm 80 % das terras. Lugo não colocou em marcha nenhuma alteração séria desta estrutura e permitiu que os latifundiários aumentassem os seus domínios, como aconteceu na fazenda onde ocorreram os acontecimentos que levaram á sua destituição, propriedade de um famoso politico, ex-senador, Blas Riquelme, do Partido Colorado. Não aplicar medidas a favor dos camponeses sem terra, sem créditos, sem sementes, sem máquinas, sem estrutura de comercialização dos seus produtos, foi uma falta grave para Lugo.

E os movimentos camponeses demonstraram, apesar de todas a insatisfação pela cobardia de Lugo, uma grande consciência politica, ao marcharem contra o golpe. A Mesa Coordenadora das Organizações Camponesas, a Liga Nacional dos Camponeses, o Movimento Patriótico Popular, a Associação dos Agricultores do Alto Paraná, o País Solidário, o Tekojoja e o Partido Comunista Paraguaio, manifestaram-se em conjunto contra o golpe.

“Os empreendedores”

Aldo Zucolillo é o proprietário do diário ABC Color e dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Típico seboso, criação de Stroessner, o Aldito é também sócio de uma das grandes transnacionais do agronegócio, a CARGIL. Foi o iletrado jornal do seboso Aldo, o ABC Color (de Colorado?) que lançou uma campanha de desestabilização que fazia prever o golpe de estado, preparando o linchamento do titubeante Lugo.

O protagonismo do agronegócio neste golpe é algo de escandaloso, assim como a forma como saqueiam sistematicamente este país. Protegidas pelo Congresso, pagam valores simbólicos de taxas fiscais e impostos. Aliás ninguém paga imposto no Paraguai, só mesmo os pobres. A carga tributária no Paraguai é de apenas 13 % sobre o PIB, sendo 60% do valor dos impostos arrecadados pelo estado, proveniente do IVA. Os latifundiários não pagam impostos. Segundo o Banco Mundial o imposto imobiliário representa somente 0,04 % da carga fiscal, por aí uns 5 milhões de USD por ano, enquanto o agronegócio produz rendimentos que representam 30% do PIB, qualquer coisa como 6 mil milhões de USD por ano.

É sem dúvida uma oligarquia radical…e liberalmente autentica esta escumalha que engoliu o “anjo” Lugo.

Fontes
Aram Aharonian; Golpe de Estado con guión conocido; http://www.rebelion.org/
Gonzalo Sánchez; La UNASUR a prueba; http://protesta36.blogspot.com.es
Atilio A. Boron; La conexión del agronegócios; http://www.rebelion.org
Emilio Marín; A Fernando Lugo le dieron un golpe de Estado expréss; http://www.laarena.com.ar
Gonzalo Sánchez; Al final se consumó el golpe de estado en Paraguay; http://protesta36.blogspot.com.es
Atilio A. Boron; ¿Por qué derrocaron a Lugo? http://www.atilioboron.com.ar
Idilio Méndez Grimaldi; Los muertos de Curuguaty y el juicio político a Lugo;
Pablo Stefanoni; Paraguay: Un golpe largamente planeado; http://www.paginasiete.bo

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