Pedro Sousa Pereira, da Agência Lusa
Díli, 22 jun (Lusa) -- Timothy Mo, escritor anglo-chinês de Hong Kong que ficcionou os acontecimentos relacionados com a invasão indonésia de Timor-Leste no livro "A Redundância da Coragem" chamou a Alexandre Gusmão "X Ray" um pedreiro que acaba chefe guerrilheiro.
Hoje, Alexandre Gusmão, aliás Kay Rala Xanana Gusmão ou simplesmente Xanana Gusmão, é primeiro-ministro mas já foi Presidente da República Democrática de Timor-Leste.
Nos anos 1990 foi prisioneiro político, antes foi chefe da guerrilha e no tempo colonial português foi "operário da construção civil", altura em que o escritor de Hong Kong o "batizou" "X Ray Xaneiros".
No romance de Timothy Mo, publicado em 1991 em Inglaterra, a colónia portuguesa chama-se Danu, a parte oriental de uma meia ilha nos mares do Sul invadida pelos militares indonésios -- os malai segundo o autor.
Os episódios baseiam-se nos factos reais sendo que alguns locais como a cidade de Baucau no livro chama-se "Bacalhau" e os protagonistas -- timorenses, portugueses, indonésios ou australianos - são todos mencionados apesar dos nomes alterados: como "X Ray Xaneiros", o homem que após a morte de Nicolau Lobato, ou Osvaldo Oliveira, sucede aos destinos das forças armadas de libertação - as "FAKTINTIL".
"Ali está um homem que sempre conheceu as limitações da sua gente, que soube a medida de tudo, incluindo a sua própria", diz a páginas tantas o narrador do romance sobre Xanana Gusmão, ou "X Ray", o pedreiro que resiste nas montanhas contra o invasor indonésio durante os anos mais duros da invasão que provocou, segundo dados das Nações Unidas, mais de 200 mil mortos entre 1975 e 1999 -- um dos mais graves genocídios do século XX.
Alexandre Gusmão nasceu em 1946 em Laleia, Manatuto, entre Díli e Baucau, estudou no seminário de Dare e em 1974 adere à Fretilin.
Após a invasão indonésia segue Nicolau Lobato, o primeiro-ministro da autoproclamada República Democrática de Timor-Leste morto pelos militares indonésios em 1978.
Na década de 1980, Kay Rala Xanana Gusmão organiza a Primeira Conferência Nacional da Fretilin e é eleito líder da Resistência e Comandante-em-Chefe das Falintil.
Nas montanhas, com os comandantes Mau Honu, Mau Hodu, Konis Santana, Falur, Taur Matan Ruak entre outros, reorganiza a resistência, consegue mesmo um cessar-fogo, após as primeiras conversações com as forças de Jacarta, enquanto, ao mesmo tempo, organiza a rede clandestina nas cidades com o apoio da Igreja e o envolvimento de estudantes no interior do país e na Indonésia.
A política de unidade nacional traduz-se na criação do Conselho Nacional da Resistência Maubere e mais tarde no Conselho Nacional da Resistência Timorense, cuja sigla se mantém hoje como o partido que lidera e que faz parte da atual coligação governamental.
Antes, em contactos com o exterior denuncia ataques militares, massacres contra a população civil como se pode ler nos inúmeros documentos disponíveis para consulta no Museu da Resistência inaugurado este ano em Díli.
Xanana Gusmão acaba por ser detido em Díli em 1992, condenado a prisão perpétua e transferido para a prisão de Cipinang, nos arredores de Jacarta, onde é inicialmente apontado como um "troféu" pelos indonésios e colaboracionistas timorenses.
Já em plena "Reformasi", período de reformas políticas na Indonésia que contribuíram para o afastamento do ditador Shuarto, o prisioneiro de Cipinang é mudado para a casa prisão de Salemba, de onde viria a ser libertado em setembro de 1999, três dias após a divulgação dos resultados do referendo organizado pelas Nações Unidas que deu a vitória à independência.
O uniforme militar que utilizou durante quase duas décadas em Timor foi obrigatoriamente trocado pelo vestuário civil que passou a usar na prisão de Jacarta onde conheceu Kristy Sword, na altura uma ativista australiana envolvida na causa timorense e que o visitava com regularidade.
Escreveu poemas, pintou paisagens na prisão e quando se fala de futebol veste a camisola do Benfica. Durante os primeiros anos de libertação fotografou quase tudo o que se mexia em Timor e levava o filho mais novo para todos os eventos, mesmo para paradas militares ou comícios.
Manteve a barba e o hábito de fumar os aromáticos cigarros de cravinho indonésios e após o regresso a Díli, em 1999, as palavras de ordem, pronunciadas como gritos de guerra: "Resistir é Vencer -- Pátria ou Morte" deixaram de fazer parte da retórica política do líder timorense.
Longe vão os tempos da luta armada. Xanana Gusmão é hoje um civil, muitas vezes criticado politicamente, sobretudo pelos dirigentes da Fretilin, e que volta a concorrer ao cargo de primeiro-ministro.
Em maio, em entrevista à Lusa, Xanana Gusmão, que rejeita as críticas sobre a dependência do país em relação aos fundos do petróleo disse que se ganhar as legislativas de 07 de julho o "próximo mandato vai ser de pontes, estradas, portos e aeroportos".
São promessas nunca imaginadas por "X Ray", aliás Xanana Gusmão, um dos heróis do livro "Redundância da Coragem", sobre a vida durante a guerra, em Danu, aliás, Timor-Leste.
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