Urariano Mota*, Recife – Direto da Redação
Recife (PE) - Seis anos depois dos crimes contra os pobres em São Paulo, com mais de 600 executados, as mães das vítimas ainda esperam justiça. Vale a pena recuperar um pouco aqueles dias.
Nas fotos do terror em São Paulo de 2006, nas primeiras páginas dos jornais não aparecia um só morto. De um só bandido morto, queremos dizer. Antes, no entanto, para os mortos do bem, as fotos existiam e foram publicadas. Houve fotos dignas, o pranto e a dor de famílias, das mulheres dos soldados mortos em combate. Era natural, era justo. “Por teu endurecimento, por teu coração impenitente, acumulas contra ti um tesouro de cólera para o dia da cólera, no qual se revelará o justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas obras”, dizia o outro São Paulo, na Epístola aos Romanos.
Nos registros de 18 de maio de.2006, noticiavam-se 120 mortos do mal, do lado do mal. “A reação da polícia aos ataques está sendo adequada”, responderam em pesquisa de O Globo 80% das pessoas. Com isso declaravam também que a reação do policial quando matava bandido era justa, boa, urgente e necessária. Era uma reação ditada pela moral e abençoada por Deus. Se uma parte ruim invadia o organismo, ela deve ser jogada ao fogo. O princípio universal do contraditório, de ouvir o outro lado, ontem e hoje nos jornais do Brasil não havia.
Na gênese das primeiras páginas dos jornais de São Paulo em 2006, tudo começara como uma resposta dos líderes do PCC contra a transferência dos seus para cárceres isolados. Então os delinquentes ordenaram, e quase todos presídios se rebelaram, e os ônibus foram queimados, policiais mortos, e o maior crime, queimaram agências de bancos. Bandidos contra o patrimônio, que sendo de bancos, seria público. São Paulo parou, como raras vezes na sua história, a maior cidade da América Latina parou. Por criminosos, toda a cidade esteve dominada. Um terror conforme a lei de bandidos. Os ratos escuros, a desordem oculta subira dos esgotos da metrópole. Isso exigia uma resposta urgente do poder público. Ninguém podia viver sob o terror.
Naquele instante, a imprensa brasileira mostrou como se usam as palavras, de costas para a realidade das praças e das ruas. Os policiais mortos pelos bandidos eram “vítimas”. De fato, eram vítimas. No entanto, os mortos que não eram da polícia se chamavam “suspeitos”. Executados à bala. Na hora do pânico, com a maior das tranquilidades, eram executados suspeitos! Com esta lógica: o policial tinha que se precaver (1); ele sabia onde estavam os suspeitos (2); não havia tempo para investigações (3); fogo no suspeito (4).
Se os suspeitos não éramos nós, se os suspeitos não eram os nossos filhos, que mal havia se entre dez bandidos uns cinco fossem mortos por hipótese? Fazia parte de uma lógica ainda mais infernal: os mortos, se não eram bandidos, mais cedo ou mais tarde iriam ser. Era um trabalho profilático, de saudável e científica prevenção. E sabem por que iriam ser da turma do mal, com vírus cortado em pleno desenvolvimento? – Eram jovens e negros os suspeitos. Eram moradores dos subúrbios periféricos os mortos. Se não creem no que escrevemos até aqui, leiam o que dizia o escritor Férrez, que morava num subúrbio periférico de São Paulo, em 17.5.2006 no seu blog:
“Atenção a todos os amigos.
Apelo a todos que acompanham esse blog, que nos ajudem a dizimar o que está acontecendo.
A Polícia Militar e a Polícia Civil, afetadas com a onda de matança, estão fazendo da nossa periferia um estado pra lá de nazista, já são mais de 100 ‘suspeitos’ assassinados, e nenhum deles é PCC .
Só de colegas foram mortos 4, isso pra não contar os que estão no hospital.
Nenhum deles tinha passagem, por isso apelo para que divulguem a real de que o acordo não foi feito com o povo, o povo tá morrendo, sendo baleado pelas costas, ao entregar pizza, ao voltar para casa.
A polícia covarde treme perante o olhar do ladrão, mas mata sem dó quem está simplesmente voltando para casa.
Isso é uma vergonha, e se é o trabalho deles, tá na hora da gente fazer o nosso, reagir com cidadania, mostrando que não queremos essa matança.
LEI MARCIAL PARA POBRES INOCENTES FOI DECRETADA.
Ferréz”
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* É pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.
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