segunda-feira, 2 de julho de 2012

DEMOCRACIA NOS EUA CORRE RISCOS MAIS UMA VEZ ANTES DE ELEIÇÃO




Opinião: Por essa ponte, mais uma vez

Amy Goodman - Esquerda.net – Chicago, em Opera Mundi, com foto

Esta é uma época de eleições onde o dinheiro de alguns irá ter uma enorme influência, enquanto os votos de muitos estão a ser eliminados e as suas vozes eficazmente silenciadas.

À medida que a época das eleições nos Estados Unidos aquece, um número crescente de estados faz tudo para limitar o número de pessoas autorizadas a votar. Vergonhosamente, já temos uma baixa percentagem de eleitores que na verdade participam. A Flórida, um estado chave, prepara-se para a Convenção Nacional Republicana, cinco dias de pompa promovidos como uma celebração da democracia. Ao promoverem esta celebração, o Governador republicano da Flórida, Rick Scott, juntamente com o seu secretário de estado, Ken Detzner, estão retirando propositadamente pessoas dos cadernos eleitorais, baseados em dados enganosos e desatualizados do estado da Flórida.

Muitos eleitores da Flórida receberam recentemente uma carta dizendo que haviam sido removidos e que tinham um período de tempo limitado para fazer prova da sua cidadania. Surgiram centenas de casos de pessoas que estavam a ser eliminadas dos cadernos eleitorais e que possuíam a cidadania americana há muitos anos. De acordo com a ACLU (Sindicato das Liberdades Civis Americanas da Flórida na tradução em português), “dos apontados para provar a sua cidadania, 61% são hispânicos, quando apenas existem 14% de eleitores hispânicos registados na Flórida,” sugerindo um atentado para acabar com os latinos, cuja tendência é votarem no partido Democrático. Lembremo-nos que, no ano de 2000, a então secretária de Estado da Flórida, Katherine Harris, eliminou de forma sistemática os afro-americanos dos cadernos eleitorais. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos ordenou a Detzner que parasse com as eliminações, mas ele e o governador Scott prometem continuar. O Departamento de Justiça processou o estado num tribunal federal, tal como o fizeram a ACLU e outros grupos.

Para o Congressista da Geórgia, John Lewis, os esforços para limitar o acesso ao voto não são apenas burocráticos. “É surreal, é inacreditável que nesta altura da nossa história, quarenta anos após o projeto-lei dos direitos de voto ter sido assinado e aprovado como lei, estejamos a tentar retroceder. Eu acho que há um ataque sistemático e deliberado por parte de diversos estados, não apenas na Flórida, mas por todo o país... Algumas pessoas foram espancadas, alvejadas e assassinadas quando tentavam ajudar outras a registarem-se como eleitores. Nunca poderei esquecer os três trabalhadores dos direitos humanos que foram assassinados no estado do Mississipi na noite de 21 de Junho de 1964” disse ele, lembrando a morte de James Chaney, Andrew Goodman e Michael Schwerner, mortos enquanto registavam afro-americanos.

Em 1961, Lewis, com apenas 21 anos de idade, foi líder dos Passeios da Liberdade, testando novas leis federais para acabar com a segregação em viagens interestaduais. Ele e muitos outros foram severamente espancados quando os veículos em que seguiam atravessavam linhas estaduais até ao Sul. Sentou-se à mesa das cantinas dos segregados e juntou-se ao Comitê Não Violento de Coordenação Estudantil, passando a presidir a organização pouco tempo depois. Lewis me contou sobre um momento crucial da sua vida, e da história desta nação, a marcha sobre a Ponte Edmund Pettus.

“No dia 7 de Março de 1965, alguns de nós tentávamos marchar de Selma a Montgomery, no Alabama, a fim de mostrar à nação que as pessoas queriam votar. Um jovem afro-americano havia sido morto a tiro poucos dias antes, num condado adjacente, denominado Perry County. Devido ao que aconteceu a este jovem, tomamos a decisão de realizar esta marcha. Em Selma, Alabama, em 1965, apenas 2,1% de negros em idade de votar estavam registados como eleitores. O único lugar onde se podia tentar registar era no Palácio da Justiça, onde teriam então de passar pelo chamado teste de alfabetização”.

Lewis recorda quando ele e muitos outros tentavam atravessar a Ponte Pettus em Selma, no começo dos seus 60 kms de marcha até Montgomery: “chegados ao cimo da ponte, vimos um mar de azul, a polícia montada do estado de Alabama, e continuamos a nossa caminhada, até chegarmos a uma distância em que os conseguíamos ouvir. Um deles disse: 'Sou o major John Cloud da polícia montada do estado de Alabama, e isto é uma marcha ilegal, não tem permissão para continuar. Dou-lhes três minutos para dispersar, voltem para a vossa igreja'... Vimos então aqueles homens colocarem as suas máscaras de gás, vindo em direção a nós, batendo-nos com cassetetes e chicotes e pisando-nos com os cavalos. Fui atingido na cabeça por um soldado do estado com um cassetete. Sofri uma contusão na ponte. As minhas pernas cambalearam. Senti como se fosse morrer. Pensei ter visto a morte”.

Quando perguntei a Lewis o que o levou a seguir em frente face a tamanha violência, ele respondeu: “A minha mãe, o meu pai, os meus avós, os meus tios e tias, toda a gente ligada a mim, nunca tiveram oportunidade de se registar para votar”. O sufrágio universal, o direito ao voto, nunca é seguro, nunca é completo. Esta é uma época de eleições onde o dinheiro de alguns irá ter uma enorme influência, enquanto os votos de muitos estão a ser eliminados e as suas vozes eficazmente silenciadas.

A não ser que as pessoas lutem para expandir consideravelmente a participação dos eleitores, não apenas evitar as eliminações, a nossa democracia corre sérios riscos.

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