quarta-feira, 25 de julho de 2012

QUE SE LIXE A DEMOCRACIA




Daniel Oliveira – Expresso, opinião, em Blogues

"Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal". A frase de Pedro Passos Coelho pode até agradar a algumas pessoas. Querer ganhar eleições é visto por muitos como sinal de "eleitoralismo" e de falta de interesse pelos destinos do País. Lamento, mas é impossível estar interessado no futuro do País e, ao mesmo tempo, desprezar as eleições.

Há muitas pessoas que veem as eleições como um mal necessário. Aceitam a necessidade de legitimação formal, através do voto, do poder. Mas são incapazes de compreender porque é que a democracia é a melhor forma de governo de um País. Aceitam, na melhor das hipóteses, a superioridade moral da democracia. Recusam a sua superioridade prática.

Na realidade, e estas pessoas existem à esquerda e à direita, o seu desprezo prático pelas eleições resulta de um desprezo pelas pessoas. "O povo é estúpido", assim se resume o sentimento de quem acha que a melhor forma de defender as pessoas é estarmo-nos nas tintas para a opinião que elas têm.

Não é possível, a um político, fazer o melhor pelo seu País e estar-se a "lixar" para as eleições. Porque acho que os eleitores têm sempre razão? Não. E a prova disso é que foram poucas as vezes que votei no mesmo que a maioria. Se achasse que sim, teria de me remeter ao silêncio entre eleições, porque os governos eleitos resultam da vontade da maioria dos que se deram ao trabalho de votar. Nem a democracia se esgota em eleições, nem o voto é um cheque em branco, nem a democracia vale seja o que for se a minoria que não escolheu um governo deixar de lutar pelas suas convicções.

A importância das eleições não é meramente formal. Ela condiciona o poder. A vontade de ser reeleito, coisa vista como sinal de fraqueza, aumenta a exigência. Numa sociedade pouco politizada e pouco informada, essa exigência até pode ser pouca e por isso ser, muitas vezes, perversa. Mas a inexistência dessa vontade de corresponder à vontade dos cidadãos cria governos voluntaristas, autoritários e autistas perante a realidade. E estes governos acabam por se tornar incompetentes.

É natural que Passos Coelho, como outros que o antecederam, se esteja nas tintas para eleições. Elas são um contrato. E no contrato que o primeiro-ministro firmou com os portugueses, através do que disse em campanha eleitoral, estavam várias coisas. "Nós não podemos aumentar a receita aumentando mais impostos". "Não faz sentido pedir às pessoas e às famílias para pagarem mais a crise e ao mesmo tempo o Estado estar a atribuir em milhões de euros prémios aos gestores". "Já ouvi o primeiro-ministro dizer, infelizmente, que o PSD quer acabar com muitas coisas e também com o 13º mês, mas nós nunca falámos disso e isso é um disparate". "Não se pode ter o País a gerir a austeridade sem reformas estruturais e sem crescimento". "Tem havido sempre o mesmo esforço de tratar os portugueses à bruta e de lhes dizer: agora não há outra solução". "Acusava-nos o Partido Socialista de querermos liberalizar os despedimentos, que lata!" "Nós não olhamos para as classes que recebem mais de mil euros dizendo que aqui estão os ricos de Portugal, que paguem a crise". Estas foram algumas das coisas que Passos Coelho disse antes das últimas eleições. E elas, por o que defendem e por o que rejeitam, foram o seu compromisso para ser eleito. Será julgado, quando houver eleições, pela coerência entre o que disse o que fez.

Dizer que se está nas tintas para as eleições é dizer que se está nas tintas para este julgamento. É dizer que se está nas tintas para o compromisso que firmou com os portugueses. É, portanto, dizer que se está nas tintas para a opinião dos portugueses. Como se pode estar interessado em Portugal e nas tintas para os portugueses? Eu digo-vos como: ignorando que se governa na dependência absoluta de quem nos elegeu e julgando que o voto que nos foi confiado é incondicional. Uma espécie de autorização para fazer com o poder delegado pelo voto tudo o que se quer, incluindo o contrário do que se prometeu fazer. É por isso natural que se minta descaradamente numa campanha eleitoral. Aquilo é um momento sem importância. É ali, e não quando estamos no governo, que ganhamos o voto dos cidadãos. Depois disso, que se lixe! Quem diz "que se lixem as eleições" pode querer passar a ideia de desapego ao poder. Mas, na realidade, despreza a democracia. E quem despreza a democracia deve ser desprezado pela democracia.

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