sábado, 7 de julho de 2012

Timor-Leste: ATAÚRO, A ANTIGA ILHA PRISÃO ESQUECIDA




Isabel Marisa Serafim, da agência Lusa

Ataúro, Timor-Leste, 02 jul (Lusa) - A capital de Timor-Leste, Díli, significa uma vida melhor para quem vive em Ataúro, a ilha em frente, esquecida, sem nada, incluindo propaganda eleitoral para as legislativas do próximo sábado.

Com cerca de 10 mil habitantes, Ataúro foi ilha prisão durante a época colonial portuguesa e os indonésios deram-lhe o mesmo destino após terem ocupado Timor-Leste em 1975.

"Quando chegámos em 2004 faltava água, luz, estradas, comunicações, telefone, e muitas coisas continuam a faltar. O essencial não chegou ainda", afirma à agência Lusa o padre Luís Fornasier.

O padre italiano, que dinamiza uma série de cooperativas naquela ilha, reconhece que as coisas melhoraram um bocado com a instalação de água em algumas aldeias, com a construção de mais estradas, que "são viáveis, mesmo sem manutenção" e com a entrada dos telemóveis.

"Ataúro, em geral, continua com grandes deficiências", lamentou, salientando que luz elétrica só há a partir do final da tarde e até ao início da madrugada.

Situada a cerca de 30 quilómetros em frente de Díli, as autoridades timorenses só garantem uma ligação por semana entre Ataúro e a capital, no ferryboat Nakroma, ao sábado.

Quem quiser ir a Díli ou a Ataúro em qualquer outra altura da semana tem de alugar uma lancha ou ir nos pequenos barcos dos pescadores, como faz o padre Luís Fornasier.

Com cerca de 25 quilómetros de comprimento e nove de largura, a pesca é uma das principais atividades da população, à qual se dedicam pelo menos três mil pessoas.

"Mas em Ataúro não há peixe. Eles vão pescar à Indonésia e vender a Díli, porque lá vendem pelo dobro do preço. De resto pescam para comer", afirmou o padre.

A restante população dedica-se à monocultura do milho, que está à "mercê das chuvas".

Para o padre Luís Fornasier, em Ataúro "não há pobreza, há miséria".

"Aqui não é pobreza, é miséria, não há nada, nem, dizem eles, para comprar um sabonete", afirmou, salientando que para as pessoas que vivem em Ataúro a vida "é assim, não existe outra".

"Às vezes dizem: Cristo sofreu, nós precisamos sofrer também. Esta história foi explicada muito mal ao povo, mas são famílias que vivem com muita dignidade", acrescentou.

Com meia dúzia de automóveis, sem jornais e com poucas televisões, na ilha a informação é transmitida de viva voz.

"Não existem meios de comunicação. O povo não está informado e isso é um grande problema para o futuro desta ilha, não ter comunicação com o resto do país, com o mundo. Para eles, não existe outro mundo, não existem outras experiências, não existem outros povos com visões diferentes", afirma o padre.

Em período de campanha eleitoral para as legislativas do próximo sábado, as visitas de partidos foram poucas só os principais, nomeadamente o Conselho Nacional de Reconstrução de Timor-Leste, de Xanana Gusmão, e a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente, de Mari Alkatiri.

"Talvez Ataúro não represente uma atração para eles, porque não há muita gente. Mas os grandes partidos têm raízes aqui dentro", explica o padre.

Mas, sublinha, as pessoas em Ataúro não são politizadas.

"Não existem discussões partidárias, visões diferentes. O povo não tem essa caraterística aqui em Ataúro. E quando têm um partido tendem a esconder (...) Têm medo, porque aqui ainda não existe a cultura do confronto. Não existe a cultura de falar abertamente, apesar de visões diferentes. Cada um guarda dentro de si aquilo que é, aquilo que pensa", diz.

Para o padre, Ataúro é uma terra esquecida, porque a democracia ainda não chegou a todo o país, que ainda está estruturado com base nas pessoas, em grupos e nas famílias.

Foto: Habitantes da ilha de Ataúro, a cerca de 30 quilómetros em frente de Díli, não têm acesso ao sistema de saúde oficial sendo assistidos por enfermeiros. António Amaral

Relacionado em Página Global:

Sem comentários:

Mais lidas da semana