segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Angola: Mulheres também fazem músicas de intervenção e pedem melhorias para o país



Deutsche Welle

Medo e censura fazem com que muitas rappers parem de cantar ou não sejam conhecidas. Mesmo assim, elas ainda estão ativas na busca por uma Angola melhor.

Elas são mulheres comuns: trabalham, estudam, cuidam da casa, da família... No entanto, além da vida pessoal, elas também dedicam parte do seu tempo à luta por uma Angola melhor por meio da música. São as rappers angolanas, que se destacam por não se calarem diante dos problemas, do preconceito, da falta de liberdade de expressão. Quem acha que o movimento hip hop do país não conta com a participação das mulheres, engana-se. Mesmo que muitas não apareçam nos meios de comunicação social ou não tenham CDs gravados, isso não significa que elas estejam caladas diante da realidade do seu país. E a maioria das MCs sabe bem o que quer: uma Angola diferente, mais justa, com mais oportunidades para seus habitantes.

Por isso, elas cantam a miséria, a repressão, a política, os abusos contra a mulher... Elas querem mudanças e, para isso, desabafam e fazem reivindicações por meio da música de intervenção. E para isso não há idade. A estudante de direito Cristina Francisco Gouveia - ou como é conhecida no meio hip hop, Khris MC - tem apenas 21 anos e já sabe bem o futuro que quer para seus conterrâneos.

“Eu tenho na música a forma de expor minha opinião sobre os temas sociais, sobre o meu país. Eu vivo cá, eu sou de cá, então eu quero que as coisas melhorem, para os meus filhos viverem num país justo”, conta Khris MC.

Repressão contra a música de intervenção

Khris MC é apenas uma entre tantas outras mulheres que fazem música de intervenção em Angola. Poucas, no entanto, são conhecidas no meio musical, talvez por conta da repressão, conta a rapper. “Os temas que nós escolhemos para as músicas são mais de intervenção social, e, por isso, acho que há o bloqueio, de certa forma. Somos menos comerciais, somos mais para palavras, por isso o bloqueio, por ainda não haver tanta liberdade, ou a liberdade como deveria. Acho que é por isso que não há essa notoriedade, porque creio que há mais mulheres que fazem músicas assim, desse caráter mais interventivo, menos dançante, como também há homens”, diz.

Outra rapper que faz parte da cena hip hop há 16 anos é MC Afrodyth. Hoje, com 28anos, a educadora infantil de nome de batismo Luciana Tchiela Manuel dos Santos, lembra o motivo que a levou entrar para o mundo do rap.

“Eu acho que dentro do movimento hip hop não há discriminação, nós nos tratamos como uma única família. Quem tem pode ajudar o outro, é uma irmandade. É um mundo claro, onde a gente tem e faz, não é onde a gente fala, fala e não faz nada.”, conta.
E foi a vontade de fazer algo pela sua terra, que começou a cantar, na década de 1990. Era uma época de guerras, de fome, em que as pessoas, ao invés de irem para a escola, ficavam na esquina à espera da próxima vítima, da próxima pessoa a ser assaltada. E foi também neste período, depois de passar por um trauma pessoal, que a jovem decidiu que queria dar um novo rumo à sua vida e ajudar a mudar a história da sua nação.

“Eu vivi em uma época de guerra em minha província, no Huambo. Foram alguns meses de guerra que foram um horror. Eu vi meu tio ser morto na porta de casa, tudo porque ele era chefe de uma empresa estatal. Foi um horror mesmo... Foi morto pelo partido da oposição. E isso sinceramente marcou-me muito. E como era uma maneira da gente poder se expressar, entrei para o rap”, recorda-se a jovem.

"Mandavam a gente lavar louça, lavar roupa"

O desejo das jovens angolanas do rap é fazer com que a música chegue aos ouvidos de muitas pessoas e as façam refletir. No entanto, nem sempre isso é possível. O nome da barreira: censura. Khris MC sabe bem o que é isso.

“Dependemos muito da internet para divulgarmos nossos trabalhos, publicar os vídeos e as músicas. Tenho amigos radialistas e para que eles passem músicas minhas na rádio, eles selecionam muito, procuram escolher as de caráter social, menos interventivo. E se tem alguma palavra que, de alguma forma, é um pouquinho mais interventiva, eles dizem que não vão poder passar para não correrem riscos”, aponta a cantora.

E MC Afrodyth complementa. “Muitas das vezes, as músicas não são levadas para a televisão, para a rádio. Muitas das vezes, as músicas são cortadas, nem chegam à metade ao tocar nas rádios. Quando ouvem alguma coisa política, cortam logo.”
E não só as músicas são censuradas. Até as rappers sofrem preconceito e até são impedidas de entrar em certos locais, como lembra MC Afrodyth.

“Já fui barrada ao tentar entrar em certos sítios. Diziam ‘essa menina não pode entrar aqui’. Mandavam a gente lavar louça, lavar roupa, diziam que o rap era coisa para homem, só pelo estilo de música que eu fazia, que é o rap de intervenação social. Fui barrada mesmo. Há sítios que eu não entrei, há sítios que eu não pude frequentar... Fui barrada até em programas televisivos”, conta.

Medo de serem espancadas em manifestações

Mesmo com a repressão, elas não se deram por vencidas e continuaram a cantar músicas de protestos. Atitude que muitos não ousariam ter. Até mesmo opinar em Angola, em certas ocasiões, soa como uma ameaça, como ressalta Khris MC, numa referência às eleições gerais do país, que acontecem no dia 31 de agosto.

“Nós, o povo angolano, temos conhecimento da nossa covardia. Nós, às vezes, temos uma opinião contrária. Por exemplo: aqui eu ando nas ruas e ouço as pessoas falarem, reclamarem, mas se calhar, na hora de votar, vão tomar a decisão errada. Acreditamos que a oposição já tem ouvido o povo reclamar. O povo está farto da má distribuição de renda, dessa má governação, desse abuso do poder, dessa democracia-ditadura. Na verdade, nós aqui não conseguimos ter a liberdade que a democracia por direito nos dá. Todo mundo tem medo de falar, porque eles acreditam que vão lhes criar dificuldades na vida, no trabalho, se tiverem opiniões contrárias.”

MC Afrodyth também reconhece que as mulheres não são vistas em manifestações populares à toa. “Por um lado, se calhar, é o medo de ser espancada, porque nenhuma mulher gosta de ser espancada. Por outro lado é a covardia de não ter a coragem de enfrentar a realidade, de falar que isso deve ser assim ou assim. Então, são duas coisas que casaram-se nesse meio que é o medo e a covardia.”

A diferença entre o homem e a mulher está apenas no sexo

As dificuldades não se podem transformar em barreiras, alertam as rappers. E, por isso, elas deixam uma mensagem às jovens que se interessam pelo estilo musical e pelas palavras que podem levar o outro à reflexão, o sentimento de mudança. Khris MC deixa o seu recado e diz que, sim, é possível, para uma mulher, fazer parte do movimento hip hop.

“Não há nenhuma impossibilidade, porque entre a mulher e o homem, a diferença está no sexo. As mulheres, principalmente em África, são donas de casa, trabalham, cuidam dos filhos, da família, ainda estudam... Essas tarefas todas libertam muito a mente da mulher. Eu não vejo impossibilidade nenhuma da mulher fazer rap ou qualquer coisa que seja. As impossibilidades estão dentro de nós, na nossa mente, no nosso interior”.

Mc Afrodyth também incentiva as meninas a se tornarem mestres nas palavras musicalizadas. Mas com o pé no chão, sempre. “É possível, sim. Elas podem, sim. Mas há pessoas que não gostam de investigar. Antes as mulheres investigavam mais, liam a história, a geografia e a gente falava de tudo um pouquinho. Só que, agora, as mulheres só querem entrar no meio musical, cantar e subir logo para a fama. E as coisas não são feitas assim. É preciso a gente investigar de onde a gente veio, quem somos, para onde vamos e tudo o mais o que queremos para nós e para o futuro.”

No hip hop, não importa se a música de intervenação saia da boca de um homem ou de uma mulher angolana. O que importa é o contributo que cada um pode dar na busca por um país melhor.

Autora: Melina Mantovani - Edição: António Rocha / António Cascais

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