sábado, 25 de agosto de 2012

FALTA DE CONFIANÇA ENTRE EUROPEUS SERIA ORIGEM DA CRISE NO CONTINENTE

 

 
Estereótipos afetam credibilidade entre europeus. Dificuldades nas finanças trazem à tona preconceitos arraigados. Solução da crise é primordialmente cultural e exigirá sacrifícios, apontam especialistas.
 
A crise financeira europeia traz revelações assustadoras. Na disputa por ajudas financeiras e regulamentação de dívidas, articulam-se preconceitos e estereótipos nacionais que há muito tempo acreditava-se já estarem superados. Gregos e italianos acusam os alemães de pretensão e arrogância; estes, por sua vez, expressam restrições quanto ao estilo de vida de seus vizinhos meridionais.
 
Será que todos os alemães, gregos e italianos pensam assim? Não. Para uma parcela deles, porém, este é certamente o caso. Suas convicções se refletem nas manchetes sensacionalistas, imagens e caricaturas da imprensa marrom. E fica a impressão de que a Europa resvala para uma nova era de nacionalismo.
 
Crise de credibilidade
 
Alguns críticos apontam, sinistros: o euro possui o potencial para gerar ódios nacionais. A intenção da afirmativa pode gerar polêmica, porém revela alguns problemas fundamentais entre as nações europeias.
 
"Não temos um problema de dinheiro, nem de endividamento, temos um problema de confiança", afirma Gustav Seibt, autor de diversas obras sobre história da cultura. Há suficiente dinheiro na Europa, mas não se sabe onde investi-lo de forma segura.
 
Os credores temem não receber de volta seu capital, nas atuais condições. Por isso, é preciso restabelecer a credibilidade perdida. "Quando esse problema estiver resolvido – isto é, quando estiver claro que a regras vigoram, que são alcançáveis e realistas – então se resolverá também o problema das dívidas."
 
Europa heterogênea
 
O sociólogo e autor de best-sellers Meinhard Miegel também vê assim a questão, concordando que será necessário um longo tempo para resolver a crise de confiança. Pois, acima de tudo, para ele, trata-se de uma expressão da diversidade das formas de vida.
 
"Ainda não nos demos conta o suficiente que a Europa é um continente extremamente heterogêneo, que tivemos trajetórias históricas muito distintas. E que essas diferentes histórias e culturas se expressam também em nossa economia", explica Miegel.
 
Miguel sugere, que, por isso, cabe encarar os problemas de maneira mais profunda. Em última análise, num diálogo das culturas, um entendimento mais abrangente. Caso isto não ocorra, os esforços de harmonização econômica também não irão dar em nada.
 
"A meu ver, nossas tentativas de resolver esses problemas através da equiparação econômica não terão sucesso enquanto tivermos essas diferentes culturas. Aí, tenho que imediatamente acrescentar: fico feliz que tenhamos essas diferentes culturas!", disse o sociólogo.
 
Contudo, como implementar compreensão cultural? No fundo, a Europa está no bom caminho há muito tempo, segundo Gustav Seibt. "Naturalmente, a coisa tem que passar por símbolos, por experiências comuns, como, por exemplo, viajar. Um intercâmbio no mercado de trabalho entre profissionais formados também ajudaria – por exemplo, entre técnicos que alternassem estágios em diferentes países e constatassem que isso é possível; que também podem se radicar em outros locais, sem, com isto, esquecer suas origens."
 
Adeus aos padrões usuais
 
No entanto, todos os europeus têm um hábito em comum: eles vivem acima de suas possibilidades. Também os Estados se endividam por ter que financiar um padrão de vida que está além de seus meios. Da Segunda Guerra Mundial até hoje, difundiu-se na Europa uma mentalidade de exigência que é impossível de continuar se financiando dessa forma.
 
O sociólogo Miegel calcula que, se os alemães quiserem ter suas dívidas sob controle, terão que baixar seu padrão de vida até 40% do nível atual, retornando àquilo de que dispunham na década de 1960. Em outros países europeus, a situação é semelhante.
 
Tal façanha de renúncia subentende grande disposição para o sacrifício e a certeza de ser capaz de mantê-lo. "O desafio, sobretudo cultural e político, consiste em que, nessa mudança, quando as pessoas não mais puderem ter aquilo a que estão acostumadas, elas não se desesperem e digam: 'Não, estas são mudanças que somos capazes de suportar'", observa Miegel.
 
Redefinir normalidade
 
Também desse ponto de vista, a crise financeira é uma crise cultural, pois ela impõe aos europeus o desafio de desenvolver um novo senso de normalidade. Miegel tem certeza: a crise de endividamento forçará os europeus a deixar de encarar como indiscutível o seu atual nível de conforto.
 
A sociedade do futuro viverá em condições mais modestas. Para os europeus, isso significa se reprogramar – sem perder a segurança íntima. Eles precisarão reconhecer que a sociedade também funciona sob as novas condições, insiste o sociólogo.
 
"Nossos sistemas sociais funcionam, somos capazes de desempenhar uma ocupação, tudo o que construímos no passado funciona – mesmo que sob condições básicas bem diversas."
 
Durante meio século, os europeus gozaram de prosperidade constantemente crescente, a qual agora esbarra em seus limites. Agora são necessárias estratégias culturais que deem um sentido às mudanças e às novas circunstâncias.
 
Autor: Kersten Knipp (av) - Revisão: Marcio Pessôa
 

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