sexta-feira, 24 de agosto de 2012

PASSOS COELHO FECHA A RTP

 


Paulo Gaião – Expresso, opinião, em Blogues
 
De repente o Estado pode ficar sem nenhum canal de televisão. A RTP 2 é fechada e a RTP 1 deve ficar nas mãos de um concessionário privado, ainda que com um contrato de serviço público para cumprir.
 
É uma solução que agradará, certamente à SIC e à TVI. Recusa-se a venda de uma licença televisiva e a existência de um quarto canal. O bolo publicitário deixa de ser repartido por mais um operador. O negócio televisivo mantém-se, assim, bastante atractivo. Com menos concorrentes. E não devem faltar os grupos interessados na concessão da RTP.
 
Passos Coelho e Miguel Relvas devem achar que António Borges descobriu a pólvora. Apaziguam a guerra com os operadores privados existentes, livram-se do fardo financeiro da RTP e ainda deverão manter "direitos políticos" sobre o novo espaço concessionado.
 
Do ponto de vista do interesse estratégico nacional, a concessão da RTP a privados, para estes fazerem um "novo" terceiro canal comercial é uma solução que demonstra a ausência de ideias de Passos Coelho sobre o papel da televisão do Estado. De uma novíssima televisão do Estado.
 
A crise podia ser uma oportunidade para criar um modelo verdadeiramente alternativo de televisão estatal, barato, sem publicidade, com novos modelos de financiamento, editorialmente independente dos governos (o que exigiria uma nova responsabilidade política), ousado do ponto de vista informativo, abordando temas e questões alternativas, dando voz aos cidadãos e à sociedade civil de uma maneira mais livre e criativa. Poderia ser uma televisão que os portugueses não se importariam de pagar (até porque não seria cara).
 
Poderia ser um balão de oxigénio para a democracia. Fazendo respirar o quarto poder. E com ele o país. O facto de as televisões estarem todas a repetir os mesmos modelos, as mesmas notícias, os mesmos alinhamentos, as mesmas interpretações dos acontecimentos não é saudável para um regime bloqueado em todas as frentes que precisava de uma brecha...
 
Mas um governo que tanto gosta de falar em inovação e empreendedorismo recusou-se a agir criativamente numa área estratégica como a televisivão e entrega a RTP aos privados.
 
Hoje é do fecho da RTP que se trata. E as armas de luta da televisão pública não são muitas para combater esta realidade. A RTP foi vitíma ano após ano de pretensas estratégias dos vários governos que se limitaram a aplicar à estação receitas comerciais para atenuar o sorvedouro de dinheiro público. A televisão pública repetiu tudo o que os privados faziam. O mesmo entretenimento, a mesma luta pelos espaços publicitários, os mesmos salários dourados. Nunca houve um murro na mesa e um volte-face.
 
Nunca nenhum governante pensou que a RTP podia tentar ser a pequena alavanca da regeneração do regime. Uma televisão que revolucionasse a cidadania. No fundo, a velha RTP foi o espelho da crise dos partidos e do regime que a dominou até hoje, um espelho da crise que hoje vivemos, travestido de esplendor comercial que só aproveitou a alguns, na velha 5 de Outubro ou na Marechal Gomes da Costa, à custa do erário público, e dessa ideia mitíca de serviço público que foi na verdade quase sempre um mostruário de interesses e jogos políticos televisionados. Que deverão passar a ter "tempo de antena" no novo espaço concessionado. Quem sabe se em horário nobre. O regime não deverá perder a sua televisãozinha. O país, esse, perde o direito a ter uma novissima televisão estatal.
 

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