Manuel Tavares – Jornal de Notícias, opinião
A privatização da RTP está a ocupar um espaço extra nos meios de Comunicação Social por três motivos: por interesses dos grupos de Comunicação Social, dos jornalistas e dos partidos. Tanto interesse junto só pode resultar numa coligação negativa e irrelevante para os mais de dois milhões de portugueses no limiar da pobreza e os mais de um milhão sem emprego.
Em primeiro lugar, há que dar os parabéns a quem traçou a estratégia de fazer coincidir a entrevista de António Borges a Judite de Sousa na TVI, o canal televisivo de maior audiência, com a divulgação pública do buracão de 2,8 mil milhões na receita de impostos. Um número que inviabiliza o cumprimento da meta de 4,5 % de défice, acordada com a troika, além do mais em circunstâncias que não admitem mais sacrifícios aos sacrificados que têm estado mais à mão do sistema fiscal: seja quem paga IRS, modalidade em que o Estado conseguiu arrecadar nada menos de 236 milhões de euros suplementares, sejam os funcionários públicos, com quem poupou quase mil milhões de euros.
É neste quadro que se percebe melhor as duas faces das posições expressas pelo Senhor Privatizações: a de que não é necessária mais austeridade - pudera!?!?! - e, por isso mesmo, da necessidade de o Estado se desfazer de todos os custos possíveis para tentar equilibrar o Orçamento.
Nessa linha de pensamento, em que a dívida pública e os termos da sua redenção não são postos em causa [a menos que a troika se condoa...], a RTP não poderia ficar de fora. Para além de ilógico, tenderia a tornar-se imoral, uma vez que o Estado tem pago faturas [indemnizações compensatórias] pelo serviço de televisão que ultrapassam as pagas por outros serviços tanto ou mais de interesse público como são os transportes de Lisboa e Porto somados.
Se a discussão sobre quanto é que os portugueses estão dispostos a pagar para terem um serviço público de televisão e em que moldes já estava inquinada pela facto de os partidos, em particular o PSD e o PS, terem um património nada recomendável em matéria crucial como deveria ser a isenção e o pluralismo da informação - por terem enxameado as Redações com os seus "boys" e "girls" - o insuportável tempo de austeridade em que vivemos só acrescenta dificuldades.
À falta de uma boa solução evidente - ou seja: isenta, plural e barata - , o país real não vai preocupar-se com a RTP tanto quanto esta repentina mediatização sugere. Para o país real, a RTP é o retrato da hipocrisia com que os partidos discutem os serviços públicos. Agora, apenas atualizada pela inultrapassável impossibilidade de o Estado continuar a ter nas suas contas um custo anual na casa dos 240 milhões fora os cheques pagos pelo serviço da dívida, o último dos quais de 344,5 milhões, já neste ano.
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