quarta-feira, 5 de setembro de 2012

ELEIÇÕES EM ANGOLA 2012 – I

 
Martinho Júnior, Luanda
 
ANOTAMENTO SOBRE ALGUNS ASPECTOS GERAIS
 
1 – A “democracia representativa” em Angola acaba de perfazer mais uma etapa, dez anos depois do calar das armas e depois de transformações operadas no estado, nas instituições existentes (do estado e de toda a sociedade), na economia, nas finanças, no sistema jurídico, na Lei Constitucional…
 
Estas eleições por outro lado, tendo em conta as transformações humanas, demográficas e sócio-políticas, estão a fornecer indicadores de vária ordem sobre as alterações a que a sociedade angolana está a ser sujeita:
 
- Uns que se podem considerar inequívocos – Angola está a ser conduzida para uma lógica capitalista, tirando partido duma economia assente na exploração do petróleo, agora também do gás e de minérios, com evidência maior para os diamantes; os níveis de infra estruturas e estruturas recuperadas superam já os níveis dos últimos anos de colonialismo; a administração pública, a educação e a saúde possuem estruturas e equipamentos que nunca houveram em Angola, restando no entanto muito por fazer em termos humanos, de superação ética, profissional, organizacional, prevenção, conhecimento e alargamento de sistemas, a fim de diminuir os padrões crónicos de subdesenvolvimento que se arrastam do passado histórico, por vezes agravados com a profunda desestabilização que “somalizou” na última década do século XX praticamente todo o país.
 
- Outros mais controversos – uma vez que Angola assiste ao despertar da sua sociedade, uma sociedade onde os jovens predominam e que, em função da estratificação social que se foi formando, está a ficar em “ponto de rebuçado” para as transformações que atingem o tecido humano, com reflexos culturais, sócio-políticos, psicológicos e como é evidente nos partidos, nas suas aptidões, nos seus assentamentos e capacidades de mobilização; as transformações sociais em curso, sob impacto antropológico intensivo, constituem desafios para os partidos que ou se adaptam e respondem às expectativas, ou deixam de ser sentidos como referência, mesmo aqueles que tenham longa história e estejam implantados há várias décadas.
 
2 – Estas eleições vieram confirmar uma regra: a vontade dos angolanos apostarem-se na paz e na democracia, expressa pela forma como todos se comportaram antes, durante e imediatamente a seguir aos actos de dia 31 de Agosto, até ao momento que escrevo.
 
Há um aumento considerável de abstenção e de voto em branco em relação a 2008, por uma multiplicidade de razões:
 
Em relação às abstenções (3.759.837), por exemplo, entre outras coisas pesou o facto técnico de que, aqueles que por qualquer razão se afastaram das mesas eleitorais que haviam optado para votar desde 2011, terem sido impedidos de o fazer, conforme ao que a CNE decidiu em todo o território nacional: havia que respeitar os cadernos eleitorais disponíveis para cada mesa, identificando um a um os eleitores!
 
Houve portanto mais exigência, mais rigor, mais celeridade, mais idoneidade e mais disciplina no acto do voto!
 
A abstenção corresponde a um partido que ficaria em 2º lugar, com mais de três vezes os votantes favoráveis à UNITA!
 
A abstenção atingiu cerca de 38% do censo, pelo que terão votado apenas 62% dos inscritos no censo, o que está muito distante dos números similares de 2008.
 
O MPLA perfez 4.054.109 votos, a abstenção foi de 3.759.837 e a UNITA perfez 1.055.592 votos: essas categorias de votos foram as que activa e passivamente se expressaram acima do milhão!
 
Em relação ao voto em branco (211.127), à revelia duma melhor definição da própria identidade nacional, parece-me que revelam a expressão dum maior desencanto em relação às políticas que foram seguidas pelo estado sob orientação do MPLA durante pelo menos os quatro últimos anos, tendo em conta as opções tomadas e os reflexos da textura cultural, sócio-política-económia e psicológica.
 
A Província com a menor percentagem de voto em branco foi Luanda, com 1,26% e a que teve uma maior percentagem foi Malange, com 6.05%!
 
Das Províncias com maior percentagem de voto em branco (acima da média nacional), que são 10, 6 fazem parte do grupo que não tem contactos fronteiriços e onde a malha política-administrativa é mais densa!
 
O número equivaleria a um partido que se situaria no 4º lugar com 3,52%, praticamente colado ao CASA-CE!
 
Há muitos angolanos que aparentemente não se deixaram convencer por nenhum dos partidos concorrentes, nem por seus programas ou ausência deles!
 
3 – Sob o ponto de vista de preparação dos actos de registo com formação dos cadernos eleitorais e disciplina do voto, bem como na absorção de métodos e tecnologias para os actos, o Ministério da Administração do Território e a Comissão Nacional Eleitoral tiveram significativos avanços que se podem considerar de complementares, exemplares e com possibilidades de serem confirmados por todos os observadores e em outras acções próximas.
 
Os dados a que me vou reportar são ainda provisórios e recolhidos com base nos relatórios apresentados dia 4 de Setembro de 2012, pelas 09H48, quando já estavam escrutinadas 97,37 % de mesas e o censo escrutinado era de 97,81 %.
 
Chamo ainda a atenção para o ponto 2 e 3 do que escrevi e foi publicado a 30 de Agosto de 2012 (“Demografia, identidade nacional, assimetrias e eleições” – http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/08/angola-demografia-identidade-nacional.html):
 
… São 8 as Províncias sem contacto com as fronteiras, onde se concentram 13.278.063 habitantes (cerca de 70% da população) e 10 as Províncias fronteiriças, com 5.298.507 habitantes (cerca de 30% da população)”.
 
Esta questão prende-se com a formação, em razão inversa, da identidade nacional e das assimetrias em todo o espaço nacional, tendo em consideração a inter-acção população-espaço físico-geográfico.
 
Prende-se ainda quer com a formação e evolução dos etno-nacionalismos, conforme é o caso “resistente e residual” da FNLA, quer com a formação e evolução de partidos que buscam o federalismo tirando partido de implantação étnica-regional, aglutinando franjas económicas específicas da população em relação à área dos diamantes, como é o caso do PRS – Partido de Renovação Social.
 
4 – Os observadores angolanos e internacionais presentes foram expressivos na ênfase que deram a todos os actos.
 
Foram praticamente unânimes nas considerações e nos louvores, o que não invalida a legitimidade das reclamações que possam haver por parte dos partidos.
 
Essa unanimidade não se pode considerar apenas uma forma simpática de referência, pois muitos deles procuram detalhar e ilustrar com “amostras” e exemplos de toda a ordem.
 
Julgo que muitos terão vivido com curiosidade e um certo entusiasmo, para além do zelo profissional que implementaram nas suas actividades em prol da observação das eleições.
 
O processo foi não só de aprendizagem para Angola, mas também para a região e mesmo para África.
 
5 – Os Partidos concorrentes poderiam preparar melhor os seus Programas de acção, aquilo a que se propunham fazer para o quinquénio que se segue, à excepção do MPLA.
 
As eleições referem-se a compromissos, responsabilidades e alguns optaram por critérios mais aferidos a emoções, repescando os descontentamentos de algumas franjas da população, em especial de jovens, que por vezes têm até sido induzidos à provocação, à semelhança do que acontece em várias partes do mundo.
 
Há tendências que preferem alinhar-se a esse tipo de opções e aos interesses de inteligência das potências, particularmente dos Estados Unidos, como se verificou desde 2010 com as “primaveras árabes”
 
Os Partidos precisam de fazer um trabalho mais maduro e pedagógico, mais aferido ao comportamento da população nos actos eleitorais.
 
6 – Sob o ponto de vista das acções relativas à realização do censo populacional e habitacional de 2013, os ganhos tecnológicos e os conhecimentos adquiridos com as experiências prévias e dos actos eleitorais fazem-me prever que Angola conseguirá atingir muitos dos objectivos a que se propõe alcançar a fim de conseguir um exaustivo inventário da situação, que é indispensável para o delineamento de geo estratégias e programas do futuro.
 
As operações de transporte e logística que se implicam tiveram agora um excelente ensaio para esse efeito, algo que não se pode perder.
 
Estas eleições foram também um ensaio e antecâmara, sob os aspectos logísticos, de transporte, técnico, tecnológico e organizacional, das eleições para as autarquias que deverão ocorrer em 2014!
 
Os aperfeiçoamentos multi-sectoriais estão em curso, pelo que as eleições de 2017 vão confirmar avanços muito significativos dos processos, ao nível do melhor que se pode alcançar em África, com cada vez mais possibilidades de abertura à cidadania e à participação, inclusive no âmbito da tomada de decisões, pelo menos a nível local!
 
Gravura: Mapa de Angola
 
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