segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Moçambique: UMA POPULAÇÃO DESAMPARADA

 


Hélder XavierVerdade (mz) em Tema de Fundo
 
À mercê da chuva que não cai desde o mês de Março, centenas de famílias são castigadas pela fome, a pior das últimas décadas. Aliada a esta situação está a falta de água potável e de emprego, que deixa a população à beira do desespero. Essa realidade tem sido uma constante nos últimos anos em Muxúnguè. Nem o facto de ter um grande potencial na produção de ananás e ser atravessado pela Estrada Nacional número 1 faz daquele posto administrativo do distrito de Chibabava, em Sofala, um local que proporciona uma boa qualidade de vida à comunidade local.
 
À porta da sua residência, Elisa Fernando, cuja idade desconhece, ajeita a capulana para levar nos braços a sua filha de dois anos de vida que chora insistentemente por motivos desconhecidos pela progenitora. “Talvez seja por falta de comida ou de água”, supõe.
 
Ela vive com o seu marido, três filhos e dois sobrinhos numa pequena habitação de construção precária no primeiro bairro do posto administrativo de Muxúnguè, no distrito de Chibabava, província de Sofala.
 
A casa só ganha essa designação devido às paredes de barro e cobertura de capim. No interior, a debilidade das condições não deixa ninguém indiferente. À excepção de alguns utensílios de cozinha e roupa pendurada na parede, a divisão está vazia. As panelas espalhadas pelo chão denunciam um problema provocado pela falta de chuva.
 
Diga-se, em abono da verdade, que a falta de chuva já começa a deixar a família preocupada e sob constante ameaça de não ter o que comer nos próximos dias. Há vários meses, o pequeno pedaço de terra de Elisa não recebe precipitação suficiente que dê para o cultivo.
 
Apesar de não se lembrar da data do seu nascimento, ela recorda-se da última vez que choveu em Muxúnguè. “Foi no princípio do ano passado e Março do ano em curso, desde então nunca mais vimos sequer uma gota cair nestas terras”, conta. Para sobreviver, a família foi obrigada a dedicar-se à comercialização de amêndoa da castanha de caju na via pública.
 
Mas antes, o esposo de Elisa foi à procura de emprego nas proximidades do posto. Sem experiência de trabalho fora de uma machamba, ele bateu diversas portas, mas sem sucesso, até porque trabalhar a terra é a única actividade que faz com esmero. Depois de três meses, obteve um biscate. Lavrou um espaço de aproximadamente dois hectares e ganhou 300 meticais, tendo retirado 200 para iniciar o negócio da amêndoa da castanha de caju e com o remanescente adquiriu uma lata de milho para alimentar a família.
 
Sentada rigidamente no chão, Elisa descasca as castanhas assadas para retirar a amêndoa. As mãos sujas revelam o esforço hercúleo de uma família que vive na insegurança alimentar. “Adquirimos duas latas a 200 meticais e esperamos obter pelo menos 500 meticais”, diz com os olhos fixos na pedra que usa para descascar a castanha de caju.
 
A fome já começa a castigar a família de Elisa. Nos últimos meses, os membros daquele agregado familiar comem muito menos do que necessitam para sobreviver. Ninguém sabe ainda ao certo quando a situação vai mudar. Mas tudo indica que pode piorar, pois não há sinais e, muito menos, previsão de que a chuva venha a cair nos próximos dias.
 
Embora reconheçam a situação, as autoridades locais preferem não dramatizar. “A actual situação do posto é razoável”, considera Páscoa António Mambara, chefe do posto administrativo de Muxúnguè, e acrescenta: “Este ano temos o problema da fome, uma vez que a chuva não cai desde Março”.
 
A família de Elisa é a regra, não a excepção na luta pelo sustento. É, diga-se de passagem, difícil de calcular o sofrimento dessa população que depende exclusivamente da agricultura para sobreviver.
 
Um ciclo vicioso
 
Em Muxúnguè, a fome não é apenas previsível, também observa um ciclo regular, ou seja, a situação acontece todas as vezes que a chuva não cai. Com uma população estimada em 64,039 habitantes distribuídos por quatro localidades, aquele posto administrativo orgulha-se de gerar diversas culturas, com destaque para a mapira e o milho, porém, é mais conhecido por um outro motivo: é um grande produtor de ananás. Devido a essa capacidade, a cada ano que passa está a ganhar maior projecção a nível da província de Sofala em particular, e no país em geral.
 
Na campanha passada, Muxungué produziu mais de 20 toneladas de ananás. A falta de mercado continua a ser a principal dor de cabeça dos agricultores. Aliadas a essa situação estão as precárias condições em que se encontram as estradas que têm vindo a dificultar o escoamento. São os pequenos compradores que salvam a produção, adquirindo a fruta para comercializar ao longo da Estrada Nacional número 1 e noutros pontos do distrito de Chibabava.
 
A falta da chuva afectou o cultivo do ananás, incluindo as plantas resistentes à seca. Mas a de milho foi a mais prejudicada neste ano. A perda é difícil de calcular, entretanto, os efeitos fizeram-se sentir na vida de Elisa e de outras centenas de moradores daquele posto administrativo que presentemente procuram alternativas para ganhar o sustento diário. Quem conseguiu obter algo, por pouco que seja, da sua horta pode dar-se por feliz.
 
Por azar, há pessoas que perderam quase tudo e somente com um golpe de sorte poderão sobreviver à fome. A família de Elisa teve a sua pequena machamba destruída. À espera da chuva que não cai desde Março, eles não tiveram outra alternativa senão consumir o milho que havia sido guardado para lançar à terra na próxima época. “Neste ano perdemos quase tudo devido à falta de chuva e vimo-nos obrigados a recorrer ao celeiro”, afirma.
 
Falta água e emprego
 
A falta de chuva não está apenas a comprometer a produção em Muxúnguè como também está a deixar preocupada a população no que respeita à água para o consumo. O acesso ao precioso líquido ainda é um problema sério, apesar de a população, segundo a chefe do posto, já não percorrer longas distâncias.
 
O posto administrativo não dispõe de mais de 10 furos, razão pela qual é comum ver muitas pessoas nesses locais à espera da sua vez para obter o preciso líquido. Na maioria dos casos regressa à casa com o recipiente de 25 litros vazio, uma vez que é frequente não jorrar dos poucos fontenários que existem.
 
Todos os dias, sobretudo durante as manhãs e no fim da tarde, o cenário é este: dezenas de homens, mulheres e crianças circulam pelo posto com diversos recipientes à procura de água potável. Uns a pé e outros de bicicleta. É, na verdade, um martírio que perdura há vários anos. “A situação já esteve péssima, presentemente o governo da província criou condições para a população usufruir de água”, afirma Páscoa Mambara.
 
Ao contrário de água potável que existe mas não é suficiente, o mesmo não se pode dizer em relação aos postos de trabalhos. Não há emprego em Muxúnguè. Nem no comércio informal ao longo da N1 nem nas instituições públicas e/ou do Estado. Para sobreviver, as pessoas são obrigados a migrar para a sede do distrito de Chibabava, principalmente para a cidade da Beira. Grande parte da população dedica-se à agricultura exclusivamente de subsistência.
 
Joaquim Maguiça, de 27 anos de idade, reclama que, apesar de Muxúnguè ser um importante interposto do distrito de Chibabava, não lhe é dada a devida atenção. O resultado disso manifesta-se no facto de que a população continua a minguar. A informação segundo a qual será instalada uma fábrica de processamento de ananás naquela região agrícola está a deixar os moradores animados, pois há perspectivas de a unidade fabril vir a gerar diversos postos de trabalho para os jovens.
 
Há vários meses tem vindo a ser avançada essa possibilidade. Porém, sem adiantar uma provável data, a chefe daquele posto administrativo afirma que já estão criadas todas as condições necessárias para a implantação da fábrica naquele ponto do país, faltando apenas alguns procedimentos burocráticos.
 
“Brevemente teremos a fábrica e será uma mais-valia para o nosso posto, uma vez que vai criar postos de trabalho e os agricultores terão a quem vender a sua produção. Só assim Muxúnguè poderá explorar as suas potencialidades na produção de ananás e impor-se como uma região potencialmente agrícola”, diz.
 
Um crescimento aparente
 
Há pouco mais 10 anos, o posto administrativo de Muxúnguè não dispunha de energia eléctrica, fontes de água e serviços básicos de saúde. Presentemente, a sorte é outra. Aquele pequeno povoado, constituído por quatro localidades, está a crescer. O desenvolvimento é impulsionado pela electricidade e também pelo facto de ser atravessado pela N1.
 
É naquela estrada principal onde a vida económica local ganha fôlego. As pousadas, as pequenas lojas, as barracas, o mercado, entre outros, encontram-se nessa via pública. “Já temos energia de Cahora Bassa desde 2009, e é graças a isso que está a desenvolver”, diz Mambara.
 
Mas ainda há muito por ser feito. A título de exemplo, o posto não dispõe de uma única instituição bancária sequer. A população e os agentes económicos têm de percorrer longas distâncias para depositarem o seu dinheiro. Porém, os mais prejudicados são os professores, os funcionários da saúde e os polícias que são obrigados a efectuar uma viagem de mais de 350 quilómetros até a cidade da Beira para levantar o salário. Todos os meses, eles abandonam os seus respectivos postos de trabalho para ir consultar o saldo da sua conta bancária.
 
Grande parte viaja apenas com o dinheiro para a passagem de ida, correndo o risco de não regressar porque o ordenado ainda não entrou na conta bancária. Há relatos de professores que tiveram de vender os seus próprios telemóveis para poderem voltar para Muxúngue, uma vez que não dispõem de parentes na capital provincial de Sofala.
 
Reduzem os casos de criminalidade
 
Antigamente, a nível do distrito de Chibabava, Muxungué era conhecido por “terra de homens de catana” devido aos inúmeros casos de criminalidade em que os malfeitores usavam aquele tipo de arma branca para conseguir os seus intentos. Presentemente, já não há um registo regular desses crimes.
 
O consumo excessivo de bebidas alcoólicas, principalmente produzidas com base no caju, é que estava na origem do alto índice de criminalidade naquele posto administrativo. Presentemente, os casos mais frequentes têm a ver com furtos de cabritos e ananás nas machambas.
 

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