Diário de Notícias, editorial
A vaga de indignação não para de crescer e desaguará nas ruas das cidades deste país nos próximos dias e semanas. Ela atravessa todo o espectro político-partidário e exprime-se em depoimentos de uma invulgar veemência e unanimidade na condenação do experimentalismo social, que enforma as medidas de austeridade reforçada anunciadas para o OE 2013. Da ala cavaquista do PSD que, porventura, veicula as opiniões do Presidente, às críticas de figuras do CDS-PP consentidas pelo silêncio do seu líder e também ministro adjunto Paulo Portas, multiplicam-se os apelos oriundos do campo da maioria política, que sustenta a governação do País, para que corrija erros, arrepie caminho e reabra o diálogo social, que, de momento, parece estar morto e enterrado.
Neste contexto, ganha peso acrescido tudo aquilo que vier a ser decidido pela direção do PS, o maior partido da oposição. Subscritor do memorando de entendimento, sancionado pelo eleitorado nas últimas eleições legislativas por ter conduzido as contas do Estado até à beira do precipício da bancarrota, os socialistas têm procurado - mesmo à custa de proclamadas "abstenções violentas" - não descolar do sentido geral da política de ajustamento do Executivo. Ao fim de cinco sucessivos retoques a esse memorando de entendimento inicial, acordados entre o Governo PSD/CDS-PP e a troika, António José Seguro, interpretando a dimensão da referida vaga de indignação (que estranhamente já une patrões e sindicatos, direita e esquerda) que se formou, anunciou o rompimento do seu apoio à concretização do programa de assistência económica e financeira segundo as orientações do Governo de centro-direita.
Se nada de fundamental for alterado até à apresentação do OE 2013, Portugal perde o ativo crucial, objeto da maior admiração por todos os parceiros internacionais, do consenso político e social, que manteve durante ano e meio. Além do voto contra por parte do PS, é preciso esperar para perceber o que farão as bancadas da coligação - a do PSD, instigada por Manuela Ferreira Leite, e a do CDS-PP - para ter a garantia de que o Orçamento é aprovado. Mas mesmo sendo-o, o Governo sofrerá o desgaste repetido de sucessivas moções de censura, apoiadas pelos protestos de rua e - até - por ações não violentas de resistência cívica.
Os levantamentos populares espontâneos têm sido visíveis (desde o da restauração à porta da AR à contestação direta a ministros como Vítor Gaspar ou Assunção Cristas, até ao próprio PM ontem em S. Bento) e alastram pelo País, veremos com que dimensão no protesto convocado para este sábado através da Internet. Se o movimento - a que a declaração de Mário Soares, a lamentar a indisponibilidade para estar presente, deu novo fôlego - retratar a onda de descontentamento transversal a que assistimos, confirmará que os protestos virtuais estão a passar para a rua.
Na entrevista ontem à RTP, Passos Coelho, admitindo apenas pequenas cedências, insistiu nas medidas e até admitiu mais austeridade (incluindo a subida de IRS). Essa intransigência, somada à posição dura de Seguro e ao silêncio do CDS-PP, mostram que o País político está em estado de sítio. O País real parece seguir o mesmo caminho.
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