Fernando Santos - Jornal de Notícias, opinião
De cócoras perante
as apertadas (e naturais) exigências dos credores, o País vive tempos de
angústia e de turbulência política e social. Decisões canhestras e movimentos
sequenciais de apunhalamento de princípios transformaram-se no caldo ideal para
a efervescência da rua e o "abocanhamento" do Governo de coligação,
agora sob tutela.
A austeridade,
tendo tanto de mal explicada como de ausência de critérios de justiça -
contraditórios com o lado facilitista de ir sempre aos bolsos dos mesmos -
instituiu um clima de desespero e de indefinição de objetivos compreensíveis. O
País vive, por estes dias, em estado de choque, cuja tendência é para o
agravamento. Já só se espera o pior do pior....
É legítima a
concentração do foco nas projeções de um Orçamento de Estado talhado para maior
empobrecimento e fissura entre classes sociais. Já substituir uma natural
preocupação e capacidade crítica por obsessão pura e simples é imprudente - e
vale a pena desconfiar se tal não serve interesses estratégicos inconfessados.
Exemplo de como os
portugueses não se devem comportar: a não reivindicação de transparência e
aperto do escrutínio dos processos de privatização em curso.
À míngua de
alternativas ou por puras questões de cariz ideológico, o País está a
desfazer-se de ativos fundamentais. Em período de vacas magras, o Estado
alienou as suas posições na EDP e na REN. Alguns milhares de milhões colocaram
alguns olhos em bico de forma pouco compreensível. Raros ousam questionar as
alíneas contratuais dos negócios. Champanhe! Champanhe, foi tudo quanto ficou à
vista de todos.
Os processos de
privatização têm, entretanto, novas etapas em marcha - e se contém matizes
diferenciadoras, por não ser possível comparar a venda da TAP com a da ANA, ou
a dos CTT e de parte das Águas de Portugal, há algo comum a todas: escassez de
informação de processos cuja transparência deixa imenso a desejar e permite
levantar suspeitas de conluios de que não se livram "advisers",
escritórios de advogados e o poderio e influência imensa de um ministro virtual
- logo não legitimado - António Borges, o senhor privatizações.
Dá-se de barato que
o País está condenado a desfazer-se de ativos, alguns vendidos ao desbarato;
mas é incompreensível tal suceder sem um crivo de exigência pública para que
tais negócios se não processem de forma opaca.
A crise é uma boa
razão para o Povo estar concentrado no combate e na reversão de decisões que
lhe vão diretamente aos bolsos. Será, porém, avisado reservar-se um espaço para
a exigência e a pressão sobre os decisores de venda de património do Estado. E
até é de desconfiar se não há uma estratégia para focar os idadãos numa linha
de combate enquanto se fecham negócios noutra barricada.
Às vezes, o que
parece acessório é o essencial.
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