quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Portugal: POVO ENFIADO NUMA SÓ BARRICADA

 

Fernando Santos - Jornal de Notícias, opinião
 
De cócoras perante as apertadas (e naturais) exigências dos credores, o País vive tempos de angústia e de turbulência política e social. Decisões canhestras e movimentos sequenciais de apunhalamento de princípios transformaram-se no caldo ideal para a efervescência da rua e o "abocanhamento" do Governo de coligação, agora sob tutela.
 
A austeridade, tendo tanto de mal explicada como de ausência de critérios de justiça - contraditórios com o lado facilitista de ir sempre aos bolsos dos mesmos - instituiu um clima de desespero e de indefinição de objetivos compreensíveis. O País vive, por estes dias, em estado de choque, cuja tendência é para o agravamento. Já só se espera o pior do pior....
 
É legítima a concentração do foco nas projeções de um Orçamento de Estado talhado para maior empobrecimento e fissura entre classes sociais. Já substituir uma natural preocupação e capacidade crítica por obsessão pura e simples é imprudente - e vale a pena desconfiar se tal não serve interesses estratégicos inconfessados.
 
Exemplo de como os portugueses não se devem comportar: a não reivindicação de transparência e aperto do escrutínio dos processos de privatização em curso.
 
À míngua de alternativas ou por puras questões de cariz ideológico, o País está a desfazer-se de ativos fundamentais. Em período de vacas magras, o Estado alienou as suas posições na EDP e na REN. Alguns milhares de milhões colocaram alguns olhos em bico de forma pouco compreensível. Raros ousam questionar as alíneas contratuais dos negócios. Champanhe! Champanhe, foi tudo quanto ficou à vista de todos.
 
Os processos de privatização têm, entretanto, novas etapas em marcha - e se contém matizes diferenciadoras, por não ser possível comparar a venda da TAP com a da ANA, ou a dos CTT e de parte das Águas de Portugal, há algo comum a todas: escassez de informação de processos cuja transparência deixa imenso a desejar e permite levantar suspeitas de conluios de que não se livram "advisers", escritórios de advogados e o poderio e influência imensa de um ministro virtual - logo não legitimado - António Borges, o senhor privatizações.
 
Dá-se de barato que o País está condenado a desfazer-se de ativos, alguns vendidos ao desbarato; mas é incompreensível tal suceder sem um crivo de exigência pública para que tais negócios se não processem de forma opaca.
 
A crise é uma boa razão para o Povo estar concentrado no combate e na reversão de decisões que lhe vão diretamente aos bolsos. Será, porém, avisado reservar-se um espaço para a exigência e a pressão sobre os decisores de venda de património do Estado. E até é de desconfiar se não há uma estratégia para focar os idadãos numa linha de combate enquanto se fecham negócios noutra barricada.
 
Às vezes, o que parece acessório é o essencial.
 

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