quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A INJUSTIÇA TRIBUTÁRIA NO BRASIL

 


Odilon Guedes - de São Paulo – Correio do Brasil
 
Segundo os últimos dados do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) veiculados pela imprensa, a América Latina é a região mais desigual do planeta e o Brasil está em quarto lugar de desigualdade da região. Só a Guatemala, Honduras e Colômbia estão numa situação pior que a nossa. Isto deveria causar uma imensa vergonha em todos nós, brasileiros.
 
Além de termos essa imensa desigualdade, temos outro problema gravíssimo e pouco conhecido – a vergonhosa carga tributária que também é, das mais injustas do planeta. A questão “de onde vêm os tributos e para as mãos de quem eles vão parar” – assume enorme importância.
 
Dados do IPEA de 2008 são ilustrativos a esse respeito e, como até hoje, não houve nenhuma mudança substantiva na estrutura tributária brasileira, a situação continua a mesma. Neste estudo, as pessoas cuja renda familiar alcançava até dois salários mínimos comprometiam 53,9% de seus ganhos com o pagamento de tributos. Já as famílias cuja renda era superior a 30 salários mínimos, comprometiam cerca de 29,0%. Outro dado de destaque indica que um trabalhador que ganhava até dois salários mínimos precisava trabalhar 197 dias para pagar os tributos, enquanto outro, que ganhava mais de 30 salários mínimos, trabalhava 106 dias.
 
Essa situação ocorre porque cerca de 50% da carga tributária é indireta, isto é, incide sobre o consumo atingindo a todos: pobres, remediados, classe média, ricos e milionários da mesma forma. Um cidadão que ganha mil reais por mês, ao colocar cem reais de gasolina no seu carro está pagando 53% de tributos isto é R$ 53,00. Outro cidadão, que ganha cinquenta mil reais por mês ao colocar cem reais de gasolina, vai pagar os mesmos R$ 53,00 de tributos. Essa mesma distorção acontece no pagamento da conta de luz, na compra do arroz, feijão, etc. É uma injustiça humilhante para os trabalhadores das camadas mais pobres da nossa população.
 
Neste quadro, é importante fazer algumas comparações internacionais. Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a nossa carga tributária sobre consumo é cerca de 200% maior que a dos Estados Unidos e 50% maior que a dos países da OCDE. Por outro lado, sobre a propriedade, a média da carga tributária da OCDE é o dobro da nossa e a dos Estados Unidos supera em três vezes a brasileira. Portanto, nos países capitalistas desenvolvidos há mais justiça tributária do que no Brasil.
 
Um exemplo ilustrativo dessa disparidade pode-se observar na Inglaterra, onde o imposto sobre a herança é cobrado há mais de 300 anos. Quando morreu a princesa Diana, em 1997, os jornais noticiaram que o fisco inglês cobrou sobre sua herança o imposto de US$ 15 milhões, metade dos US$ 30 milhões deixados para seus filhos. Nesse país, a taxação é apoiada até mesmo pelos conservadores. Segundo matéria da revista Veja, publicada em setembro de 2007, o primeiro-ministro inglês Winston Churchil, que conduziu a Inglaterra na luta contra os nazistas, costumava dizer que o imposto sobre a herança era infalível para evitar a proliferação de “ricos indolentes”.
 
No Brasil, esse imposto é definido pelo artigo 155 da Constituição Federal, no qual consta que a responsabilidade pelo estabelecimento dos percentuais cobrados é dos estados. No Estado de São Paulo, por exemplo, a alíquota é de 4%.
 
Podemos buscar também outros exemplos para observarmos distorções na tributação brasileira. O Imposto Territorial Rural (ITR) arrecadado em todo o território nacional durante todo o ano de 2010 foi de R$ 524 milhões, segundo dados do Ministério da Fazenda. Esse valor foi menor do que dois meses de arrecadação do IPTU da cidade de São Paulo no ano de 2010 que, em média foi de R$ 333 milhões por mês, segundo dados da prefeitura paulistana. Essa disparidade entre as arrecadações significa um escândalo porque o agronegócio e os latifundiários, na prática, não pagam tributos sobre a propriedade.
 
Por outro lado, analisando as despesas do governo veremos que acontece justamente o contrário e, isso fica evidente na comparação dos pagamentos destinados ao programa Bolsa Família e os destinados aos juros da dívida interna.
 
Em 2011, com o programa Bolsa Família para atender a 13.330.714 famílias, o governo gastou 0,4% do PIB e no pagamento de juros gastou 5,72%. Naquele ano o PIB brasileiro foi cerca de R$ 4,4 trilhões, portanto para atender mais de 13 milhões de famílias, o governo despendeu R$ 17,6 bilhões.
 
Em relação ao pagamento de juros, vamos lançar mão do estudo “Os Ricos no Brasil” do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Esse estudo informa que há cerca de 20 mil clãs familiares (grupos composto por 50 membros de uma mesma família) que se apropriam de 70% dos juros que o governo paga aos detentores de títulos da dívida pública.
 
Como em 2011, o pagamento de juros foi R$ 236,0 bilhões, isso significou que 70% desse valor – R$ 165,2 bilhões – foram parar na mão desses 20 mil clãs familiares.
 
A conclusão mostra dados inacreditáveis! Em 2011, cada família do programa Bolsa Família recebeu cerca de R$ 1.320 e cada família pertencente a esse grupo “de 20 mil clãs” recebeu de juros R$ 8.260.000 em média. A diferença é mais de 6 mil vezes.
 
A conclusão é óbvia – a população pobre paga proporcionalmente muito mais impostos que a dos milionários. O governo arrecada esses recursos e, em vez de os destinar para a construção de creches, escolas, hospitais, pagamento de professores, saneamento básico, destina-os diretamente para as mãos de uma minoria de aplicadores do mercado financeiro que compram iates, helicópteros, fazendas e mansões. É inacreditável!
 
O que nos preocupa nesse contexto é que, a maioria dos setores preocupados com as injustiças de nossa sociedade ignora solenemente essa situação. Neste quadro é necessário promover um amplo debate envolvendo esses temas para que possamos caminhar em direção a justiça social em nosso país.
 
* Odilon Guedes é economista, Mestre em Economia pela PUC/SP, professor universitário e membro do Conselho Regional de Economia/SP. Foi presidente do Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo, Vereador e Sub-Prefeito na cidade de São Paulo.
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana