quarta-feira, 24 de outubro de 2012

AS CRISES EM DOIS CONTINENTE E O INVERNO DO DESCONTENTAMENTO

 


Benjamin Formigo – Jornal de Angola, opinião

Dentro de cerca de três semanas os Estados Unidos terão o seu Presidente eleito, Obama ou Romney, só mesmo os americanos irão notar a diferença, se alguma houver. Contudo, na cena internacional essa eleição poderá fazer alguma diferença, pois estará na Casa Branca ou um Presidente que já não poderá ser reeleito ou um em início de primeiro mandato e que quer ser reeleito daqui a quatro anos.

Nem Obama nem Romney têm verdadeiramente uma solução para a economia americana. Ambos apresentam medidas cosméticas para reduzir o desemprego, ter um crescimento positivo (mesmo baixo) e reduzir o défice.

Na Europa a situação ainda se torna mais complicada. Gostemos ou não hoje, ainda são os americanos e os europeus quem, por decisão ou omissão, influenciam os acontecimentos globais. Assim, se alguém tem ilusões de que o último conselho europeu, introduzindo mecanismos de fiscalização bancária, prevendo um orçamento comunitário através de um mecanismo fiscal sobre as transacções financeiras, permitindo o financiamento directo pelo BCE, veio resolver a crise, desengane-se.

Londres já disse que não a tudo, o Luxemburgo fica de fora e apenas os restantes países da zona euro parecem dispostos a aceitar. Nas ruas, cresce a contestação. Mais: nas ruas a contestação ameaça tornar-se horizontal e dentro de uma semana veremos o sucesso da contestação ibérica, e se esta se estendeu realmente ao nível europeu, como os sindicatos pretendem.

O exercício de governar, mesmo eleito, começa a tornar-se complicado. No Médio Oriente, a situação não está para melhorar. A notícia de sábado de que o Irão estaria na disposição de entrar em negociações sobre o seu programa nuclear, a confirmar-se, pode mesmo ser a única boa notícia deste último trimestre de 2012. Teerão pode, de facto, tirar vantagens políticas, diplomáticas e económicas num processo de conversações se do outro lado da mesa houver abertura à coexistência com um regime islâmico, mesmo que fundamentalista. As conversações, porém, nem serão simples nem rápidas, e estarão severamente condicionadas pelas exigências dos dois lados, sendo que um deles será dominado pelos interesses de Israel e dos Estados Unidos.

Dias antes das notícias da disponibilidade negocial iraniana, veiculadas pela imprensa americana – e não desmentidas pelo Irão – acentuava-se a crise fronteiriça entre a Síria e a Turquia. Desde o início de Outubro que as escaramuças se multiplicam ao longo da fronteira. A semana que passou trouxe a lume o incremento da participação de Washington, para já através da partilha de informação e o debate de bastidores entre americanos e turcos sobre a eventualidade de a crise fronteiriça escalar, eventualmente, ao nível do conflito regional. O debate irá continuar durante esta semana, com os militares americanos preparando planos de contingência, segundo o “Washington Post”, e envolverá responsáveis da OTAN, organização de que a Turquia faz parte. A Administração Obama tem estado a ser pressionada pelo campo republicano, e alguns dos seus amigos árabes, a uma intervenção na Síria. Washington tem reagido de forma dúbia, apoiando os rebeldes sírios e fornecendo informações à Turquia, ao mesmo tempo que apela ao diálogo.

Ancara recebeu de Washington o apoio político que pretendia, com o reconhecimento pelos americanos do direito à autodefesa, previsto na Carta das Nações Unidas. Todavia, esse reconhecimento não será possível no Conselho de Segurança, onde Rússia e China farão uso do seu direito de veto. Não mais uma intervenção adaptada da Líbia, com a França e a Grã-Bretanha em apoio da Turquia, na imposição de uma zona de interdição aérea, enquanto os restantes países da OTAN se manteriam à margem. Hollande não é Sarkozy e a França manter-se-á, provavelmente, fora, o que dificultaria a posição de David Cameron.

Como se não bastasse a situação em si mesma, os turcos, com base em informações americanas, interceptaram e fizeram aterrar um avião comercial sírio oriundo de Moscovo. A bordo, segundo foi revelado, estavam componentes electrónicos para o sistema de mísseis terra-ar sírio, de fabrico russo. A confusão arrastou inevitavelmente Moscovo para o terreno. Se o ambiente entre a Rússia e os EUA não era o melhor, apesar das declarações “off the record” de Obama a Medvedev, este incidente em nada contribui para as melhorar. Por arrastamento, as relações euro-russas também não são as melhores. Ao abrirem a Caixa de Pandora das “primaveras árabes”, americanos e europeus deviam esperar a actual sucessão de acontecimentos, mas se acreditarmos que as grandes diplomacias cometeram erros de avaliação (o que não seria a primeira vez), temos perante os nossos olhos um descontentamento crescente que não se pode comprar, até porque não há dinheiro.

O descontentamento no Norte de África e Médio Oriente está para ficar, ao mesmo tempo que nos EUA o emprego tem de surgir, e sucederá mais facilmente que na Europa, enquanto no Velho Continente o descontentamento tende a crescer, sobretudo num período como o Inverno, em que as contas de energia sobem e não há dinheiro nem empregos. As consequências vão muito além dos dois continentes e resumem-se brevemente.

Antigamente, dizia-se que quando os Estados Unidos se constipavam o Mundo contraia uma pneumonia. Sendo a Europa uma economia tão poderosa, mesmo em crise, uma constipação dos dois lados do Atlântico tem consequências que estamos longe de conhecer.

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