Blog página2, em Desacato
Vou começar falando
do Joseph Campbell, mas chego no Zé Dirceu. Ao comparar a
história de criação de múltiplas culturas ao redor do mundo, Campbell
depara-se, em sua fantástica obra “As Máscaras de Deus”, com duas aparentes
verdades: mesmo com as religiões se transformando, as pessoas tendem a se
apegar aos mitos ou entender o mito, como a explicação de algo que não pode ser
explicado pela linguagem comum. O mito seria o excesso de linguagem.
Campbell trouxe
também à discussão o papel do sacrifício no mito, que representa a necessidade
do renascimento simbólico e da renovação.
Como é de
conhecimento do mundo imaterial, a direita não tem estratégia. Não pensa em
longo prazo. Não junta lé com cré. Ao pensar o julgamento do mensalão até
agosto, fatiá-lo e refatiá-lo para que chegasse à semana das eleições com a
condenação do réu mais famoso, a mídia e a direita fizeram uma única conta. A
conta que Jorge Borhaunsen fez em 2006: ficaremos 20 anos sem essa raça (de
petista).
Mas a conta não
batia.
Já no domingo à
noite era possível ouvir perguntas ecoarem. O que deu errado? A população é
burra e não percebeu que o PT é o partido da corrupção? Que tudo num governo do
PT é pensando para roubar e enganar?
Pelos números, a
resposta é um retumbante não. Então o que deu errado?
Ninguém calculou
que, ao condenar figuras históricas do partido, estariam dando salvoconduto aos
novos personagens da esquerda. Para usar uma figura mitológica, estariam
lavando o novo PT com sangue de sacrifício, limpando-o dos pecados.
Como todo o mito,
esse não está escrito. Exacerbou-se de tal maneira a linguagem, que o que
sobrou pode ter sido entendido como ritual de renascimento simbólico e da
renovação.
Se apostasse na
absolvição de todos os réus, a retórica de impunidade poderia durar por anos. Com
um julgamento duro, quase um sacrifício, o resto do PT que sobreviveu sem
mácula à sua imagem ressurge como renovado.
Afinal, denúncias
de corrupção são conhecidas desde o Brasil colônia. Em mais de 500 anos de
história, só o PT foi julgado e punido.
Foto: Zeus – Rei
dos deuses na mitologia grega.
1 comentário:
CLÓVIS ROSSI
A mídia internacional, no noticiário ontem publicado sobre a condenação de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares pelo Supremo Tribunal Federal, desnuda por completo a tese da conspiração golpista, esgrimida pelos hidrófobos do lulo-petismo.
Tome-se, por exemplo, o texto de Juan Arias para "El País" (jornalista e jornal que jamais hostilizaram os governos Lula e Dilma): "O que mais se estranhou na condenação de Dirceu (...) é que tenha sido consumada por um tribunal no qual, dos 11 magistrados, oito foram designados por Lula e pela atual presidenta, Dilma Rousseff".
Acrescento que tanto o procurador que fez a denúncia inicial como o atual, Roberto Gurgel, foram igualmente designados por Lula.
"Não se trata, pois, de uma condenação levada a cabo a partir das fileiras da oposição, mas de magistrados amigos todos de Lula", conclui Arias.
Desmascara completamente a teoria da conspiração golpista que blogueiros, a mídia e intelectuais chapa-branca inventaram safadamente. Era a maneira calhorda que acharam de, apanhados com a mão no bolso alheio, gritar "pega ladrão" para desviar a atenção.
Não funcionou. Para Arias, o que funcionou foi "catarse de tipo ético levada a cabo internamente por simpatizantes do partido condenado".
Catarse que, de certa forma, faz o ator Odilon Wagner, petista de toda a vida, para quem o julgamento foi "exemplar". E lamentou: "Um partido que realizou avanços sociais impressionantes não precisava disso [do mensalão]". Catarse que faz também o governador gaúcho Tarso Genro, igualmente petista de toda a vida, que disse a Lisandra Paraguassu, do "Estadão": "Que tem pessoas que cometeram ilegalidades, não tenho dúvida. Seria debochar da Justiça do país e do processo dos inquéritos achar que todo mundo é inocente".
Ao contrário de debochar, a mídia internacional de qualidade louva o Judiciário brasileiro. Do "Financial Times", por exemplo: "A condenação de Dirceu é um grande passo para o Brasil, onde as cortes têm sido tradicionalmente tímidas em punir corrupção".
De Simon Romero, o excelente correspondente do "New York Times": "O fato de que o julgamento está avançando até a fase de atingir congressistas, membros do partido governante e funcionários graduados que trabalharam diretamente sob um dos presidentes mais populares aponta para um raro avanço em 'accountability' política e uma marca crucial de independência do sistema legal". "Accountability" não tem tradução precisa nem em português nem em espanhol. A mais próxima é "prestação de contas", mas fica aquém da força em inglês.
Não sou entusiasta da teoria, muito disseminada, de que o julgamento do mensalão mudou o Brasil. Quando da campanha das "Diretas Já", parecia também que o país levara uma baita sacudida, só para que, quando as diretas de fato chegassem, quatro anos depois, a maioria votasse em Fernando Collor de Mello, um baita retrocesso. Veremos agora se, pós-mensalão, a impunidade será de fato desterrada.
crossi@uol.com.br
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