quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Brasil: O JULGAMENTO DO MENSALÃO E O MITO DO SACRIFÍCIO

 

Blog página2, em Desacato
 
Vou começar falando do Joseph Campbell, mas chego no Zé Dirceu. Ao comparar a história de criação de múltiplas culturas ao redor do mundo, Campbell depara-se, em sua fantástica obra “As Máscaras de Deus”, com duas aparentes verdades: mesmo com as religiões se transformando, as pessoas tendem a se apegar aos mitos ou entender o mito, como a explicação de algo que não pode ser explicado pela linguagem comum. O mito seria o excesso de linguagem.
 
Campbell trouxe também à discussão o papel do sacrifício no mito, que representa a necessidade do renascimento simbólico e da renovação.
 
Como é de conhecimento do mundo imaterial, a direita não tem estratégia. Não pensa em longo prazo. Não junta lé com cré. Ao pensar o julgamento do mensalão até agosto, fatiá-lo e refatiá-lo para que chegasse à semana das eleições com a condenação do réu mais famoso, a mídia e a direita fizeram uma única conta. A conta que Jorge Borhaunsen fez em 2006: ficaremos 20 anos sem essa raça (de petista).
 
Mas a conta não batia.
 
Já no domingo à noite era possível ouvir perguntas ecoarem. O que deu errado? A população é burra e não percebeu que o PT é o partido da corrupção? Que tudo num governo do PT é pensando para roubar e enganar?
 
Pelos números, a resposta é um retumbante não. Então o que deu errado?
 
Ninguém calculou que, ao condenar figuras históricas do partido, estariam dando salvoconduto aos novos personagens da esquerda. Para usar uma figura mitológica, estariam lavando o novo PT com sangue de sacrifício, limpando-o dos pecados.
 
Como todo o mito, esse não está escrito. Exacerbou-se de tal maneira a linguagem, que o que sobrou pode ter sido entendido como ritual de renascimento simbólico e da renovação.
 
Se apostasse na absolvição de todos os réus, a retórica de impunidade poderia durar por anos. Com um julgamento duro, quase um sacrifício, o resto do PT que sobreviveu sem mácula à sua imagem ressurge como renovado.
 
Afinal, denúncias de corrupção são conhecidas desde o Brasil colônia. Em mais de 500 anos de história, só o PT foi julgado e punido.
 
Foto: Zeus – Rei dos deuses na mitologia grega.
 

1 comentário:

Anónimo disse...

CLÓVIS ROSSI

A mídia internacional, no noticiário ontem publicado sobre a condenação de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares pelo Supremo Tribunal Federal, desnuda por completo a tese da conspiração golpista, esgrimida pelos hidrófobos do lulo-petismo.

Tome-se, por exemplo, o texto de Juan Arias para "El País" (jornalista e jornal que jamais hostilizaram os governos Lula e Dilma): "O que mais se estranhou na condenação de Dirceu (...) é que tenha sido consumada por um tribunal no qual, dos 11 magistrados, oito foram designados por Lula e pela atual presidenta, Dilma Rousseff".

Acrescento que tanto o procurador que fez a denúncia inicial como o atual, Roberto Gurgel, foram igualmente designados por Lula.

"Não se trata, pois, de uma condenação levada a cabo a partir das fileiras da oposição, mas de magistrados amigos todos de Lula", conclui Arias.

Desmascara completamente a teoria da conspiração golpista que blogueiros, a mídia e intelectuais chapa-branca inventaram safadamente. Era a maneira calhorda que acharam de, apanhados com a mão no bolso alheio, gritar "pega ladrão" para desviar a atenção.

Não funcionou. Para Arias, o que funcionou foi "catarse de tipo ético levada a cabo internamente por simpatizantes do partido condenado".

Catarse que, de certa forma, faz o ator Odilon Wagner, petista de toda a vida, para quem o julgamento foi "exemplar". E lamentou: "Um partido que realizou avanços sociais impressionantes não precisava disso [do mensalão]". Catarse que faz também o governador gaúcho Tarso Genro, igualmente petista de toda a vida, que disse a Lisandra Paraguassu, do "Estadão": "Que tem pessoas que cometeram ilegalidades, não tenho dúvida. Seria debochar da Justiça do país e do processo dos inquéritos achar que todo mundo é inocente".

Ao contrário de debochar, a mídia internacional de qualidade louva o Judiciário brasileiro. Do "Financial Times", por exemplo: "A condenação de Dirceu é um grande passo para o Brasil, onde as cortes têm sido tradicionalmente tímidas em punir corrupção".

De Simon Romero, o excelente correspondente do "New York Times": "O fato de que o julgamento está avançando até a fase de atingir congressistas, membros do partido governante e funcionários graduados que trabalharam diretamente sob um dos presidentes mais populares aponta para um raro avanço em 'accountability' política e uma marca crucial de independência do sistema legal". "Accountability" não tem tradução precisa nem em português nem em espanhol. A mais próxima é "prestação de contas", mas fica aquém da força em inglês.

Não sou entusiasta da teoria, muito disseminada, de que o julgamento do mensalão mudou o Brasil. Quando da campanha das "Diretas Já", parecia também que o país levara uma baita sacudida, só para que, quando as diretas de fato chegassem, quatro anos depois, a maioria votasse em Fernando Collor de Mello, um baita retrocesso. Veremos agora se, pós-mensalão, a impunidade será de fato desterrada.

crossi@uol.com.br

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