El País,
Madrid – Presseurop – imagem Ferran
Martín / la informacion.com
A detenção do
"padrinho" da máfia chinesa em Espanha, em meados de outubro,
levantou o véu sobre as práticas ilegais no seio dessa comunidade e reflete o
poder, a complexidade e a coesão internacional dos grupos criminosos chineses.
Por certo que nem
nos seus piores pesadelos a comunidade chinesa em Espanha teria imaginado um
acontecimento tão negativo para a sua imagem como a operação
"Cheqian-Emperador". Para um grupo que faz da discrição um elemento
fundamental do seu modo de vida – e um dos seus pontos fortes –, a informação
que chegou à opinião pública não podia ser pior: histórias rocambolescas sobre
como os grupos criminosos defraudaram o Tesouro espanhol em €35 mil milhões, violência
exercida pelo clã do cabecilha Gao Ping para atos de extorsão, corrupção e
negócios ligados à prostituição e à venda de droga.
Embora não se deva
tomar a parte pelo todo e não se deva julgar por igual todos os 170 mil
chineses que vivem no nosso país, a expansão dos negócios chineses em Espanha e
noutras regiões do planeta apresenta componentes que convidam pelo menos à
reflexão.
Como todo o
emigrante, o chinês emigra sem outro fim que não seja o desejo de lucro. Mas
este processo migratório, de evolução vertiginosa em países como a França, a
Itália ou a Espanha, não foi acompanhado por uma integração social completa,
limitando-se em demasiados casos ao contacto económico e comercial. E foi
precisamente esta falta de integração e ligação às sociedades de acolhimento –
expressa, em termos urbanísticos, através do conceito de bairro chinês – que
contribuiu para criar "Estados dentro do Estado", segundo as palavras
de vários comissários, numa espécie de extraterritorialidade chinesa, na qual a
justiça ou as condições laborais, por exemplo, seguem padrões marcados pela comunidade
e não pelo Estado.
A operação
"Cheqian-Emperador" pôs a claro uma teia de lavagem de dinheiro e de
evasão fiscal de proporções gigantescas. Das operações policiais dos últimos
anos contra o tráfico de pessoas, a exploração laboral e a fraude fiscal
destacam-se dois elementos. O primeiro é a extensão das redes criminosas
intrachinesas no nosso território, que se organizam em forma de pirâmide e
proliferam paralelamente em vários setores. O setor de importação-exportação é
o único evocado por agora na operação em curso, mas provavelmente as
reverberações também afetam outros setores tradicionais dos imigrantes chineses
(restauração, venda a retalho de têxteis, consultoria administrativa,
imobiliárias, bares).
Mobilidade e
organização excecionais
O sistema – que investigámos
igualmente noutros países – funciona mais ou menos assim: o empresário chinês
"importa" mão de obra ilegal, através das suas redes e "cabeças
de serpente" e explora essa mão de obra durante anos, nos seus negócios
(restaurantes, oficinas, lojas), até ficar completo o pagamento da dívida. A
precariedade e as condições de vida e laborais impostas a esses trabalhadores
são, por vezes, brutais. Depois de ter pago a dívida por ter sido levado até à
terra prometida, o novo imigrante tem de pagar posteriormente a legalização e a
obtenção de papéis (na qual intervêm, como que por artes de magia, as
consultoras administrativas chinesas controladas ou participadas pelos mesmos
barões).
Por último, o
imigrante contrai uma derradeira dívida com a rede, sob a forma de crédito
informal para poder montar o seu próprio negócio e, desse modo, passar de
explorado a explorador. Sugada a margem da venda de uma sopa ou da camisola
interior acabada de confecionar, o novo empresário tem de resolver habilmente o
problema do pagamento, e recorre a trazer mais imigrantes através do seu
negócio, aos quais endivida e explora. Se os setores tradicionais já estiverem
muito saturados por outros chineses, quem não tiver medo nem escrúpulos explora
setores completamente ilegais, como a prostituição, o jogo e o tráfico de
droga.
O segundo elemento
que torna esta trama ainda mais complexa é a internacionalização de algumas
redes que, no seu lugar de origem, estão curiosamente muito concentradas. No
caso da Europa, a maioria dos imigrantes chineses provêm de Zhejiang, onde fica
a região de Qingtian, epicentro da emigração para Espanha e Itália, que se
desenvolveu aceleradamente graças às remessas.
Estes emigrantes,
que chegaram primeiro à Holanda e a França e posteriormente à área do Mediterrâneo,
apresentam uma mobilidade e uma organização excecionais. Vão para onde há
trabalho ou negócios, para onde se possa ganhar bastante dinheiro, para se
reformarem cedo e regressarem à China, para onde seja mais fácil repatriar o
dinheiro a custo fiscal zero.
A Espanha, que foi
um dos últimos países da Europa Ocidental a receber imigrantes chineses,
deveria olhar para os seus vizinhos para evitar males maiores, fomentar a
integração e evitar situações como as que se vivem em Prato. Nesta localidade
da Toscânia, situada a cerca de trinta quilómetros de Florença, a tensão entre
chineses e toscanos é constante.
Uma espécie de
apartheid
Berço tradicional
dos têxteis mais valiosos da Europa, os chineses começaram a chegar nos anos
1980, empregados pelas empresas familiares italianas que exportavam os seus
tecidos para toda a Europa. Em menos de uma década, nasceu a primeira geração
de empresários têxteis chineses e, hoje, estes controlam 60% da atividade, com
mais de 4800 empresas e uma população oficial de cerca de 25 mil chineses, num
total de 200 mil.
A delinquência
proliferou ao mesmo ritmo e, agora, a localidade é um epicentro das atividades
criminais e lavagem de dinheiro das máfias chinesas de toda a Europa. "A
proliferação do crime chinês na região é a mais alta de todos os grupos de
imigrantes", explica um subinspetor que acompanha o fenómeno há mais de
dez anos.
Na cidade, uns
vivem de costas viradas para os outros, numa espécie de apartheid entre
cidadãos locais e chineses. Os italianos encaram mal o enriquecimento chinês e
acusam-nos de evasão fiscal e de não trazer valor acrescentado para a região:
os tecidos, a maquinaria, os trabalhadores e os distribuidores são todos
chineses. Só o cliente final é italiano. Como beneficia então a região?
Os chineses
condenam que todos sejam julgados pela mesma bitola. Como se isto fosse pouco,
o poder político só tem contribuído para dificultar as coisas: em 2009, foi
eleito presidente da autarquia o populista Roberto Cenni e as comunidades
parecem agora mais afastadas do que nunca. Um conjunto de condições nada ideal
para a solução de um problema que – em Itália como em Espanha – exige adaptação
do lado chinês, incrementando por exemplo a dispersão de riqueza entre os
locais, com contratação de pessoal local, e maior tolerância da nossa parte
para com um grupo, cuja presença ganhou merecidamente peso e prestígio nas
nossas sociedades
Traduzido do
castelhano por Fernanda Barão
Contexto
O “Pequeno
Imperador” que queria ser Guggenheim
As dezenas de
pessoas – entre os quais 53 chineses e 17 espanhóis – suspeitas de terem
branqueado centenas de milhões de euros foram detidas no dia 17 de outubro em
Madrid, no âmbito de uma vasta operação policial. Batizada de “Operação
Imperador”, esta mobilizou mais de 500 agentes em todo o país.
A organização
desmantelada é acusada de ter branqueado 1,2 mil milhões de euros em quatro
anos de presumível tráfico. A investigação pôs a nu uma vasta rede que
branqueava dinheiro proveniente da prostituição e da extorsão de fundos,
através de sociedades fictícias, nomeadamente bares de karaoke ou restaurantes.
Segundo o
Ministério Público, o dinheiro sujo era também colocado em paraísos fiscais,
com a ajuda de intermediários espanhóis ou israelitas, ou recambiado para a
China de carro ou comboio. Entre as pessoas detidas figura Gao Ping,
considerado um dos chefes da rede. Chefe da zona comercial chinesa de Fuenlabrada,
nos arredores da capital, considerada a maior da Europa, Gao, 45 anos, chegara
a Espanha em 1989. Este mantinha boas relações com personalidades do mundo
político e económico espanhol, era também um colecionador de arte apaixonado, observa
El País, para quem este não tinha como
único interesse a venda por grosso […] a sua ambição era outra: a arte.
Inaugurou o Centro de arte contemporânea Iberia, um dos maiores espaços
privados consagrados à arte na capital chinesa.
E para isso
baseou-se num modelo:
[Este] aspirava
igualar os Guggenheim, a família de industriais e filantropos americanos que
começou com a importação de brocardo da sua Suíça natal, em meados do século
XIX, para mais tarde enriquecer com a indústria mineira e as fundições.
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