Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião
Há nos EUA uma
expressão muito usada na política: pork. Este pork, ou seja, carne de porco,
refere situações em que se desperdiça o dinheiro público para benefício de
clientelas. Em Portugal não temos palavras assim, tão despachadas e carregadas
de ironia, para designar ocorrências típicas da política.
Para o facto, por
exemplo, de o Governo ter anunciado a restrição das viagens gratuitas para os
trabalhadores das empresas de transportes e pela calada garantir aos
magistrados que mantêm essa benesse. Ou para a manutenção, na mesma corporação,
dos subsídios de habitação de 620 euros mensais não sujeitos a impostos (que
incluem magistrados jubilados e implicam mais de 20 milhões de euros/ano),
quando não se ensaiou nada em retirar a integralidade dos subsídios de Natal e
férias a todos os trabalhadores do Estado.
Difícil apontar
melhor exemplo de gorduras e mordomias que este anacrónico subsídio de
habitação concedido aos magistrados. Mas quando no início de 2011 foi discutido
o respetivo estatuto, o PSD não só não propôs a abolição do abono, como se opôs
a que fosse taxado em sede de IRS, considerando tratar-se de "uma dupla
penalização", pois o então Executivo previa já uma diminuição de 20% no
montante. Dupla penalização, claro, não será uma sobretaxa sobre o IRS ou taxar
subsídios de doença e desemprego.
Aliás, quando o
País, na retórica atual do PSD, balançava indefeso à beira da bancarrota, os
sociais-democratas não só obstaculizavam estas racionalizações de recursos como
bradavam (ouve-se ainda o eco indignado) contra qualquer aumento de impostos ou
baixa das deduções fiscais. Rasgavam as vestes ante a proposta de aumento do
IVA em produtos alimentares tão essenciais e saudáveis como os refrigerantes e
o leite com chocolate - os mesmos que nem um ano após anunciavam o aumento do
da restauração para 23%. E os autointitulados democratas cristãos, o que
guinchavam, no fim de 2010, com o congelamento das pensões? Ainda zumbe nos
ouvidos. Mas ei-los, no OE 2012, a aprovar, sem tugir, o esbulho de dois subsídios
aos pensionistas (e no OE 2013 o de um subsídio mais um corte médio de 5% mais
o maior aumento de impostos da história).
Se foi assim que
PSD e PP agiram quando, é pacífico na cartilha dos partidos no poder, o País
até já devia ter pedido um resgate e tudo, como terá sido nos anos anteriores?
Que propostas fizeram, de 2005 a 2011, para combater o que apelidam de
"criminoso despesismo do Estado"? Como votaram diplomas
governamentais visando conter a despesa pública ou racionalizar recursos?
Ah pois é.
Portanto, de cada vez que um ministro, secretário de Estado ou deputado do PSD
ou do PP se erga para mais uma catilinária contra o anterior governo pelo
"estado a que isto chegou" na vã tentativa de nos distrair das
enormidades do atual, gritemos todos, a plenos pulmões: "Leite com chocolate."
É mais elegante que aldrabões e tem a vantagem de avivar a memória.
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