Tomás Vasques* – i online, opinião
Hoje, ainda é mais
pertinente do que naquela altura saber quanto tempo pode um governo estar
enterrado antes de apodrecer
Em Hamlet, o
Príncipe quer que o coveiro lhe diga qual o tempo de decomposição dos cadáveres
– lembrou Victor Cunha Rego, em 1995, a propósito do último governo de Cavaco Silva.
Hoje, ainda é mais pertinente do que naquela altura saber quanto tempo pode um
governo estar enterrado antes de apodrecer. Já passou mês e meio sobre o óbito
deste governo, o qual teve origem no insucesso da medicamentação administrada e
cujos sintomas foram detectados em Maio, nos relatórios da execução orçamental.
Tal facto veio a precipitar, com a chegada a Lisboa dos carrascos da troika no
fim de Agosto, uma espécie de ataque cardíaco. Inesperado, mas fulminante. O
nefasto acontecimento, ocorrido a 7 Setembro, entre um jogo de futebol da
selecção nacional e um espectáculo de Paulo de Carvalho, no teatro Tivoli,
ficou designado, entre os leigos, por “fuga para a frente” e entre os
especialistas por “síndroma da TSU”. O enterro, singelo e discreto, teve lugar
no dia 16 de Setembro, com as exéquias a cargo de Paulo Portas, no Porto, após
silêncios medidos e reuniões da Comissão Política e do Conselho Nacional do
CDS-PP.
Mas, tal como
Hamlet, sabemos que entre o enterro e o apodrecimento do cadáver decorre algum
tempo, que medeia entre a rigidez e a destruição que a falta de energia
proporciona. Esse é o tempo em que vivemos – o da decomposição de um cadáver,
cujo guião oscila entre a telenovela mexicana e a tragédia grega. Neste
processo, Paulo Portas, a fazer ao mesmo tempo de defunto e amigo do defunto,
mais clarividente, ainda estrebucha e esforça-se por escapar à inevitável
decomposição que Vítor Gaspar, o ministro das Finanças que assumiu, por
ausência de visão política do líder do PSD, a chefia do governo, acelerou com a
apresentação do Orçamento do Estado para 2013. O esforço de Paulo Portas, em
prolongar o apodrecimento do cadáver, é completamente inútil, e as humilhações
políticas a que se tem sujeitado, com os risinhos de Passos Coelho, na Assembleia
da República, ou os remoques de Vítor Gaspar, naquele seu falar manso, mas
insidioso, não justificam, depois de três dias de oposição, através do
silêncio, a declaração de voto favorável do Orçamento do Estado. O líder do
CDS/PP, apesar do seu instinto de sobrevivência política, devia saber, por
experiência própria, que sai sempre com amargos de boca eleitorais das
coligações governamentais com o PSD. Na última vez, em 2005, o resultado
eleitoral foi tão escasso (ficou atrás do PCP) que abandonou a chefia do seu
partido. Desta vez, quando o governo está morto e enterrado, e em que as
eleições antecipadas estão por um fio, mais mês, menos mês, Paulo Portas e o
CDS/PP têm feito a prova de que, mesmo no governo, não contam para nada, nem
condicionam minimamente as medidas do executivo, de onde resulta um suicídio
político, pessoal e partidário. Este era o momento decisivo para Paulo Portas e
o CDS-PP “partirem a loiça “e conquistarem o eleitorado que, ainda hoje, não
entende porque votou em Passos Coelho. Ao viabilizar este Orçamento do Estado,
depois de todos os arrufos, não se livra do mesmo destino eleitoral que couber,
no rescaldo, ao PSD.
Neste momento de
putrefacção do governo, temos um primeiro-ministro que abdicou, por
incompetência, do exercício das suas funções, permitindo que o ministro da
Finanças lhe ocupasse, de facto, o cargo. Vítor Gaspar, no seu autismo, dá-se
ao luxo de humilhar politicamente o líder do partido da coligação que sustenta
o defunto governo e, na passagem, o Presidente da República, cujo
comportamento, diga-se, não merece melhor. Voltando ainda a Hamlet, Passos
Coelho, desorientado, está a assumir, ao mesmo tempo, nesta tragédia que nos
espreita, o papel de coveiro e de cadáver. O verdadeiro Príncipe, Vítor Gaspar,
depois do desastre, regressará a uma qualquer instituição europeia incólume,
como se não tivesse levado um país à desgraça. O único drama é que a maioria
dos portugueses paga caro estes desvarios de um governo que já está morto e
enterrado.
PS. - Passos
Coelho, após sete horas de reunião de Conselho Nacional do PSD, em declarações
à comunicação social, garantiu que não existe nenhum problema entre os dois
partidos que compõem o actual governo, como se falasse para um bando de loucos.
* Jurista. Escreve à
segunda-feira
Sem comentários:
Enviar um comentário