Luís Rainha – i online, opinião
Uma idosa cai e
fractura o colo de um fémur. No hospital, a sua família recebe uma breve lição
dos factos da vida, ainda que tartamudeada por meias palavras: naquela idade
talvez não valha a pena uma cirurgia onerosa. Esta pode nem resultar, deixando,
de qualquer forma, a senhora acamada para o resto (escasso, é bom de ver) dos
seus dias. Como toda a gente sabe ou imagina, isto acontece quotidianamente. E
não é de agora, destes dias em que tudo, da dignidade à decência, tende a ser
cada vez mais racionado.
Há semanas, o
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida produziu um parecer em que
abordou o “actual racionamento implícito” na administração de terapias. Expondo
o carácter “inaceitável” de decisões sujeitas a subjectividades e a “contingências
múltiplas”, propondo modelos transparentes para a escolha de prioridades,
capazes de conviver com a inevitável economia de meios.
Do Zé da Esquina à
Ordem dos Médicos, tudo bramou contra tal ideia. “Aberração ética”, “desumano”,
processos aos médicos envolvidos... o “racionamento” ficou anatematizado como
invenção do demo, fazendo-se de conta que não é habitual – mesmo sem normas
escrutináveis. Em suma: pratica-se, mas é feio falar disto em público.
Ah, falta o fim da
história verídica. Após um telefonema para amigos no ministério, a operação da
septuagenária ficou marcada num piscar de olhos. Dez anos volvidos, a senhora
ainda anda por aí, viva e móvel. É o direito à saúde dos bem relacionados. Sem
racionamentos.
Escreve à
quarta-feira
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