The Guardian, Londres
– Presseurop – imagem Cost
Os líderes europeus
estão atualmente a criar um novo projeto para a União, mas se quiserem evitar
uma nova rejeição da Constituição de 2005, talvez devam consultar o modelo
sul-africano pós-apartheid, escrevem dois académicos, um espanhol e um
americano.
Um espetro persegue
a Europa. A rejeição da Constituição da UE nos referendos nacionais de 2005
levou os líderes políticos a responder à atual crise com medidas de emergência
que não requerem a aprovação popular. Mas soluções a longo prazo pedem legitimidade
democrática.
O presidente da
Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, chegou ao ponto de propor uma federação
de Estados-nação. O alemão Guido Westerwelle, juntamente com outros oito
ministros dos Negócios Estrangeiros, propôs
recentemente reformas fundamentais que poderão levar a uma Europa a duas
velocidades – desde que seja aprovado por uma maioria qualificada dos
Estados-membros, o seu novo tratado irá uni-los, ainda que os outros Estados
não estejam de acordo. Estas revisões de grande envergadura não podem ser alcançadas
sem o consenso popular.
A democracia direta
é um negócio arriscado. A Europa não deverá repetir os erros organizacionais
que contribuíram para o fracasso de 2005. A convenção constitucional criou
nessa altura um texto escrito de 350 páginas numa linguagem legalista que
iludiu os eleitores comuns. Pior ainda, não foi feito nada de concreto para
encorajar os cidadãos a deliberar com seriedade a escolha fatídica que lhes foi
apresentada. Não admira que os debates nacionais tenham sido dominados pelos políticos
mesquinhos daquela altura.
Desta vez, a Europa
deverá seguir o exemplo bem-sucedido do modelo de três fases da África do Sul
na criação da constituição. Durante a primeira fase, os participantes tentaram
chegar a acordo sobre uma declaração de princípios fundamentais. Apenas depois
passaram para o longo texto legalista que elabora o novo contrato social. Por
fim, coube ao Tribunal Constitucional da África do Sul confirmar se os
legalismos detalhados estavam em conformidade com os princípios iniciais.
Princípios
constitucionais compreensíveis
Para adaptar este
modelo à Europa, o projeto deveria seguir os atuais tratados, sendo organizada
uma convenção que represente os parlamentos nacionais e o europeu, os chefes de
Estados e governos, e a Comissão Europeia. Este órgão focar-se-ia na formulação
de princípios constitucionais compreensíveis – que seriam mais tarde revistos
numa conferência intergovernamental.
Por exemplo, esta
declaração definiria os poderes conferidos à União, mas não uma lista detalhada
de competências; estabeleceria os princípios de representação nos órgãos
europeus, mas não elaboraria regras de votação. No seguimento da recente
proposta apresentada pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, esta indicaria
também quantos membros da UE devem pronunciar-se sobre a ratificação do tratado
final antes que este seja aplicado às partes interessadas.
A primeira fase
termina com cada Estado-membro a aceitar ou recusar a declaração de princípios
– através de um referendo ou uma votação no parlamento, consoante a
constituição do país. O caráter claro dos princípios desempenhará um papel
fundamental em países como a França (certamente) e a Alemanha (provavelmente)
que optarão pela via democrática.
Os nacionalistas
deixarão de poder denunciar a opacidade do tratado como parte de uma enorme
conspiração “eurocrática”. Os eleitores passarão a assumir as suas escolhas com
firmeza. Independentemente de serem a favor ou contra, a probabilidade de
caírem na demagogia populista será menor. A atenção dada aos princípios ajudará
também os países a debater a necessidade de alterarem as suas constituições
nacionais (o que poderá muito bem ser o caso na Alemanha).
Garantir a
conformidade do texto final
Quando forem
realizados referendos, os cidadãos terão também de votar para eleger os
representantes nacionais para a segunda fase da convenção que negocia o texto
final. Uma vez que os candidatos rivais assumirão diferentes posições na
declaração de princípios, os seus debates ajudarão os eleitores a compreender
melhor as questões fundamentais levantadas pelo referendo. Caso os cidadãos
votem a favor, os representantes eleitos pelo povo deverão criar outra relação
democrática com o documento final, para reforçar a sua legitimidade.
A segunda convenção
não poderá abusar do seu mandato baseando-se nos princípios fundamentais. Em
vez disso, deverá submeter o seu trabalho a um tribunal especial que irá
garantir a sua conformidade. O presidente do Tribunal de Justiça Europeu deverá
presidir a um tribunal composto pelo presidente juiz do tribunal da mais
elevada instância dos Estados-membros. Este tribunal irá garantir a
conformidade do texto final para com os princípios constitucionais aprovados
pelos eleitores. A última verificação judicial deverá atribuir ao novo tratado constitucional
legitimidade suficiente para entrar em vigor sem uma nova ronda de ratificações
por parte dos Estados-membros. Também reduzirá o risco de futuras contestações
jurídicas contra uma UE reconstruída perante os tribunais nacionais.
A Europa enfrenta
uma escolha histórica. Os líderes políticos não podem garantir um resultado de
sucesso. Mas têm a grande responsabilidade de criar um sistema que colocará as
questões-chave, para permitir uma decisão democrática e produtiva. O nosso
processo de três fases poderá gerar conclusões dentro de um período de tempo
razoável e servir como uma forte fundação democrática para uma união preparada
para enfrentar os desafios do século XXI.
*Traduzido do
inglês por Rita Azevedo
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